Carolina Cotta
Belo Horizonte — Mais agilidade, menos burocracia. Pesquisadores brasileiros aguardam ansiosos a aprovação do Código da Ciência, que reúne em um só documento toda a legislação referente a ciência, tecnologia e inovação, facilitando o árido caminho da captação dos recursos à prestação de contas. Entre as principais conquistas, se o projeto de lei apresentado à Câmara e ao Senado for aprovado, está uma mudança significativa na lei de licitação, hoje baseada no melhor preço, o que nem sempre garante a qualidade necessária à investigação e ainda atrasa todo o processo. Além disso, importações, intercâmbio de pesquisadores e desenvolvimento de projetos em parceria com empresas serão facilitados.
Vencida a etapa do financiamento de pesquisa — que mesmo com o aumento significativo do montante nos últimos anos ainda está longe dos percentuais executados em países mais desenvolvidos —, o pesquisador enfrenta tantos entraves burocráticos para a aquisição dos meios necessários para a realização do projeto que a competitividade fica comprometida. Segundo o astrofísico Wagner Corradi, um dos autores do artigo recentemente publicado na revista Nature que contribuiu de forma definitiva para a manutenção de Plutão na classe dos planetas-anões, a pesquisa que se faz no Brasil é de nível internacional, na ponta do conhecimento. Mas, se há grande demora no processo, corre-se o risco de que outros o façam e gerem patentes antes.
De acordo com o pesquisador, em casos em que bastaria ligar para um fornecedor, pagar com o cartão de crédito e em poucos dias receber o equipamento necessário ao experimento, as fundações de apoio à pesquisa precisam contratar um representante no exterior para fazer as compras e encaminhá-las ao Brasil. "Até chegar à fase em que o equipamento passa pelo setor que faz o desembaraço e estar em suas mãos vai um tempo muitas vezes maior e com um custo, no mínimo, dobrado." Para Corradi, a lei de licitação trata a pesquisa como se fosse uma empresa pública e não observa sequer a relação custo-benefício. "Nem sempre o equipamento mais barato é o mais durável. O que é melhor? Comprar um bom equipamento de uma empresa saudável e que tem histórico de qualidade ou comprar duas vezes um mesmo equipamento de pior qualidade?", questiona.
Burocracia
Se o problema é grande em uma ponta do processo, na outra continua da mesma forma. Prestação de contas é outro tormento. "A sensação do pesquisador brasileiro é que ele gasta mais tempo fazendo a prestação e os relatórios do que a pesquisa propriamente dita. Sem o auxílio das fundações, a maioria de nós não daria conta do recado. São tantas leis e regras mudando constantemente, que só mesmo nossos heróis dos setores de compras e financeiro para dar conta", acrescenta.
O astrofísico se lembra, por exemplo, de uma situação em que pediu um computador com 2GHz de memória RAM e, durante a negociação, conseguiu um equipamento de 4GHz pelo mesmo preço. "Minha surpresa foi ter de justificar por que não estava comprando o mesmo equipamento que solicitei. O fato de termos de seguir a Lei de Licitações, nº 8.666, como se fosse um órgão qualquer do serviço público gera muitos inconvenientes", critica. Com o Código de Ciência, a atual lei de licitações deixará de ser aplicada ao setor de ciência, tecnologia e inovação, que ganhará regras específicas para contratações e aquisições.
Um das redatoras do novo código, Catarina Barreto Linhares, procuradora do Estado de Minas Gerais e procuradora-chefe da Fundação Estadual de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), defende que, além de pesquisadores, instituições públicas ou privadas que atuam no setor devem ter suas ações desburocratizadas, o que trará celeridade e efetividade aos projetos de pesquisa e de inovação. Todos terão ainda maior liberdade para fazerem parcerias, em prol da circulação do conhecimento e do desenvolvimento econômico e social do país. O poder público, por outro lado, terá maior possibilidade de cumprir sua missão de agente indutor e fomentador da nova economia do conhecimento.
Acesso mais fácil
"Espera-se consolidar um círculo virtuoso em que a parceria entre Estado, academia e empresa seja benéfica a todos os parceiros, gerando novos produtos no mercado, emprego, renda, patentes em favor da população brasileira", diz Catarina.
Em termos legais, os pesquisadores só terão a agradecer. O Código de Ciência, que também visa facilitar o acesso, o manuseio e a aplicação das leis relativas ao setor, hoje uma legislação esparsa e difusa, vai tratar de todas as informações e regras necessárias à produção científica. Apesar das facilidades, o novo código mantém os princípios constitucionais e a boa-fé como norteadores de todas as ações nesses campos. "A flexibilização não é, de forma alguma, sinônimo de informalidade ou omissão. O que se pretende, contudo, é dar maior destaque e importância aos resultados alcançados, eliminando-se entraves formais de prestação de contas que atualmente desestimulam os pesquisadores e instituições a, até mesmo, tentar buscar fomento público. É óbvio que deve haver prestação de contas, clara e objetiva, e a fiscalização, sempre que se entender necessário, pelos órgãos competentes", comenta a procuradora mineira.
Em parceria
O Código de Ciência foi elaborado por representantes das fundações estaduais de amparo à pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), São Paulo (Fapesp), Espírito Santo (Fapes), Amazonas (Fapeam) e Santa Catarina (Fapesc). As discussões tiveram início durante o Fórum Conjunto do Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência Tecnologia e Inovação (Consecti) e do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), realizado em Belo Horizonte, em maio, quando foi formado um grupo de trabalho. No fim de agosto, o projeto de lei que propõe um conjunto de leis específicas para a área de Ciência, Tecnologia e Inovação foi apresentado às autoridades fundamentais para a tramitação do documento no Congresso e no Executivo.