O abutre capturado por milícia na guerra do Iêmen acusado de ser espião

Nelson estava em um canto apertado, amarrado e preso por homens que acreditavam que ele era um espião. Quando foi capturado, levava um rastreador por satélite acoplado a sua perna, mais sofisticado do que muitos dos equipamentos existentes em Taiz, cidade que fica na linha de frente da catastrófica guerra no Iêmen.

Nelson, eles concluíram, estava transmitindo segredos militares. Em qualquer guerra, é uma má notícia ser acusado de espionagem. No Iêmen, um lugar empoeirado, isolado e desesperado, a suspeita corre solta nas mentes de homens armados. Mesmo se você for um abutre. Amarrado, enfraquecido e de aspecto miserável, Nelson dava dó preso em sua cela.

É um pássaro grande, um raro abutre-fouveiro, também conhecido como grifo, mas ainda considerado um jovem imaturo. Mas isso não suavizou sua situação com seus captores, uma milícia leal ao internacionalmente reconhecido governo iemenita, que é apoiado pela Arábia Saudita.

Eles viram o aparelho de GPS na perna esquerda de Nelson e pensaram o pior: o abutre estaria em uma missão para os rebeldes houthis, o grupo que controla a capital do país, Sanaa.

Rastreador era usado para monitorar o paradeiro do abutre

Na verdade, o rastreador havia sido instalado em Nelson por razões bem mais inocentes, para que ele pudesse ser acompanhado e monitorado por biólogos, em um esforço para conservar sua espécie.

Nelson foi um dos 14 abutres que receberam rastreadores e placas de identificação em suas asas na Bulgária, onde a jornada de Nelson começou.

Para a sorte de Nelson, ele tem amigos. Na Bulgária, o grupo ambientalista responsável pelo rastreador, o Fundo para Fauna e Flora Silvestres (FWFF, na sigla em inglês), estava acompanhando o progresso da ave enquanto ela rumava para o sul, cruzando Turquia, Líbano, Síria, Jordânia e Arábia Saudita.

Eles não estavam preocupados com esta odisseia. Jovens grifos machos geralmente voam grandes distâncias antes de voltarem para casa. Mas, em novembro de 2018, eles perderam contato com Nelson depois que ele cruzou a fronteira do Iêmen.

Os captores acreditavam que o dispositivo de rastreamento estava sendo usado para transmitir segredos militares ao movimento rebelde houthi

Em meio à guerra e à fome, um esforço para salvar um pássaro

Nelson não era um espião, e esse exótico visitante búlgaro passou a conquistar simpatizantes enquanto voava em torno de Taiz, uma cidade tão afetada pela guerra e que passa por problemas tão graves que ajudar um pássaro, imagina-se, não seria uma prioridade.

Ainda mais neste mês de abril, quando Taiz foi tomada, como grande parte do Iêmen, pelo terceiro grave surto de cólera desde o início da guerra, em 2015.

E em 5 de abril, o FWFF recebeu centenas de mensagens e emails de iemenitas preocupados com o bem-estar do grifo. Um endereço e número de telefone búlgaro estavam na etiqueta de Nelson. Os iemenitas enviaram fotos que ajudaram a identificá-lo.

Os ambientalistas na Bulgária ficaram surpresos que tantos iemenitas tenham se preocupado com o abutre, em meio a um conflito que se tornou, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a emergência humanitária mais séria do mundo.

Nadya Vangelova, do FWFF, chama de "pessoas maravilhosas" os iemenitas que cuidaram do pássaro, apesar da situação que enfrentam no Iêmen. Mas acrescentou que eles sabiam que ajudar Nelson seria difícil em um país que estava lutando para sobreviver à guerra, à cólera e à fome.

Mas as tentativas locais de ajudar o abutre enfrentaram problemas quando o grande pássaro com o rastreador via satélite chamou a atenção de uma milícia local. Eles capturaram Nelson e o levaram para uma base em Taiz, comandada por um homem com o nome de guerra de general Salem.

A notícia da situação de Nelson chegou a uma ONG chamada One World Actors Animal Rescue. Um homem corajoso e determinado chamado Hisham al-Hoot fez a perigosa viagem de Sanaa para Taiz. Ele pediu ao general Salem que Nelson fosse libertado – e teve acesso ao animal para que pudesse alimentá-lo enquanto aguardava por uma decisão.

Na Bulgária, os conservacionistas fizeram campanha pela libertação de Nelson na embaixada do Iêmen, enquanto outros na França e na Irlanda espalharam a notícia. Funcionou. A milícia foi convencida de que o rastreador de Nelson não estava lá para espioná-los e ele foi libertado.

Nelson está sendo alimentado a cada hora para fazer com que ganhe peso para voltar para casa

Pássaro está se recuperando para voltar para casa

Nelson estava com asas danificadas e uma ferida antiga no pescoço. Seus pés estão machucados, e a pele do tornozelo esquerdo tem escoriações por terem sido amarradas. Ele está pesando 4,8 kg. Para ser capaz de voar, ele precisa estar pesando ao menos 5 kg.

O abutre está sendo alimentado com carne e água a cada hora para fazer com que ganhe peso. Em seis a oito semanas, se tudo correr bem, ele estará forte o suficiente para ser libertado e iniciar sua longa migração de volta para a Bulgária.

Pode parecer estranho, talvez até errado, dar atenção e carne fresca a um pássaro em um país onde quase 240 mil pessoas enfrentam níveis catastróficos de fome, segundo a ONU.

Mas a resposta dos iemenitas às desventuras de Nelson poderiam ser vistas como uma afirmação de sua própria humanidade.

Ajudar os outros, fazer pequenos favores, preocupar-se com um abutre búlgaro perdido pode aliviar tempos infelizes. Mesmo na guerra, mesmo no Iêmen, mesmo na pior emergência humanitária do mundo.

 

 

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