MB se aproxima da União Africana e pode patrulhar ‘chifre da África’


MB se aproxima da União Africana e
pode patrulhar ‘chifre da África’

 
Roberto Lopes
Exclusivo para DefesaNet

 
Após passar quase 20 anos consolidando uma rotina de relacionamento com ao menos uma dúzia de Marinhas e Guardas Costeiras de países africanos, a Marinha do Brasil deu o primeiro passo para se envolver formalmente na segurança da navegação em águas africanas. A 1º de agosto último foi ativada a Aditância de Defesa, Naval, do Exército e Aeronáutica em Adis Abeba, capital da Etiópia, a cargo de um oficial superior da Força Naval brasileira.

Nota DefesaNet – Marinha do Brasil – Nota de Esclarecimento referente a esta matéria divulgada pelo Centro de Comunicação da Marinha do Brasil Link

A inauguração dos trabalhos desse novo escritório foi presidida pela Embaixadora na Etiópia, Isabel Cristina de Azevedo Heyvart, e contou com a presença do contra-almirante Flávio Augusto Viana Rocha, Subchefe de Estratégia do Estado-Maior da Armada – a repartição mais interessada no funcionamento da Aditância.

Com uma população próxima dos 3 milhões de habitantes (de mais de 80 nacionalidades) Adis Abeba sedia a União Africana, duas dezenas de organizações internacionais e 95 missões diplomáticas e consulares estrangeiras. Em maio do ano passado, a presidenta Dilma Roussef esteve na cidade, em companhia do então chanceler Antônio Patriota, para participar das cerimônias comemorativas do jubileu de ouro (50 anos) da União Africana.

Há cerca de um mês, durante sua visita à capital etíope, Rocha encontrou-se com a Presidente da Comissão da União Africana, Nkosazana Clarice Dlamini Zuma, ex-ministra das Relações Exteriores da África do Sul, que Dilma e Patriota também conheceram. A comissão que ela chefia é o órgão executivo das decisões adotadas pelas Assembleia-Geral da União Africana.

O almirante brasileiro e a presidente Zuma (ex-esposa do chefe de Estado sul-africano Jacob Zuma) reafirmaram o propósito de uma “cooperação técnica” da Marinha do Brasil com a organização africana que, na prática, irá se traduzir pela presença de um navio brasileiro no grupo-tarefa internacional que patrulha o Golfo da Guiné, mais recente foco de pirataria marítima do planeta.

“Chifre da África”

A adesão da Marinha do Brasil ao patrulhamento do Golfo é reivindicação antiga da União Africana, reforçada no começo deste ano, durante uma reunião em Lisboa, por delegados das nações da África Negra que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

A novidade é que a abertura da Aditância em Adis Abeba permitirá que o representante do Brasil estabeleça contato com os comandantes dos navios americanos, europeus e asiáticos mobilizados pela chamada Operação Atalanta – a força-tarefa que patrulha o denominado “Chifre da África”.

A área de atuação dessa força multinacional é o perímetro marítimo formado por águas jurisdicionais da Somália e áreas adjacentes, como o perigoso litoral sul do Golfo Pérsico, santuário de organizações terroristas associadas à Al Qaeda.

Nesse momento, 11 marinhas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), mais seis não pertencentes à Aliança Atlântica, fornecem embarcações para as forças de patrulhamento da região.

O Brasil é a única nação do grupo dos BRICS que não está engajada no combate aos piratas que agem ao largo do litoral da Somália. Mas a abertura da Aditância brasileira em Adis Abeba e o conseqüente estreitamento da ligação com a União Africana abrem à Marinha a possibilidade de participar com um navio – no regime de “presença rotativa” – da luta contra os piratas somalis.

Os dois principais problemas para a intervenção da frota brasileira tanto no Golfo da Guiné quanto no litoral da Somália são a disponibilidade de meios e a alocação dos recursos necessários aos deslocamentos por tempo prolongado.
Para marcar presença no grupo-tarefa que vigia o Golfo da Guiné a Marinha poderia designar um dos três navios-patrulha oceânicos, classe “Amazonas”, recentemente adquiridos à indústria naval britânica. Apesar de serem de pequeno porte, essas modernas unidades sempre poderão receber o apoio logístico das missões navais do Brasil sediadas na Namíbia e na República do Cabo Verde.

A questão é que essa categoria de embarcação é considerada muito necessária ao patrulhamento das bacias petrolíferas do sul e do sudeste. Há, contudo, uma perspectiva real dessa dependência ir se reduzindo, à medida que forem entrando em operação os navios-patrulha costeiros classe “Macaé”, de construção nacional.

O desafio de vigiar a costa somali é muito maior e mais complexo.

O navio brasileiro designado para a empreitada precisará ter o porte de uma fragata, ou, no mínimo, da corveta “Barroso” (que, para encarar grandes travessias, possui uma capacidade de armazenamento de água potável um tanto limitada).

Ocorre que todas as fragatas classe “Niterói” estão já reservadas à força da ONU que faz a proteção da costa libanesa contra incursões terroristas e de contrabando de armas – um grupamento de navios que se encontra, inclusive, sob o comando de um almirante do Brasil.    

Gangues

O centro de controle da Operação Atalanta, que funciona em Londres, estima que pelo menos cinco gangues de piratas – num total de mais de mil bandoleiros – estejam organizadas em território somali. Algumas dessas quadrilhas atuam uniformizadas, dotadas de lança-rojões além de armamento portátil leve e pesado (como metralhadoras antiaéreas), e organização para combater também em terra.

O notório processo de enfraquecimento das diferentes autoridades legais na Somália – tanto a do Executivo como a do Legislativo e a do Judiciário – transformaram esse país quase que em uma “terra de ninguém”. Tropas ocidentais lideradas por forças do Comando Africano dos Estados Unidos têm feitos incursões pontuais na costa somali, com o objetivo de procurar reféns dos piratas e destruir seus depósitos de armas e munição.

A rala presença dos Poderes Constituídos (ou que deveriam estar constituídos) facilitou a disseminação de que, nesse país, tudo é permitido. Assim, recrudesceu muito, nos últimos meses, o despejo de lixo tóxico nas águas jurisdicionais da Somália – feito, especialmente, por barcos mercantes de bandeiras asiáticas –, bem como a pesca predatória.

Brasil e Somália têm muitos interesses econômicos e comerciais em comum. Os etíopes são tradicionais plantadores de café e de cana para a produção de açúcar – áreas onde os agricultores brasileiros evoluíram muito nos últimos 40 anos. O Ministério das Relações Exteriores também tentará interessar o Ministério da Defesa etíope em aviões de ataque ao solo A-29 Super Tucano.

No carnaval de 2015 o Grupo Olodum usará em seu desfile na Bahia o tema “Etiópia, a Cruz de Lalibela e  o Pagador de Promessas”.

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