Baterias substituíveis em sistemas elétricos e eletrônicos na guerra do futuro

Baterias substituíveis em sistemas elétricos e eletrônicos na guerra do futuro

 

Drª Fernanda Corrêa

– Coordenadora – Departamento de Ciência, Tecnologia & Inovação

– Secretaria de Produtos de Defesa/Ministério da Defesa

– Pós-doutoranda em Modelagem de Sistemas Complexos (EACH/USP)

– Pós-doutora em Ciências Militares (ECEME)

 

Sob o contexto de tratativas e de compromissos internacionais firmados, em especial, ao Acordo do Clima de Paris e à transição global para a mobilidade a partir de fontes elétricas, China e países europeus (como Alemanha, França, Holanda, Noruega e Reino Unido) têm liderado o crescimento na comercialização de veículos elétricos, ainda que essa demanda não substitua o total de veículos alimentados por combustíveis fósseis. Veículos elétricos e sistemas de armazenamento de energia são exemplos de tecnologias desenvolvidas para reduzir o impacto ambiental e aumentar a sustentabilidade.

 

Só na China, por exemplo, o crescimento em vendas de veículos elétricos com baterias substituíveis ou substituíveis, como híbridos plug-in e movidos a células de combustível, teve recordes exponenciais em 2020. As principais vantagens no emprego desse tipo de bateria na mobilidade urbana são a gestão mais sustentável do ciclo de vida das baterias usadas e a redução do custo de fabricação e de aquisição do veículo.

 

Na China, além de ter havido maior formulação de políticas públicas a financiamentos em P&D, em investimento em infraestrutura e subsídios à compra desses veículos, houve um salto qualitativo significativo em processos internos nas empresas chinesas, como a agregação de novas capacitações, conhecimentos, competências, abordagens, tecnologias e/ ou formas de inovar, que as tornaram tão ou mais competitivas que empresas tradicionais ocidentais nesse segmento automotivo.

 

Nesse mercado de veículos elétricos com baterias substituíveis, por meio da venda de sua versão elétrica EC6, a startup chinesa NIO alcançou valor de mercado de 75,44 bilhões de dólares no mercado acionário em novembro de 2020 e passou a ocupar a primeira posição entre as montadoras chinesas a e a quarta posição no mundo nesse segmento, ficando somente atrás da startup Tesla e das empresas Toyota e Volkswagen. Com esse indicador, em novembro de 2020, a NIO se tornou mais valorizada que gigantes nesse segmento automotivo global que empresas como a GM, BMW, Ford e Honda.

Em janeiro de 2021, a NIO anunciou o lançamento da bateria EV de estado sólido de 150 kWh com capacidade de 620 milhas na nova versão elétrica ET7 com uma única carga. O ET7 utiliza uma moderna plataforma Qualcomm Snapdragon Automotive Cockpit de 3ª geração com capacidade de conectividade e comunicação móvel no veículo, incluindo tecnologia 5G, V2X, Bluetooth 5.2, Wi-Fi 6 e UWB. Embora a empresa aponte que esta nova bateria não estará disponível no mercado até o ano de 2022, ela é compatível com várias versões de veículos elétricos da empresa, como o ES8, o ES6 e o EC6. Baterias no estado sólido são compostos de camadas de um eletrólito sólido envolto por camadas de lítio metálico que permitem um sistema de armazenamento de energia mais eficiente, maior vida útil, maior desempenho, sem fazer uso de líquidos voláteis e inflamáveis e que permitem o aumento da densidade de corrente em até dez vezes.

 

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Bateria EV de estado sólido do NIO ET7

Fonte:Pocket-lint

 

Nessa conjuntura internacional, diversas empresas têm buscado se inserir na Era do Conhecimento, inclusive, agrupando-se em associações e/ou em consórcios, a fim de desenvolver baterias substituíveis para veículos elétricos e definir especificações técnicas padronizadas internacionalmente.

 

Outro significativo salto qualitativo, em processos internos de empresas do segmento de veículos elétricos na Era do Conhecimento é a busca por Novos Materiais (ou Materiais Avançados), como nióbio, zircônio, lítio, vanádio, grafeno, óxido de cério, nanofitas etc, que tornem os esforços técnicos para desenvolver e industrializar novas tecnologias, novos processos e novos produtos relacionados a baterias substituíveis mais baratas, maior desempenho, maior densidade energética e mais tolerantes em ambientes operacionais inflamáveis.

 

Diversas tecnologias promissoras de materiais têm despontado no setor elétrico, tais como baterias de fluxo, baterias de lítio-ar, células de combustível, íons de lítios, entre outras. Indubitavelmente, a revolução técnico-tecnológica e os avanços da Internet estariam comprometidos sem o emprego de baterias de íons de lítio em computadores, celulares, tablets e smartphones. Devido à eficiência de conversão e densidade energética inferiores em comparação aos íons de lítio, experts acreditam que, dificilmente, baterias de fluxos ou redox-flow-batteries serão empregadas em veículos elétricos.

No entanto, acreditam ser possível o emprego desse tipo de bateria em ilhas e/ ou áreas remotas, em que, em conjunto com geradores fotovoltaicos ou eólicos, substituirão geradores movidos a combustíveis fósseis. Embora baterias de lítio-ar tenham densidade energética equivalente à densidade energética de combustíveis fósseis, devido a problemas relacionados à baixa vazão do oxigênio, à corrosão metálica e potência limitada, experts acreditam que, no curto prazo, essa tecnologia não tem previsão de estar disponível comercialmente no mercado.

 

Atualmente, os íons de lítio estão presentes também nas baterias substituíveis de alto rendimento de veículos elétricos. Experts têm defendido que, no curto e médio prazo, cada vez mais o emprego dessas baterias, com melhorias nas ligas e em seus processos de fabricação na mobilidade urbana elétrica, contribuirá para que os custos de armazenamento em grande escala se tornem realidade, para baratear o custo de fabricação e de aquisição dos veículos, aumentar a densidade energética, a autonomia, sendo capaz de realizar cargas e descargas de forma mais rápida.

 

Consequentemente, o aumento na demanda global por veículos elétricos tem implicado diretamente na maior disponibilidade de materiais no mercado. Diante do surgimento de diversas novas tecnologias e gerações de baterias de alto rendimento para veículos elétricos e da possibilidade de escassez de material com o aumento da demanda do setor elétrico, as empresas do setor já estão desencadeando novos processos internos, como a reciclagem e a refabricação de baterias.

Em 2018, a joint venture 4R Energy Corporation fundada em 2010 e constituída pelas empresas japonesas Nissan e a Sumitomo Corporation, por exemplo, anunciaram a abertura da primeira fábrica especializada na reciclagem e na refabricação de baterias de íons de lítio de veículos elétricos. Desde 2010, esta joint venture se especializou em um sistema que mede de forma rápida o desempenho de baterias usadas e, desde 2018, tem prometido aplicar este sistema inovador em baterias coletadas em todo o território japonês e reutilizar estas baterias em sistemas de armazenamento em larga escala e em empilhadeiras elétricas.

 

Outro novo tipo de material que tem sido utilizado por empresas em baterias de alto rendimento de veículos elétricos e promete, no curto e médio prazo, substituir o emprego de íons de lítio nesse segmento automotivo sãos as células de combustível. Estas células produzem energia a partir da reação do hidrogênio com o ar oxigênio. Dessa reação surgem eletricidade, água e calor.

Nesse sentido, cada vez mais, empresas baseadas na Era do Conhecimento têm investido em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D), em infraestrutura e em abordagens que, no segmento de veículos elétricos para mobilidade urbana, realizem 100% de cargas o mais rápido possível com grande autonomia em grandes distâncias e em condições ambientais extremas.

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Veículo elétrico movido a célula de combustível

Fonte: Facens

 

Se adaptarmos as tecnologias em contínuos processos de aperfeiçoamento, como as baterias substituíveis de íons de lítio e/ou células de combustível em tecnologias militares alimentadas por fontes elétricas na guerra do futuro, poderá haver um impacto significativo na formulação de novas estratégias, na tática, na logística e no planejamento das operações nos teatros militares. Atualmente, o Departamento de Defesa (DoD) é o maior consumidor de petróleo nos Estados Unidos com uso diário médio de mais de 300 mil barris.

A dependência do DoD e das Forças Armadas de fontes de combustíveis fósseis é uma preocupação antiga de autoridades políticas e militares estadunidenses. O surgimento constante de inúmeras surpresas tecnológicas baseadas em conhecimentos por parte de potenciais inimigos torna essa vulnerabilidade ainda mais preocupante para essas autoridades.

 

Veículos blindados modernos, por exemplo, empregam diversos sistemas eletrônicos embarcados que requerem uma grande quantidade de acúmulo de energia elétrica contínua, como torres, lançadores de mísseis, radares e sistemas de proteção ativa, bloqueadores, sistemas C3, consciência situacional, ar condicionado etc. Em guerras assimétricas e irregulares, sobretudo, em ambientes urbanos, missões estacionárias exigem que veículos blindados mantenham assinatura acústica e assinatura térmica baixa, economize combustível para manobras posteriores e disponham de grande quantidade de energia, maior autonomia e alto desempenho.

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Bateria COMBATT 6T utilizada em veículo blindado do Exército dos EUA

Fonte: Empresa Epsilor

 

Empresas israelenses são uma das líderes no fornecimento de baterias elétricas de alto desempenho para as Forças Armadas dos EUA. A Epsilor é uma das fornecedoras de baterias de íon-lítio que operam em missões de longa duração. A COMBATT é uma linha de produção de baterias de íons de lítio disponível no mercado de veículos militares da Epsilor que utiliza duas tecnologias eletroquímicas: íons de lítio óxido Níquel-Cobalto-Alumínio (Li-Ion NCA) e fosfato de íon de lítio (Li-Ion LFP). Estes veículos militares blindados do Exército dos EUA ainda usam combustíveis fósseis mesmo empregando modernas baterias elétricas que alimentam de energia seus sistemas eletrônicos.

 

Diversos estudos de futuro apontam tendências tecnológicas para o emprego de tecnologias emergentes com alto potencial disruptivoe dissuasório em cenários hipotéticos futuros. Interessante artigo publicado em 2019 na Discussion Paper, periódico do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRJ), por Daniel Barreiros intitulado Projeções sobre o Futuro da Guerra: Tecnologias disruptivas e mudanças paradigmáticas (2020-2060) destaca as implicações estratégicas que a dependência das Forças Armadas estadunidenses em combustíveis fósseis na guerra do futuro.

Ele ressalta que essa vulnerabilidade envolve ainda a dispendiosa logística para a operação de plataformas de armas fóssil-dependentes, como transporte, defesa, perdas etc. Isso significa um custo de 5 a 50 vezes maior que os custos de mercado para cada galão de combustível distribuído a belonaves em alto mar, por exemplo. Barreiros acredita que a aposta em fontes de alimentação elétrica geradas por processos renováveis e de alta mobilidade na guerra do futuro vai se tornar cada vez mais alta à medida que as Forças Armadas têm empregado cada vez mais tecnologias e sistemas eletrônicos em operações nos teatros militares desde rádios de comunicações, VANTs, transmissores de localização de emergência, termovisores, sistemas GPS até mísseis, designadores laser, sensores químico-biológicos e exoesqueletos.

É importante que estas baterias substituíveis inovadoras sejam capazes de atender requisitos, como temperatura, choque, vibração, esmagamento e imersão em ambientes operacionais complexos. Barreiros também destaca o desenvolvimento de micro geradores portáteis e pessoais, capazes de garantir autonomia operacional a um soldado em seus equipamentos. No amplo espectro de baterias de células de combustível, por exemplo, a de Células a Combustível de Metanol Direto (DMFC, sigla em inglês) com capacidade de armazenar alta densidade energética em espaços pequenos atenderia a esse propósito nos teatros de operações militares a médio prazo.

 

Espera-se que na guerra do futuro, baterias substituíveis inovadoras que utilizam células de combustíveis ou baterias EV de estado sólido possam não apenas alimentar sistemas elétricos e eletrônicos, mas substituir os combustíveis fósseis. É imprescindível que veículos leves e pesados das Forças Armadas substituam os combustíveis fósseis por fontes de energia renováveis. Baterias substituíveis de alto desempenho é uma destas fontes.

 

Em meio ao processo aparentemente irrevogável de transição energética global com ênfase na sustentabilidade e na maior acessibilidade econômica, é imprescindível que as Forças Armadas de maneira geral e em âmbito global reduzam cada vez mais a dependência energética de combustíveis fósseis e implementem processos e práticas internas com o apoio de ferramentas e métodos de prospecção tecnológica para garantir a prontidão, evitar surpresas tecnológicas e desenvolver novas tecnologias, agregar Novos Materiais e novos sistemas de baterias substituíveis de alto rendimento para sistemas militares, como veículos leves e pesados, robôs e exoesqueletos, que possam utilizar fontes de alimentação elétricas na guerra do futuro com maior autonomia em longas distâncias, sobretudo, em áreas hostis e/ou remotas.

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