Pandemia faz Boeing reavaliar compra da linha comercial da Embraer

 
Igor Gielow
São Paulo
20.mar.2020 às 12h10

 
A pandemia do coronavírus colocou em xeque o maior negócio da área aeroespacial da história do Brasil, a compra da divisão de aviação comercial da Embraer pela Boeing.

A fabricante norte-americana está reavaliando o acordo no qual gastaria US$ 4,2 bilhões (cerca de R$ 21 bilhões nesta sexta, 20) à luz do pedido de salvamento de US$ 60 bilhões (R$ 300 bilhões) que fez ao governo Donald Trump.

Segundo pessoas envolvidas com a negociação, a vontade americana é manter a compra e não há decisão final tomada, e o lado brasileiro não foi informado de qualquer mudança de planos. Mas a lógica na mesa é clara.

A Boeing já vinha enfrentando a maior crise de sua história com a paralisação da linha de produção de seu principal avião, o 737 MAX, devido a problemas técnicos que causaram dois acidentes, em 2019 e 2020, deixando 346 mortos.
Apesar de vários anúncios de retomada da vendas, a empresa progressivamente foi frustrada por autoridades aeronáuticas, e no começo deste ano parou a fabricação. Espera retomar o produto este ano, mas analistas têm dúvidas sobre isso.

A crise do coronavírus caiu como meteoro sobre a situação. De janeiro para cá, o mercado aeroespacial tomou um tombo devido à expectativa de redução de demanda.

A IATA (Associação Internacional de Transporte Aéreo) estima que 2020 terá uma queda de até 30% na média no número de passageiros, que em 2019 foram cerca de 4,5 bilhões.

No Brasil, as maiores empresas do setor, Latam e Gol, já anunciaram cortes de 60% a 70% de seus voos neste primeiro momento de restrição devido à pandemia. Reduções de jornada já começaram.

As ações da Boeing despencaram 62% desde janeiro, movimento semelhante aos da sua rival europeia Airbus (54%) e da Embraer (50%).

Nenhuma empresa divulgou números, mas há relatos de estocagem de modelos bons de venda, como o Airbus-321 ou o Boeing-787. A Embraer confirmou que iria adiar algumas entregas, sem detalhes também.

Menos passageiros, menos aviões. A associação das empresas aéreas americanas pediu US$ 54 bilhões (R$ 270 bilhões) ao governo, e a Boeing, maior fabricante do setor civil no país, negocia o seu pacote.

Analistas creem que ao fim a empresa irá se contentar com valores menores. Um ponto central na discussão é se a compra da Embraer seria contraditória num momento de aperto ou justamente o contrário.

A ideia para a segunda hipótese é anticíclica. Além de ter uma linha de jatos regionais que a Boeing não possui, a Embraer sempre atraiu os americanos pelo notório dinamismo de sua área de engenharia.

O fiasco do MAX, visto por muitos especialistas técnicos como um modelo velho esticado tecnologicamente além de suas possibilidades, e os atrasos na entrega do novo 777X, que ficou para 2021, explicitam a necessidade de uma renovação no setor.

Nesse sentido, a incorporação da Embraer seria um negócio defensável para injetar ânimo na Boeing —que trocou sua direção na virada do ano devido à crise do MAX.

A pressão pública nos EUA, centrada no Congresso, será inevitável contra a compra. Argumentos nacionalistas, como a preservação de empregos americanos, serão levados em conta.

As empresas não comentam a situação ou, como a Boeing disse em nota, "discuss?es entre as partes ou especulações do mercado”. "Estamos trabalhando no processo de aprovações regulatórias e em condições ainda pendentes para a conclusão do negócio", diz a empresa.

O acordo Boeing-Embraer é um enredo que se desenrola desde o fim de 2017. No começo de 2019, o modelo que agradou a todos foi acertado: a área comercial brasileira terá 80% de controle americano (os US$ 4,2 bilhões), enquanto a divisão de defesa e jatos comerciais seguirá com Embraer nacional.

Os acionistas da Embraer ganhariam com o negócio US$ 1,6 bilhão (R$ 8 bilhões) em dividendos.

A nova fabricante passou a ser chamada de Boeing Brasil – Commercial, e durante todo o ano passado foi feito um intrincado trabalho para separar as empresas, que está praticamente finalizado.

Além do foco na linha hoje chamada de E2, que ainda deve ser renomeada se o negócio sair, já há planos para o desenvolvimento de um novo modelo turboélice para rotas curtas.

Também foi criada uma joint-venture para explorar a venda do cargueiro C-390 Millennium, que busca avançar no mercado hoje dominado pelo antigo C-130 Hércules.

Oito órgãos reguladores de concorrência mundiais já aprovaram a transação, que só não saiu em janeiro como previsto porque a União Europeia está dificultando as coisas.

No mercado, fica no ar a suspeita de favorecimento tácito à Airbus, um consórcio do continente, que em 2018 comprou a linha de aviação civil da canadense Bombardier, a maior concorrente da Embraer no mercado regional.
Seja como for, o adiamento neste momento até ajuda a Boeing a ganhar tempo enquanto negocia seu pacote de auxílio com a administração Trump. A previsão inicial era de que os europeus dessem seu veredicto em maio, mas a crise do coronavírus embaralhou tudo.

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