DESGASTE DAS FORÇAS ARMADAS: Ameaça ao Estado Democrático de Direito?


Gen Ex Carlos Alberto Pinto Silva

Ex-comandante do Comando Militar do Oeste,
do Comando Militar do Sul, do Comando de Operações Terrestres,
Membro da Academia de Defesa e do CEBRES

 
 
Vivemos atualmente uma grave crise no Brasil. Diariamente, assistimos a traficantes, e outros tipos de bandidos, desafiando a sociedade e enfrentando de maneira hostil e violenta os órgãos de Segurança Pública.

Não podemos, numa conjuntura de ameaças multidimensionais, ter como referência paradigmas antigos no que se refere à defesa, soberania, e ao combate ao crime organizado.

A Constituição federal de 1988 estabelece claramente, nos artigos 142 e 144, o papel das Forças Armadas e de seus órgãos policiais responsáveis pela segurança pública. Reza, portanto, a nossa Carta Magna que a missão essencial das Forças Armadas é a defesa do território e da soberania nacionais e que a segurança pública deve ser exercida pelas Polícias Federal, Rodoviária Federal e Ferroviária Federal, Polícias Civil e Militar.” (2)

O artigo 142 da Constituição institui, manifestadamente, a destinação das Forças Armadas de Defesa da Pátria, de garantia dos Poderes Constituídos e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Por defesa da pátria entende-se a defesa do território e da soberania nacionais.

Soberania,“em sentido lato, é o poder de mando de última instância numa sociedade política". Refere-se à entidade que não conhece superior na ordem externa nem igual na ordem interna.

Relaciona-se a poder, autoridade suprema, independência (geralmente do Estado). Em outras palavras, soberania é uma autoridade superior que não pode ser limitada por nenhum outro ator.

Ainda outra definição:

– "Um poder supremo, exercido com exclusividade num determinado território e sobre uma determinada população. Expressa a ideia de um poder consentido."

Defesa é “o ato ou o conjunto de atos realizados para obter, resguardar ou  recompor a condição conhecida como de segurança”. A defesa guarda, portanto, correlação com os níveis de segurança existentes, sejam estes níveis individual, comunitário, nacional ou coletivo, sendo que “dependendo da ameaça, instrumentos adequados são empregados, isoladamente ou em conjunto, para obter, resguardar ou recompor a situação de segurança.”  (3)

Defesa é atribuição do Governo Federal e se, em função da magnitude e do tipo da ameaça ou problema, o Estado resolve ou precisa utilizar as Forças Armadas para resolvê-lo, a ameaça deverá ser considerada de Defesa.

Segurança Pública é atribuição das Instituições do governo e dos estados da Federação, previstos na Constituição.

É um dos instrumentos que o Estado possui, da mesma forma que a defesa, saúde, educação e habitação para resolver seus problemas, neste caso a segurança das pessoas.

O Estado brasileiro protege o seu espaço de soberania nacional em relação a outros Estados. No entanto, seus últimos governos não têm conseguido evitar que a sua soberania seja violada diariamente. Não por outras nações, mas por grupos do crime transnacional, que cruzam as fronteiras à procura de novos negócios, e por ações de criminosos nos estados da Federação, que impedem que as autoridades exerçam o poder de mando em última estância em áreas definidas, como ocorre nas favelas do Rio de Janeiro, por exemplo.

Por isso, ressaltamos: caso o Governo Federal, em função da magnitude da situação e/ou da incapacidade de os estados federados preservarem, na plenitude, a soberania nacional em seus respectivos territórios, entenda que essa ameaça vai além da garantia de lei e da ordem, pois, constitui um problema de Defesa ou Soberania, não deverá vacilar na decisão de empregar todos os meios necessários para enfrentá-la, aqui incluídas as Forças Armadas, levando à necessária decretação do Estado de Defesa para amparar legalmente tal emprego.

É preciso ser prudente, contudo, antes de engajar as FA em tarefas diferentes daquelas para as quais elas são prioritariamente destinadas. É claro que as FA, organizadas para garantir a defesa do país em caso de conflito ou ameaças a soberania, podem também garantir a segurança da população em caso de catástrofes, de grave perturbação da ordem, ou de paralisia de serviços essenciais. Todavia, uma Força Armada não deve ser jamais usada como uma reserva de mão de obra. (4)

As Forças Armadas, no caso da Garantia da Lei e da Ordem, devem ser empregadas rigorosamente dentro do previsto na legislação (5) (Grave perturbação da ordem, caráter emergencial e temporal, falta de capacidade do Estado) (6) , e não como uma reserva de mão de obra disponível, como pensam o governo e políticos.

“O emprego das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem, vem se tornando praxe significativa e preocupante (7).  É um tema muito sensível e sujeito a inúmeras análises e interpretações, até mesmo de sua inconstitucionalidade” (8). Tal atitude vai ao encontro do que disse um político renomado: “É uma mão de obra disciplinada, confiável, de pronto emprego e não entra em greve”.  (9)

Verifica-se que militares e as próprias Forças Armadas entendem e propagam que o governo os tem apoiado em recursos militares para as operações de GLO, apoio este que possibilita algum incremento de operacionalidade convencional.

É importante, contudo, que a sociedade e os militares tenham em mente que o governo continua abertamente com a política de desgaste às Forças Armadas (Desvirtuamento do emprego, revanchismo, controle pelo orçamento, soldos baixos e revisionismo histórico através da CNV), e que o projeto de derrocar as Forças Armadas não é uma questão importante somente para os militares; o que se joga nesta luta é nada menos que o Estado Democrático de Direito.
 

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1 – Carlos Alberto Pinto Silva / General de Exército da reserva / Ex-comandante do Comando Militar do Oeste, do Comando Militar do Sul, do Comando de Operações Terrestres, Membro da Academia de Defesa e do CEBRES.
2- Guarda Pretoriana – Gen Ex R1 Rômulo Bini Pereira – Texto publicado na área de opinião de O Estado de São Paulo – Link: http://www.defesanet.com.br/pensamento/noticia/15654/Guarda-pretoriana/
3 – (Brasil, 2007, p. 19)
4 – Uma Força Armada Não Deve Ser Jamais Usada Como Uma Reserva De Mão De Obra – Link: http://www.defesanet.com.br/mout/noticia/15159/Uma-FORCA-ARMADA-nao-deve–ser-JAMAIS-usada-como-uma–RESERVA-de–MAO-DE-OBRA/
5 – A  atuação das Forças Armadas na manutenção de lei e da ordem, prevista pela Constituição, não tem seguido o que estabelece a legislação. O esgotamento dos “instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, que possibilitam a sua ação, deve ser “formalmente” reconhecido pelo chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual. O controle operacional dos órgãos de segurança pública têm de ser transferidos às Forças Armadas, também por ato formal. Isso não tem ocorrido. http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,militares-e-seguranca-ublica,10000067471
6 – Em mais um reconhecimento de que a crise do estado afeta a segurança pública, o secretário José Mariano Beltrame disse nesta quinta-feira que quer pedir a permanência das Forças Armadas nas ruas do Rio mesmo após as eleições: http://oglobo.globo.com/rio/beltrame-quer-que-militares-fiquem-no-rio-apos-eleicoes-19996268#ixzz4IR8J0WeU
7 – Beltrame pede Forças Armadas e Força Nacional de Segurança até o fim do ano no Rio. http://blogs.oglobo.globo.com/ancelmo/post/beltrame-pede-forcas-armadas-e-forca-nacional-de-seguranca-ate-o-fim-do-ano-no-rio.html
8 – Intervenção das Forças Armadas nas condições em que tem sido feita violenta e desvirtua sua vocação. http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,militares-e-seguranca-publica,10000067471
9 – Guarda Pretoriana – Gen Ex R1 Rômulo Bini Pereira – Texto publicado na área de opinião de O Estado de São Paulo – Link: http://www.defesanet.com.br/pensamento/noticia/15654/Guarda-pretoriana/

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