Lorenzo Carrasco – Sobre “trotskistas de direita” e “neoconservadores”

Sobre “trotskistas de direita” e “neoconservadores”

Lorenzo Carrasco

MSIa

Rio de Janeiro, 14 de maio – Possivelmente, alguns tenham se surpreendido com o teor da dura resposta do general Eduardo Villas Bôas, à sucessão de ataques desfechada contra oficiais militares que ocupam cargos no governo e as Forças Armadas em geral, pelo autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, tido como “guru” do presidente Jair Bolsonaro e de seu círculo íntimo. No último dia 6, o ex-comandante do Exército e atual assessor do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) utilizou o Twitter para enviar um recado institucional:

 

"Mais uma vez o Sr. Olavo de Carvalho a partir de seu vazio existencial derrama seus ataques aos militares e as FAA demonstrando total falta de princípios básicos de educação, de respeito e de um mínimo de humildade e modéstia. Verdadeiro trótski de direita, não compreende que substituindo uma ideologia pela outra não contribui para a elaboração de uma base de pensamento que promova soluções concretas para os problemas Brasileiros. Por outro lado, age no sentido de acentuar as divergências nacionais no momento em que a sociedade Brasileira necessita recuperar a coesão e estruturar um projeto para o país. A escolha dos militares como alvo é compreensível por sua impotência diante da solidez dessas instituições e a incapacidade de compreender os valores e os princípios que as sustentam."

A maior surpresa talvez possa ter sido a equiparação de Carvalho a um “Trótski de direita”, pois não muitos associariam o buliçoso ex-astrólogo ao fundador do Exército Vermelho e ideólogo da revolução global. No entanto, Villas Bôas foi certeiro, não apenas por recordar o passado de Carvalho como militante comunista, mas, principalmente, pela sinalização das raízes trotskistas dos “neoconservadores”, o mais belicista e misantrópico grupo de influência que divide o poder nos EUA, de cuja agenda ele se tornou um notório porta-voz, principalmente, no tocante à neutralização das Forças Armadas.

De fato, os “neocons” de hoje descendem em linha direta de intelectuais e militantes trotskistas russos e europeus orientais que se refugiaram nos EUA, nas décadas de 1920-30, depois que Stálin venceu Trótski na luta pela sucessão de Vladimir Lênin, após a morte deste, em 1924, e obrigou o próprio Trótski a se exilar. Após a II Guerra Mundial, esses “protoneocons” passaram a exercer forte influência nos círculos intelectuais de Nova York. Entre os atraídos, estavam o jornalista Irving Kristol e o sociólogo Daniel Bell, que, em 1965, fundaram a revista The Public Interest, a qual tornou-se o veículo do que viria a ser conhecido como “neoconservadorismo”.

Por essa época, os antigos trotskistas já haviam convertido o seu anti-stalinismo em um bem mais rentável anticomunismo, encarnado em uma defesa incondicional do “excepcionalismo” estadunidense, reunindo o intervencionismo militar como instrumento favorito de política externa e a promoção do liberalismo econômico sem restrições. Nesta fase, já então chamados “neoconservadores”, outras influências determinantes para o grupo foram o filósofo da Universidade de Chicago, Leo Strauss, e o matemático Albert Wohlstetter, outro ex-trotskista, que foi um dos fundadores da RAND Corporation, um dos primeiros e mais influentes think-tanks dos EUA.

Strauss, um dos pensadores favoritos dos supremacistas estadunidenses, pregava a crença num sistema totalitário governado por “filósofos” que rejeitariam todos os princípios universais de lei natural, mas assumiriam as suas missões como governantes absolutos, empregando tanto a religião como a política como meios para disseminar mitos que ajudassem a manter o controle das massas “populistas”. Para ele, toda sociedade precisa de um inimigo externo para sustentar-se e, caso este não exista, seria preciso inventar um.

Por sua vez, Wohlstetter foi um dos principais mentores da estratégia nuclear dos EUA durante a Guerra Fria, pregando uma superioridade nuclear maciça sobre a União Soviética e opondo-se a quaisquer medidas de não-proliferação e limitação de armamentos nucleares. Não por acaso, era um dos estrategistas favoritos do complexo industrial-militar, em sua busca por um inimigo permanente que justifique os colossais gastos militares estadunidenses.

Com a implosão da União Soviética, os “neocons” conquistaram uma influência crescente nos altos círculos de Washington. Em 1997, o grupo lançou o Projeto para o Novo Século Americano (PNAC, sigla em inglês), um roteiro para a extensão e preservação da liderança estadunidense sobre todo o planeta, a qual consideram como imprescindível para o avanço da civilização. Dos 25 signatários do manifesto, nada menos que dez viriam a ocupar cargos de destaque no governo de George W. Bush (2001-09), inclusive o vice-presidente Dick Cheney, o secretário de Defesa Donald Rumsfeld e o subsecretário de Defesa Paul Wolfowitz.

Com os ataques de 11 de setembro de 2001, os “neocons” tiveram o pretexto perfeito para a implementação da sua estratégia de guerra permanente, em substituição ao confronto bipolar da Guerra Fria, voltada para impedir a emergência de um mundo multipolar baseado na cooperação para o desenvolvimento compartilhado, em lugar da confrontação bélica favorecida por eles, agenda em pleno vigor.

Apesar de não terem ocupado postos de grande destaque no governo de Barack Obama (2009-2017), os “neocons” retornaram em grande estilo na gestão de seu sucessor Donald Trump, emplacando o secretário de Estado Mike Pompeo, o conselheiro de Segurança Nacional John Bolton e, recentemente, o representante especial para a crise da Venezuela, Elliot Abrams.

Como o velho Trótski, os “neocons” também estão empenhados em levar a cabo uma revolução internacional permanente (uma espécie de “Quinta Internacional”), a ferro e fogo, contra todos os Estados nacionais soberanos e suas instituições, entre elas as Forças Armadas. Neste particular, a sua agenda é uma reciclagem das pautas antimilitares da “Nova Ordem Mundial” de George H.W. Bush, iniciada com a primeira guerra contra o Iraque, em 1990-91, implementada na Ibero-América pelos círculos vinculados ao Diálogo Interamericano e à Fundação Nacional para a Democracia (NED, sigla em inglês).

Por conseguinte, os ataques de Olavo de Carvalho contra as F.As. brasileiras não constituem apenas um desvario existencial, mas respondem aos seus vínculos com o aparato de inteligência “neocon” (cuja maior concentração, coincidência ou não, ocorre na Virgínia).

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