Tomada Poder – PT foge de polêmica com Forças Armadas e aborta pedido para debater papel de militares

Diretório Nacional (DN) do partido desiste de convocar uma conferência para tratar do tema: acadêmicos reivindicam discussão mais ampla com a sociedade civil

Monica Gugliano
Estadão
14 Julho 2023

O PT se absteve de mexer no vespeiro da relação com os militares e desistiu de convocar uma conferência para debater o papel das Forças Armadas. A decisão foi tomada após um encontro do Diretório Nacional do partido e publicada em uma resolução na segunda-feira, 10. Houve um voto em separado do professor Valter Pomar.

Ele faz uma dura crítica à recusa do diretório a incluir na sua resolução uma emenda dizendo o seguinte: “Não se poderá falar em democracia plena no Brasil, enquanto persistir a tutela militar. O Diretório Nacional do PT decide convocar uma conferência nacional para debater a política de Defesa Nacional e o papel das Forças Armadas”. (abaixo a íntegra da Declaração do voto de Valter pomar)

O documento final aprovado pelo diretório, intitulado Brasil do presente e do futuro: no rumo certo 9íntegra do documento), faz um balanço dos seis primeiros meses do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com o texto, o País “começou a retomada da democracia e da normalidade institucional”. O diretório pede que seja aumentada a pressão para a demissão do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, chamado de “teimoso” pelo presidente Lula por manter a taxa básica de juros, a Selic, a 13,75% ao ano.

Ao final da votação, não se falou no debate sobre os militares, abortando a ideia de convocar uma Conferência de Defesa e Forças Armadas, demanda que vem sendo reivindicada por acadêmicos e entidades da sociedade civil organizada.

“Perdemos a oportunidade de “discutir melhor” a questão militar no debate sobre o programa de reconstrução e transformação; perdemos a oportunidade de “discutir melhor” a questão militar no debate sobre o programa da federação”, afirmou Pomar em seu blog, acrescentando: “Perdemos a oportunidade de “discutir melhor” a questão militar no debate sobre o programa da coligação. O mesmo ocorreu no governo de transição. Esta atitude contribuiu para sermos surpreendidos pelo 8 de janeiro”.

O secretário-geral do partido, o ex-deputado Henrique Fontana, não quis comentar as declarações de Pomar. E o próprio Pomar também disse ao Estadão que tudo que precisava falar estava em seu blog. “Na comissão e no DN, ninguém argumentou que a tutela militar não existe ou não deva ser combatida. O problema parece estar no quando, como e onde debater o assunto. Enquanto isso não se resolve, se depender dos 47 (membros do Diretório Nacional) teremos – como eu escrevi no grupo de zap do DN – luta pelo socialismo e Petrobras, mas com tutela militar.”

Segundo Fontana, o tema não estava previsto e havia outras coisas a tratar. “Não vou comentar isso”, afirmou.

As conferências, que são instrumentos de participação social, são uma prática nos ministérios da Esplanada há várias décadas. Uma delas, a de Ciência e Tecnologia, em 1985, foi a responsável pela criação do Ministério, então entregue ao peemedebista Renato Archer. Ainda nesta quinta-feira, 13, Lula assinou o decreto para que seja organizada a 5ª Conferência que será realizada no ano que vem. O mesmo tem acontecido em outras pastas que, periodicamente, chamam a sociedade civil e debatem os temas de interesse da população e do País.

O Ministério da Defesa, embora tenha sido criado em 10 de junho de 1999, há 24 anos, nunca convocou nenhuma conferência, e o processo de elaboração dos documentos de defesa continua sendo discutido majoritariamente pelos militares. A política e a estratégia nacional de Defesa começaram a ser atualizadas, de quatro em quatro anos, no Estado Maior Conjunto das Forças Armadas. “De fato, os documentos são atualizados a cada quatro anos, mas pelos próprios militares com uma participação externa muito limitada”, observa a professora de ciência política, doutora, Adriana Marques, uma das estudiosas do tema.

O Ministério da Defesa, em resposta a um questionamento do Estadão, informou por escrito que a Política Nacional de Defesa (PND), a Estratégia Nacional de Defesa (END) e o Livro Branco da Defesa Nacional (LBDN) são os documentos estratégicos de mais alto nível no País sobre Defesa Nacional. “A PND é o documento que se destina a orientar os esforços de toda a sociedade brasileira no sentido de reunir capacidades em nível nacional, a fim de desenvolver as condições para garantir a soberania do País, sua integridade e a consecução dos objetivos nacionais”.

Segundo a nota, a Estratégia Nacional de Defesa orienta todos os segmentos do Estado brasileiro quanto às medidas a serem implementadas para se atingir os objetivos estabelecidos na Política Nacional de Defesa. “As atualizações da PND e da END são conduzidas pelo Ministério da Defesa e contam com a participação de outras Pastas, da academia, e de cidadãos”.

Entretanto, de acordo com acadêmicos, pesquisadores e outros integrantes de entidades ligadas ao tema Defesa, essas discussões são feitas sob o olhar das Forças Armadas. Segundo eles, nas outras Conferências, a ampla participação social, permite que sejam debatidos em profundidade temas de interesse da população. “Não existe no Brasil uma discussão sobre nossa política e estratégia de Defesa ou sobre o papel, o tamanho das Forças Armadas que anteceda e organize a revisão dos documentos de Defesa e a sociedade quer ter essa discussão”, afirma Adriana.

Outro item citado pelo ministério da Defesa, o Livro Branco de Defesa Nacional (LDBN), o documento que visa a informar a sociedade a comunidade internacional sobre os dados estratégicos, orçamentários e institucionais detalhados sobre as Forças Armadas é feito pela Assessoria de Planejamento do Ministério que, segundo informou, já começou a atualizar a próxima versão para 2024. “Ele é um documento importante, mas não substitui uma Conferência Nacional. Ele apenas expõe como se organiza o setor de Defesa, e reflete a visão das Forças Armadas”, diz a professora.

Valter Pomar

segunda-feira, 10 de julho de 2023
Declaração de voto

Companheiras, companheiros
Como sabem, fiz parte da comissão que elaborou a versão final do texto que acaba de ser aprovado por este Diretório.
Na comissão, apresentei inúmeras emendas, algumas das quais foram acatadas.
Considero que, divergências à parte, a resolução é mais completa do que o texto-base.
Apresentei diretamente ao DN três emendas à versão final: uma emenda sobre o socialismo, uma emenda sobre a Petrobrás e uma emenda sobre a tutela militar.
As duas primeiras emendas foram aprovadas pelo DN.
Já a emenda sobre a tutela militar foi rejeitada pelo DN.
E rejeitada por ampla maioria de votos (ou seja, votaram na rejeição cerca de 46 dirigentes, de diferentes chapas e tendências).
Sendo assim, cumprindo o regimento, peço que se registre meu voto favorável nas emendas e minha abstenção na votação principal, para que se registre em ata a seguinte declaração de voto.
Nosso partido nasceu lutando pela democracia e pelo socialismo.
Nesses 43 anos, muita gente enfraqueceu suas convicções socialistas.
Mas todo o nosso Partido segue reafirmando a democracia.
Democracia que, no passado e no presente, teve e tem na tutela militar uma de suas maiores inimigas.
Fatos recentes da história do Brasil – como o golpe contra a Dilma, a prisão de Lula, a eleição do cavernícola, a tentativa de golpe do 8 de janeiro – têm relação direta com a tutela militar.
A respeito disto, há inúmeras resoluções, aprovadas desde 1980 até 2017, no 6º Congresso Nacional do PT.
Mas o que o nosso atual Diretório Nacional, eleito em 2019, deliberou a respeito da questão?
Quando debatemos o programa de reconstrução e transformação, recusamos as propostas de resolução apresentadas a respeito da tutela militar; naquela ocasião, o Diretório escolheu remeter o tema para debate em uma comissão de especialistas, que até onde eu sei nunca se reuniu.
Quando debatemos o programa da Federação, recusamos as propostas de resolução apresentadas a respeito.
Quando debatemos o programa da coligação presidencial, recusamos as propostas de resolução apresentadas a respeito.
Na transição, não foi constituído um grupo para tratar do tema.
Aí veio o 8 de janeiro de 2023.
E apesar disto, seis meses depois, no dia 10 de julho de 2023, o Diretório Nacional do PT decidiu seguir na mesma toada, recusando uma emenda que afirma o seguinte: “Não se poderá falar em democracia plena no Brasil, enquanto persistir a tutela militar. O Diretório Nacional do PT decide convocar uma conferência nacional para debater a política de Defesa Nacional e o papel das forças armadas”.
Ou seja: o Diretório aprovou uma resolução que exige “punição severa aos golpistas que no dia 08 de janeiro intentaram contra o Estado Democrático de Direito”, inclusive punição a seus “estimuladores militares”.
Mas o mesmo Diretório prefere não falar de “tutela militar”.
E, ao mesmo tempo, prefere (numa interpretação otimista) adiar o debate organizado a respeito do papel das forças armadas.
Trata-se, na minha opinião, de um erro grave.
O golpismo de 8 de janeiro tem causas sistêmicas e seu tratamento não pode ser adiado. E o tratamento dessas causas sistêmicas inclui o debate público, aberto, democrático, acerca do papel das forças armadas.
O fato do DN não aprovar a emenda proposta não impede que o debate exista, muito menos faz a tutela desaparecer.
Mas o fato da emenda ser rejeitada revela que a direção nacional de nosso partido segue não percebendo que o tema é inescapável e inadiável, e que precisa ser tratado publicamente.
No dia 8 de janeiro, quando muita gente foi surpreendida pelos acontecimentos, vimos o resultado deste tipo de atitude.
Um documento cujo título é “no rumo certo” não deveria procrastinar nunca, muito menos em uma questão tão decisiva.
Saudações petistas
Valter Pomar

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