Uso das redes durante protestos de junho ‘horizontalizou’ as ruas


PLABO ORTKLLADO
PROFESSOR E MEMBRO DO GRUPO DE PESQUISA EM POLÍTICAS PÚBLICAS
PARA O ACESSO À INFORMAÇÃO (GPOPAI) NA USP

 

O uso intensivo que os manifestantes fizeram de redes sociais como Facebook e Twitter gerou muito debate sobre a relação entre as ruas e as redes. A tese mais difundida é que o caráter horizontal e participativo dessas redes sociais, nas quais cada um é simultaneamente leitor e produtor de conteúdo, moldou a forma de organização que se viu nas ruas. Em outras palavras, a horizontalidade da rede teria gerado horizontalidade nas ruas, da mesma maneira que o caráter vertical dos meios de comunicação de massa teria moldado as relações verticais nos "velhos" movimentos sociais.

Embora a tese tenha o correto pressuposto de que tem se visto mais horizontalidade tanto na comunicação, como nos movimentos sociais, ela inverte a relação de causa e efeito. Foi a forma horizontal, participativa e colaborativa dos movimentos sociais e a necessidade de uma comunicação adequada a essas características que produziu experimentos no final dos anos 1990, como os sites de "publicação aberta" em que cada usuário podia publicar conteúdo e o uso de licenças adaptadas do software livre que permitiam a reprodução do que era produzido.

Foi desses experimentos ligados aos movimentos sociais que vieram alguns dos técnicos que desenvolveram plataformas muito utilizadas hoje em dia como Twitter, Flickr, YouTube e Graigslist. O desenvolvimento desse tipo de comunicação horizontal pelos movimentos sociais foi marcado por um processo de desintermediação, ou seja, pela supressão da mediação jornalística. O papel do jornalismo é o de apurar, organizar e apresentar a informação de maneira precisa, simples e equilibrada. Já a comunicação que vem sendo praticada pelos novos movimentos tem outras características: ela é direta e engajada. Ela está presente nos fanzines, nas rádios livres e nas primeiras experiências da internet como o Centro de Mídia Independente.

Trata-se de uma forma de comunicação na qual quem era objeto do discurso jornalístico fala diretamente a quem lê (ou vê, ou escuta) e busca tanto informar como persuadir da justiça de uma causa. E uma forma de comunicação que convoca, que instiga e que debate, sem mediação.

Com o advento e consolidação das grandes plataformas de redes sociais, muito do conteúdo que era produzido em plataformas próprias dos ativistas migrou para redes como Twitter e Facebook (ainda que, em outros países, os movimentos tenham feito esforço para utilizar redes alternativas como o N-1 ou o Diáspora).

No Brasil, em 2013, embora tenham surgido alguns sites de comunicação alternativa (seja no sentido de jornalismo alternativo, seja no sentido de comunicação direta e engajada), a grande novidade foi a emergência de atores que difundiam sua voz por meio das redes sociais estabelecidas.

A experiência que ganhou mais destaque foi da Mídia Ninja, que inovou na linguagem, ao fazer transmissões ao vivo das manifestações por celulares. Essa linguagem foi tão popular e bem sucedida que terminou sendo adotada por grandes veículos de comunicação.

No entanto, do ponto de vista do desenvolvimento da comunicação dos movimentos, ela significou um retrocesso ao recolocar a mediação profissional (as transmissões e coberturas são feitas por jornalistas) e fazer amplo uso de ferramentas e padrões proprietários.

O desafio para os movimentos sociais em 20140, assim, o de criar projetos de comunicação na internet que reafirmem e aprofundem a comunicação direta e descentralizada, engajada e com licenças e padrões livres, a fim de fortalecer a autonomia de quem fala.

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