Elas estão na linha de frente da guerra naval


Mulheres já podem ocupar todas as funções operativas da Marinha

Por Primeiro-Tenente (RM2-T) Daniela Meireles – Brasília, DF

A retaguarda era o lugar reservado a elas na defesa nacional, até pouco tempo atrás. Quando a mais antiga das três Armas, em uma decisão pioneira, criou o Corpo Auxiliar Feminino da Reserva, em 1981, a participação das mulheres era restrita a atividades técnicas e administrativas. Este ano, porém, com a possibilidade de seu alistamento em todos os corpos e quadros da Marinha do Brasil (MB), as militares já podem ser vistas na linha de frente da guerra naval, lado a lado com os homens.

No ano passado, a MB recebeu as primeiras alunas do Colégio Naval, sua instituição de Ensino Médio, e formou suas primeiras Marinheiras de carreira. Um ano antes, a Escola Naval graduava as primeiras Oficiais dos Corpos da Armada e de Fuzileiros Navais, que, em breve, estarão no comando de navios e tropas anfíbias. A partir de junho deste ano, a defesa do Brasil contará com o reforço das primeiras militares Soldados Fuzileiros Navais, única carreira da Marinha que ainda não contava com mulheres em suas fileiras.

Com a abertura de todas as suas portas de acesso para o público feminino, a MB pretende elevar dos atuais 11,7% para 27% a participação de mulheres no seu efetivo, até 2030. Essa meta, estabelecida pela Portaria 244/2020, do Comandante da Marinha, ultrapassa os números de potências militares como os Estados Unidos, que até 2021, contavam com 20,5% de mulheres na Marinha e 9,1%, no Corpo de Fuzileiros Navais (Forças distintas naquele País), conforme relatório do Departamento de Defesa norte-americano.

Tudo de novo no “front”

Apesar do longo caminho a percorrer, a Força Naval vem acelerando o passo nesta direção. Nos últimos anos, as mulheres têm sido treinadas pelas escolas e centros de instrução para assumir um novo papel no teatro de guerra naval, desempenhando funções operativas a bordo dos navios, aeronaves e viaturas anfíbias (que se deslocam tanto no mar, quanto na terra), algo, até então, inédito para uma militar da MB.

É o caso da Segundo-Tenente Débora Corrêa, que faz parte do primeiro grupo de mulheres formadas Oficiais do Corpo da Armada pela Escola Naval, instituição de ensino superior da Marinha. “Ser militar era um sonho de infância. Sempre admirei a postura e dedicação dos militares e enxergava a carreira como forma de contribuir com a sociedade”, recorda ela, que conseguiu transformar seu desejo em realidade no ano passado, após quatro anos de estudos.

“Na Instituição, tive a oportunidade de compreender o real significado de atributos como disciplina, lealdade e cooperação”, conta a Segundo-Tenente Débora, para quem essa experiência significa uma quebra de paradigmas nas Forças Armadas. “Esse fato representa igualdade de oportunidades e ratifica a confiança no potencial feminino para tarefas que antes eram predominantemente masculinas. É extremamente gratificante poder fazer parte dessa história”, orgulha-se.

Essa jornada marcada pelo pioneirismo vem ganhando novos capítulos. Em dezembro do ano passado, as primeiras Marinheiras de carreira, formadas pela Escola de Aprendizes Marinheiros de Santa Catarina (EAMSC), foram distribuídas para servir nos navios da MB. Entre elas, estava Kelly Victória Gomes de Oliveira, que foi designada para o Navio-Aeródromo Multipropósito “Atlântico”, o Capitânia da Esquadra brasileira, onde já teve oportunidade de participar da Operação “Aspirantex”, em janeiro.

“É desafiador a cada dia, mas é uma experiência incrível e uma responsabilidade muito grande ser exemplo para as próximas mulheres. A gente não esperava ocupar esse espaço e, hoje, a gente vê que consegue. Acredito que todos ao nosso redor também enxergam isso”, avalia a Marinheira. Ela, que inspira outras jovens a seguirem a mesma profissão, também teve em quem se inspirar. Daquele grupo de desbravadoras, que ingressou na MB em 1981, três militares chegaram ao generalato.

Em 2012, a Contra-Almirante do Quadro de Médicos (Md) Dalva Maria Carvalho Mendes foi a primeira Oficial-General do País. Em sua esteira, vieram a Contra-Almirante do Corpo de Engenheiros Navais Luciana Mascarenhas da Costa Marroni, em 2018, e a Contra-Almirante (Md) Maria Cecilia Barbosa da Silva Conceição, promovida em 2023. Outros nomes, dos mais diversos corpos e quadros, deverão ampliar essa lista nos próximos anos.

“As mulheres vão demonstrando a capacidade, mostrando ao que vieram, que não podem ser só coadjuvantes, que elas têm que ser protagonistas nessa história. E mostrando essa participação, mostrando essa competência, foram galgando outros níveis, outras carreiras, e possibilitando o ingresso também de outras formas, inclusive em meio operativos”, afirmou a Almirante Maria Cecilia Conceição em entrevista ao jornal Correio Braziliense, na ocasião de sua promoção.

Do saxofone ao fuzil

As Aprendizes-Fuzileiros Navais também tiveram em quem se espelhar. A Capitão-Tenente do Quadro Auxiliar de Fuzileiros Navais (AFN) Débora Ferreira de Freitas Sabino foi a primeira militar a realizar o Curso de Especialização em Guerra Anfíbia, em 2016, tornando-se apta a comandar pelotões de infantaria. “Ser a primeira mulher em um curso predominantemente masculino e operativo me ensinou a superar desafios, a me adaptar a qualquer ambiente”, lembra.

Débora Sabino ingressou na Marinha em 2004, como Sargento Músico, única forma de admissão de mulheres no Corpo de Fuzileiros Navais (CFN) naquela época. Mas sua jornada previa voos ainda mais altos: ela foi a primeira Oficial do CFN e integrou o 25º Contingente do Grupamento Operativo de Fuzileiros Navais, da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH).

A Capitão-Tenente acredita que esse movimento das mulheres rumo à linha de frente concorre para desfazer uma visão estereotipada, comumente associada à fragilidade física e à vocação maternal. “Tenho muito orgulho de ter contribuído para a abertura deste caminho. Ressalto que é necessário muita disciplina e ter a consciência de que, se fizermos o nosso melhor, alcançaremos todos os nossos objetivos”, aconselha às futuras Soldados Fuzileiros Navais.

Na guerra ou na paz

A presença feminina nas Forças Armadas vem sendo impulsionada não apenas pelas demandas de defesa nacional, mas também das missões internacionais de paz. O Conselho de Segurança das Nações Unidas tem encorajado seus Estados-membros a ampliar o emprego de mulheres militares em operações como essa que a Capitão-Tenente Débora Sabino participou no Haiti, entre 2016 e 2017. A Resolução 1325, aprovada pelo Conselho no ano 2000, gerou ainda mais visibilidade ao tema.

Aquele ato normativo reconhecia que as mulheres sofrem de forma diferente os impactos de guerra e reforçava a necessidade de que elas participassem das decisões para a resolução pacífica de conflitos armados. Em 2009, uma nova Resolução do Conselho recomendou aos países-membros que elaborassem Planos Nacionais de Ação (PNA) ou outras medidas no âmbito doméstico, a fim de promover a implementação da Resolução 1325/2020.

Tendência mundial

Segundo a Assessora de Integração de Gênero da Junta Interamericana de Defesa (JID), Capitão de Corveta do Quadro Técnico (T) Taryn Machado Senez, cerca de 107 países já lançaram os seus respectivos PNA, incluindo o Brasil, cujo documento está em processo de revisão. “A elaboração dos Planos Nacionais de Ação tem sido uma etapa importante para muitos países na incorporação de mulheres nas Forças Armadas, refletindo um compromisso real com a igualdade de gênero, eficiência e eficácia operacional”, explica.

A Comandante alerta, no entanto, para as diferenças regionais, que implicam em limitações para a implementação dos PNA. “Enquanto alguns países têm uma longa história de inclusão feminina nas Forças Armadas, outros estão em fases iniciais desse processo. O progresso varia significativamente entre os países e depende de vários fatores, como a vontade política, a cultura institucional e os recursos disponíveis”, esclarece.

Atualmente, Taryn Senez se dedica a orientar os Estados-membros da Organização dos Estados Americanos quanto ao desenvolvimento dos respectivos PNA e a investigar os impactos dessas diretrizes sobre a incorporação de mulheres nas Marinhas do continente. “Este levantamento é uma de minhas missões aqui. Estamos em início de pesquisa, de forma que tenhamos um parâmetro do avanço dessas políticas em nossos Estados- membros”, adianta.

Fonte: Agência Marinha de Notícias

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