Brasil – Depois de cinco anos, novo diálogo militar com os EUA

José Meirelles Passos

Estados Unidos e Brasil vão retomar hoje, em Brasília, o diálogo político-militar que estava interrompido há cinco anos. Os desafios de segurança no hemisfério – como as sofisticadas redes do crime organizado, o narcotráfico e o tráfico tanto de armas quanto de pessoas – e as maneiras de enfrentá-los em parceria serão discutidos por diplomatas e militares de ambos os países. Mas o secretário de Estado Assistente para Assuntos Político-Militares, Andrew J. Shapiro, vai colocar sobre a mesa um outro tema que, no fundo, é o que no momento mais interessa ao governo brasileiro: o acesso à tecnologia de armas e outros equipamentos militares dos EUA.

– Há no governo e no Congresso dos EUA um compromisso de se fazer uma robusta transferência de tecnologia ao Brasil, garantindo que os sistemas americanos sejam fornecidos de acordo com as necessidades brasileiras – afirmou Shapiro em entrevista ao GLOBO, anteontem à noite, no Rio de Janeiro.

Autoridades do ministério da Defesa e do Itamaraty terão do outro lado da mesa Shapiro e representantes do Pentágono e também do Comando Conjunto das Forças Armadas americanas. Não se esperam acordos. Mas trocas de ideias para identificar "coisas nas quais possamos trabalhar em conjunto, como parceiros", disse Shapiro.

– Há muitas ideias erradas e impressões equivocadas sobre a transferência de tecnologia. Particularmente em se tratando da concorrência dos caças, é inquestionável o nosso compromisso pela transferência de tecnologia. Minha esperança é a de que possamos falar sobre os aspectos técnicos disso – acrescentou.

Segundo um funcionário do Itamaraty, a expectativa brasileira em relação ao "Diálogo Político-Militar EUA-Brasil" de hoje (o mais recente foi em 2006, em Washington) é a de o governo brasileiro obter "condições ótimas" em termos de acesso tecnológico:

– Não compramos mais apenas os equipamentos militares. Agora estamos interessados em pacotes tecnológicos – disse a fonte.

É Shapiro quem autoriza, ou não, as vendas de armas

Ontem, em discurso na Escola Superior de Guerra, no Rio, Shapiro afirmou que um pacote já aprovado pelo Congresso americano daria ao Brasil acesso expandido à tecnologia americana. E garantiu, sem dar detalhes, que a proposta americana "contém uma oferta sem precedentes para a liberação de tecnologia significativa ao Brasil".

– Posso dizer aos senhores que o índice de aprovação para pedidos de licenças, envolvendo a exportação de tecnologia para o Brasil, está acima de 90 por cento. Esse índice é, de fato, igual ao de outros parceiros íntimos dos EUA – afirmou Shapiro à platéia.

Ele chefia um birô no Departamento de Estado com ligação direta com o Pentágono. É ele quem autoriza as vendas de armas e equipamentos militares a outros países. A sua missão é a de "garantir que as prioridades militares dos EUA estejam alinhadas com as suas prioridades em política externa". Shapiro é o braço direito da secretária de Estado, Hillary Clinton, em assuntos de defesa há tempos: antes de assumir o atual posto, um ano atrás ele foi conselheiro dela nesse assunto ao longo de oito anos, no Senado.

O encontro de hoje não resultará em acordos imediatos. Trata-se de uma troca de idéias sobre defesa que, segundo Shapiro, os EUA querem ter com mais frequência com o Brasil, uma vez que o país é "reconhecido como um poder global":

– Alguns especulam que os EUA devem ver a emergência do Brasil como um desafio à influência americana ao redor do mundo e nas Américas. Alguns ainda permanecem desconfiados de laços íntimos com os EUA. De nossa perspectiva, já passou da hora de irmos além dessas montagens falsas e suspeitas de uma era ultrapassada. A noção de que as ascensão do Brasil deve vir às custas dos EUA é reflexo de uma visão obsoleta do mundo – afirmou Shapiro, manifestando-se disposto a aprofundar a parceria, e a "colocar nos trilhos esse diálogo político-militar com o Brasil", com encontros a cada dois anos ou "quando surgir o desejo ou necessidade de um dos lados".

Ao longo de toda a entrevista Shapiro se esmerou em transmitir a sensação de que o governo de Barack Obama pretende, de fato, dar um novo rumo ao relacionamento entre ambos os países, buscando um engajamento mais profundo com o Brasil inclusive na área militar.

Suas palavras soavam como uma clara tentativa de apagar conceitos emitidos durante o governo passado, e que foram registrados em dezenas de telegramas oficiais enviados a Washington pela embaixada dos EUA. Como um de novembro de 2009, por exemplo, dizendo que "dentro da América do Sul o Brasil vê os Estados Unidos como um competidor, e permanece profundamente suspeito de nossos motivos e intenções"; e que, por isso, era difícil haver uma cooperação militar entre os dois países.

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