Reis Friede – A Grave Crise Comercial e o Futuro da OMC no Próximo Decênio

 

 Reis Friede 
Desembargador Federal, Professor Emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e Professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR). Site: https://reisfriede.wordpress.com/ . E-mail: reisfriede@hotmail.com . É autor do livro Ciência Política e Teoria do Estado.
 
Nathalia Ferreira
Assistente de Pesquisa e graduanda em Defesa e Gestão Estratégica Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
 
A grave crise comercial, – notadamente entre os Estados Unidos e a China, respectivamente, a primeira e a segunda potências econômicas do planeta -, deve-se, em um espectro mais amplo, à crise comumente denominada por “globalismo” (que, sob a ótica de Washington, vem transferindo, de forma cada vez mais acentuada, “poder relativo” dos EUA para outras nações, particularmente para a China) e, em um contexto mais restrito, à reconhecida obsolescência da Organização Mundial do Comércio (OMC) que, por ausência de uma regulamentação mais completa e abrangente, consignada de forma expressa e inequívoca, impede (outorgando correspondentes punições) a política comercial chinesa de conceder subsídios industriais e de exigir transferência de tecnologias de ponta de empresas estrangeiras que desejam se instalar no país.
 
Nesse sentido, resta conclusivo afirmar que convergem os interesses, – tanto dos EUA, como da União Europeia e do Japão -, no sentido de buscar, de alguma forma, articular uma estratégia (de implementação urgente e imediata) para reformar as regras da Instituição, sob pena de inviabilizar o verdadeiro objetivo da OMC, que é o de estabelecer, em última análise, políticas comerciais globais equilibradas e, sobretudo, justas.
 
A Índia (com suas aspirações de domínio regional) e, particularmente, a China (com suas ambições de hegemonia mundial), representam, neste contexto, os maiores beneficiários desta grave distorção, – razão principal de suas respectivas (e elevadíssimas) taxas de crescimentos econômico, fundadas, sobretudo, na transferência de tecnologias de última geração a custos relativamente baixos -, motivo pelo qual ambas resistem, de maneira veemente, a qualquer alteração no corpo normativo da OMC, aceitando, neste compasso, uma reforma (restritiva) da Organização (fundada, pelos EUA, em 1 de janeiro de 1995, mas indiretamente controlada pelas potências ascendentes) apenas e tão somente quando for concluída a chamada “Rodada de Doha”, que se arrasta há mais de 20 anos, sem qualquer perspectiva real de acordo.
 
Sendo impossível corrigir, a esta altura, o erro histórico norte-americano de ter removido Pequim do isolamento mundial (que, em muitos aspectos, continua a trilhar uma política de alcançar, a qualquer custo, suas aspirações hegemônicas) e de ter permitido (ingenuamente, em um otimista cenário de uma “nova ordem mundial” de paz, prosperidade e cooperação) o ingresso (quase sem nenhuma contrapartida efetiva) da China em praticamente todos os fóruns internacionais e, em particular, na OMC, – e sem, no mínimo, considerar que a mesma, buscando seus próprios interesses, se utilizaria (de forma dissimulada e habilidosa) de autênticas  “brechas legislativas” para a prática de um comércio que apenas lhe beneficiasse -, somente restam, ao que tudo indica, duas alternativas minimamente factíveis (no atual momento histórico) para a proteção dos interesses norte-americanos e ocidentais, de modo geral: o restabelecimento da controle da OMC (o que está, em certo sentido, sendo tratado através do reconstrução de uma repaginada “trilateral”, ou seja da concepção contensiva, de viés econômico, que foi implementada durante a Guerra Fria e que uniu, em uma concepção cooperativa, os EUA, a Europa Ocidental e o Japão em contraposição ao expansionismo soviético) ou a simples extinção da própria OMC, em um cenário de eventual (e completa) substituição da mesma por um novo organismo internacional, mais restrito às nações que verdadeiramente lutam pela defesa de um comércio mundial mais “civilizado” e com regras (inexoravelmente) equilibradas e justas.

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