Capitão-de-Fragata (T) Robinson Farinazzo Casal
Revista Aviação Naval – MB
Alguns especialistas sustentam, com certa razão, que o projeto Lockheed Martin F-35 Lightning II será a última aeronave de combate humanamente pilotada a voar nos Estados Unidos.
Verdade ou não, foi longo o caminho que as Forças Armadas daquele país trilharam até a sua concepção, em especial a Marinha Norte Americana (US Navy), cujos esforços para a obtenção de excelência em projetos e conquista da primazia nos céus vem se intensificando desde os anos 1940.
Naquela década, os projetistas aeronáuticos da fábrica Chance Vought entregaram o revolucionário F-4U Corsair, um monomotor tão veloz que tornava temerário seu pouso seguro a bordo do porta-aviões da US Navy.
As autoridades navais só acabaram sendo convencidas da praticabilidade e segurança desta aeronave, graças a seu uso consagrado pela força aeronaval britânica e o Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA (USMC).
Seja como for, o Corsair definiria a tônica das aeronaves de combate da US Navy pelas próximas décadas: aviões grandes, velozes e com design de asa inovador, senão arrojado.
O que catapultava o Corsair à frente dos aviões de sua geração era a filosofia embutida que preconizava que ele deveria ser um avião de caça mais potente do que qualquer coisa que os adversários pudessem colocar nos céus.
Dessa forma, dotaram- no com um dos maiores motores disponíveis à época, o Pratt & Whitney R-2800 Double Wasp. Ora, um motor potente não faz verão sem uma hélice que lhe faça justiça.
O problema de hélices de alto rendimento é que elas são grandes em demasia, logo obstruem a visão do piloto e tendem a bater as pontas no solo. A solução imaginada foi aumentar a altura do trem de pouso sem comprometer o posicionamento das asas em relação à fuselagem. Nasceu então um dos desenhos de asa de gaivota invertida mais elegantes de toda a história da aviação, conforme pode ser constatado na figura 1.
O resultado prático disto é que a Marinha Americana doravante passava a contar com um caça embarcado que se transformaria no terror dos pilotos japoneses, sendo apelidado por eles de “whistling death” (morte sibilante).
Acabada a Segunda Guerra Mundial, veio o Conflito da Coreia (1950-53), em que novos desafios se apresentaram. O primeiro deles foi o fato de que os adversários do bloco comunista apresentaram um sensacional jato de combate, o MiG-15 (o qual decretaria aposentadoria precoce de todos os aviões de combate a pistão dos EUA).
Levaria quase duas décadas para a Marinha dos EUA reconquistar de forma definitiva e incontestável o cinturão de campeão dos céus aos soviéticos. Nesse meio tempo, os americanos experimentaram todas as soluções possíveis e imagináveis em termos de engenharia aeronáutica.
Senão vejamos:
Com o jato Douglas Skyhawk, genial projeto de Ed Heinemann em uso atualmente pela MB, experimentou-se reduzir o tamanho das asas para facilitar hangaragem a bordo, transformando o peso que seria acrescentado por um “gear” de dobragem em “payload” de armamento e combustível.
O avião também inovou ao ser pioneiro no uso do sistema buddy-to-buddy, em que uma aeronave reabastece em voo outra de modelo similar. Esse sistema teve uma aprovação tão grande que até hoje é empregado na família Boeing F-18E/F Super Hornet. Por ironia, Heinemann, que chegou a chefe de projetistas da fábrica de aviões Douglas, cursou apenas o segundo grau…
Depois veio o bombardeiro/reconhecedor RA-5C Vigilante (figura 2), um avião supersônico, apto a operar embarcado e capaz de transportar uma bomba nuclear. Detalhe: não tinha ailerons!
Havia ainda o problema de defesa aérea dos comboios mercantes em regiões onde os porta-aviões não pudessem estar presentes. Para tal, imaginou-se uma aeronave de decolagem vertical com hélices contrarrotativas, a qual poderia se basear numa fragata ou embarcação similar, o Convair XFY Pogo.
Muito difícil de pousar, ele voou pouco e não durou muito. O Grumman A-6 Intruder, que muito provavelmente se tornou o modelo de aeronave de “Jamming” mais bem sucedido da história da aviação, tinha, em seu protótipo, uma configuração de motores com bocais variáveis, visando aproveitar melhor a potência do exaustor (Figura 3).
Mas a imaginação dos projetistas nunca foi tão pródiga quanto no quesito asas. No caso do Vought F-8 Crusader, experimentaram-se asas de incidência variável (não confundir com os F-14 Tomcat com asas de geometria variável, esses pós Vietnã). Ambas aeronaves são supersônicas (Figura 4).
Falando em Vietnã, é bom lembrar que esta guerra legou a US Navy várias lições, a maior parte delas consolidada no famoso “Relatório Ault”, do Capitão de Mar e Guerra Frank Ault, um documento atual em sua sinceridade e nível de detalhamento.
A primeira delas era que a aviação de combate não poderia prescindir do uso de canhões em dogfights (combates aéreos), dado o fato de que os mísseis ar-ar ainda não haviam se consolidado como maravilhas infalíveis.
Como resultado, doravante todos os seus jatos carregariam seu próprio canhão de 20 mm. A segunda foi a necessidade de um melhor treinamento. Criou-se então a famosa escola “Top Gun” (a atual Naval Strike and Air Warfare Center), em princípio destinada apenas a melhorar a performance dos pilotos, mas que hoje, num conceito mais amplo e integrado, dedica-se a treinar os “Wizzo” (WSO, Weapons System Officer, oficial de sistemas de armamentos) pilotos de helicópteros e controladores táticos.
O resultado é a formação de uma mentalidade de combate disseminada amplamente na Marinha e que beneficiou os esquadrões operativos na forma de tripulantes mais capacitados e melhor preparados para exercer suas funções. Foi um enorme salto qualitativo.
A partir dos anos 1990, premida pelos altos custos e visando simplificar a cadeia logística e facilitar o treinamento, a US Navy operou uma radical transformação de seu inventário embarcado, conforme observado na tabela 1.
Essa transformação, por eliminar alguns tipos de aeronaves em proveito de modelos polivalentes, descomplicou sobremaneira o planejamento logístico e diminuiu os custos de manutenção e treinamento da frota aeronaval.
Para o século XXI, a US Navy adotou dois conceitos no limite do futurismo, de vez que eram para lá de revolucionários. O primeiro foi o Bell-Boeing V-22 Osprey (figura 5), de características “tiltrotor” (isto é, motores basculantes), o qual alia a versatilidade de pouso e decolagem de um helicóptero com o payload, ao alcance e à velocidade de uma aeronave de asa fixa.
O segundo deles é o letal (e caríssimo) Lockheed Martin F-35 Lightning II (fi gura 6), jato monomotor de ataque, com características stealth, radar AESA, armamento embutido e aviônica de última geração.
Além do revolucionário conceito tecnológico, o projeto bilionário inova por financiar seu desenvolvimento em parceria compartilhada com o Reino Unido, Itália, Holanda, Austrália, Canadá, Dinamarca, Noruega, Turquia, Israel e Cingapura.
Conclusões
Não há qualquer dúvida de que a força aeronaval da US Navy é uma história de sucesso, dado o fato de que se trata de uma corporação com capacidade de projeção de poder e imposição da vontade política de seu país em amplitude global.
Assim sendo, é interessante colhermos as lições que seu planejamento de engenharia nos ensina:
– Mantenha por perto os bons profissionais de sua área de interesse: nos EUA, se eles não estão NA Marinha, com razoável dose de probabilidade, estão nas empresas que trabalham PARA a Marinha;
– Aprenda com seus erros: os planejadores aeronáuticos e os formuladores de doutrina da US Navy não ficaram imobilizados pelos reveses da Coreia e do Vietnã. Eles se levantaram, “sacudiram a poeira” e fi zeram uma aviação naval ainda mais robusta e preparada;
– Repense continuamente seus métodos e seus meios: até meados de 1980, o portfólio de modelos de aeronaves se renovava praticamente a cada dez anos. Com o final da Guerra Fria, os orçamentos ficaram mais enxutos, essa periodicidade aumentou e os modelos ficam mais tempo em serviço, mas continuam a ser continuamente aperfeiçoados em suas capacidades;
– Invista em seu pessoal e o qualifique: a criação da Naval Strike and Air Warfare Center é um exemplo bem-acabado de busca da excelência pelo desenvolvimento contínuo das habilidades do pessoal;
– Trabalhe na DENSIDADE do meio, incrementando sua eficiência. Explicando: se na Coreia e Vietnã a pergunta em voga era “quantos aviões eu preciso para destruir um alvo?”, hoje a questão é “quantos alvos posso destruir com este avião ou com aquele drone?”. Qual seja, poucos meios, mas extremamente eficazes, multiplicando os resultados e diminuindo o risco de exposição dos tripulantes. Sua precisão também contribui para diminuir a chance de danos colaterais aos civis;
– Busque soluções logísticas simples visando facilitar o trabalho da cadeia envolvida: a adoção do F/A 18 SuperHornet, de características “multirole”, descomplicou manutenção, treinamento, e planejamento;
– Procure pulverizar seus custos através de parcerias estratégicas, pois, dessa forma, ganha-se nas duas pontas: por um lado, obtém-se um “budget” menor e por outro, lucra-se com a sinergia advinda de novas mentalidades; e
– Por fim, tenha compromisso com o cliente: a US Navy costuma ser a primeira opção militar do governo dos EUA, em caso de conflito, e responde sempre rapidamente e à altura do que dela se espera.
A principal razão é o fato de que seus profissionais sabem que o país conta com eles e se sentem importantes em função disso.