Análise – a ilusão das eleições no Brasil

Por Michael Shifter – Texto do Foreign Policy

Tradução, adaptação e edição – Nicholle Murmel

 
As eleições presidenciais em andamento no Brasil vêm sendo descritas como eletrizantes e imprevisíveis, comparáveis a uma novela. Com certeza não houve falta de drama: a morte trágica de um grande candidato, Eduardo Campos do Partido Socialista Brasileiro (PSB), a espetacular ascenção e queda de sua vice, Marina Silva, que assumiu a chapa, e a recente força de um candidato que, até pouco tempo atrás, não teria muito crédito na disputa. Dada a volatilidade dessa eleição, poucos se atrevem a prever com convicção o que vai acontecer na disputa do próximo dia 26 entre a atual presidente, Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), e o ex-governador de Minas Gerais, Aécio Neves, do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB).
 
Com ainda mais drama, o sgundo turno vem sendo conduzido pelos candidatos e seus respectivos aliados como uma batalha ideológica entre esquerda (Dilma) e direita (Aécio). Segundo o discruso do ex-governador mineiro, Dilma continuaria com as políticas estatizantes e intervencionistas do primeiro mandato, e que levaram à inflação e desaceleraão da economia, enquanto Aécio teria uma abordagem mais amigável ao mercado e abriria o Brasil para o mundo, incluído os Estados Unidos. Já a atual presidente acusa Aécio de propor um programa econômico que serve a banqueiros e empresários, e pretender cortar programas de bem-estar social que tornaram o Brasil menos desigual e ampliaram a classe-média.
 
Tanto Dilma quanto Aécio passaram a maior parte dos três debates na televisão trocando acusaões de corrupção e nepotismo – ainda que o último ítem tenha sido colocado de forma menos explícita. Apesar da amargura geral nessa campanha de segund turno, as plataformas dos dois candidatos são notavelmente parecidas.
 
Mas do que choque ideológico agudo, as divisões entre as chapas se assemelham ao que acontecia entre o antigo e o novo Labour Party no Reino Unido. Ambos os candidatos querem e prometem mais crescimento e estabilidade, redução da pobreza, melhores serviços públicos e mais infraestrutura. Ambos querem melhores relações com Washington também.
 
A campanha negativa dos dois lados parece ter impacto considerável nos eleitores brasileiros. Manchetes em todos os jornais do país neste mês ecoam a acusação feita por Dilma de que o candidato do PSDB estaria explorando o escândalo mais recente de corrupção – envolvendo a Petrobras – para fomentar um golpe contra o governo. Já Aécio diz que a candidata do PT é culpada de “entregar a maior empresa do páis a uma gangue de ladrões”. No primeiro debate televisionado entre os dois, Dilma acusou Aécio de usar verbas públicas para ganho prórpio quando foi apontado para trabalhar na Caixa Econômica nos anos 1980. A presidente também alega que quando o candidato do PSDB governou Minas Gerais, a saúde pública no estado deteriorou, enquanto Aécio diz que o governo petista perdeu a capacidade de atrair investimentos.
 
Os eleitores mais pobres e da classe-média vulnerável temem que a vitória do PSDB ponha em risco seus ganhos sociais reais, enquanto os mais abastados se preocupam com a reeleição do PT, que pode corroer a economia. Sobre os brasileiros pobres – a maioria esmagadora recebe benefícios em dinheiro e se concentra no norte e nordeste. São quase que totalmente favoráveis a Dilma. Já os ricos das regiões sul e sudeste, especialmente em torno de São Paulo, preferem Aécio. Ambos os candidatos disputam os eleitores no espectro entre esses dois extremos, que estão menos firmes em seus posicionamentos e mais sucetíveis aos apelos das campanhas.

Por um tempo, Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, que após uma ascenção vertigiona falhou em chegar ao segundo turno por conta da campanha pública contra ela e seus erros, ficou em cima do muro. Marina e seu PSB adotivo agora prestam apoio ao PSDB, apesar de esse apoio não ser garantia de impedir a reeleição do PT.

A eleição pode ser volátil, mas não significa que os brasileiros estejam indecisos. Os eleitores mostram um desejo razoável de ter o melhor dos dois mundos: continuidade dos programas sociais associados aos 11 anos de governo petista, junto com o fim da política como é feita atualmente, com suas práticas corruptas que não beneficiam em nada uma sociedade democrática moderna.
Não é surpresa que nos últimos dias antes da ida às urnas, tanto Dilma quanto Aécio, que nunca foram tão distantes como está sendo retratado durante a capanha, estejam se deslocando em direção a propostas mais centristas, quase que convergindo em suas promessas de mais programas para os pobres, combate à corrupção, preservação ambiental e aquecimento da economia. Os dois candidatos buscam reduzir a inflação para cerca de 4,5% ao ano e fortalecer o Bolsa Família, um programa de transferência de renda pequeno, porem importantíssimo para as famílias que o recebem.

A eleição aponta duas narrativas conflitantes que dominam atualmente tanto a mídia brasileira quanto internacional. A primeira aponta a expansão impressionante da classe média brasileira – cerca de 40 milhões de pessoas nos últimos 11 anos, segundo estatísticas do governo –  e a consequente redução da pobreza e da desigualdade. Graças a um ambiente econômico relativamente bom, com investimentos substanciais em mercados emergentes e demandas externas, especialmente da China, pelas commodities brasiliras, associados a um programa vigoroso como o Bolsa Família, brasileiros antes pobres tiveram mais acesso a bens de consumo e empregos. A renda per capita e os índices de geração de empregos formais subiram.

Do ponto de vista politico, boa parte do crédito por esses progressos sociais é do antigo presidente reeleito pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva, que deixou o poder em 2011 com 80% de aprovação, e permanece extremamente popular, sendo uma ferramenta importante para Dilma na reta final do segundo turno – em 2010, último ano de Lula no poder, o crescimento econômico chegou a 7,5%.
 Para rebater a acusação de ser indiferente aos pobres, Aécio aponta para o fato de o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, não ter apenas estabilizado a economia durante seus dois mandatos (de 1995 a 2003), mas também ter sucedido em fazer decolar os primeiros programas de transferência de renda.

A segunda narrativa na batalha eleitoral e retórica gira em torno da corrupção gritante no Brasil, uma das maiores vulnerabilidades na campanha de reeleição de Dilma. É verdade que a corrupção é endêmcia no Brasil, mas dois escândalos de grande porte durante governos do PT causaram danos políticos severos ao partido, no poder desde 2003. Uma vez que a atual presidente atuou como ministra de Minas e Energia no governo de Lula, as recentes e cada vez maiores acusações de subornos e propinas na Petrobras, maior estatal brasileira, podem machucar a imagem da candidata de forma bem particular. Como ministra, ela foi membro formal do comitê de direção da empresa enquanto os atos de corrupção aconteciam.

A burocracia já solidificada no páis, e agora cheia de cargos comissionados pelo PT após 11 anos de governo, é um alvo fácil para os ataques de Aécio, que procura se mostrar alinhado com as reformas às quais os brasileiros são desesperadamente a favor. A candata do PT, logicamente, adota a mesma postura, insistindo que também está comprometda com um governo limpo e honesto. Desde que assumiu a Presidência, Dilma demitiu oito ministros acusados de corrupção. Ainda assim, se o tema se acirrar até o dia 26 de outubro, não será nada bom para a candidata à reeleição.

É importante considerer que a corrupção tem impacto político ainda maior quando a economia não anda bem. No caso do Brasil, apesar de o desemprego permanecer baixo, a inflação e a taxa de juros estão subindo, e a economia estagnou – resultado não apenas de um ambiente externo mais problemático, mas de algumas decisões políticas questionáveis.

Tanto Dilma quanto Aécio prometem fazer a economia “pegar no tranco”. Os apoiadores do candidato do PSDB estão convencidos de que Dilma está irremediavelmente presa a uma economia fechada, enquanto os que apoiam a atual presidente  acreditam que, sob o governo tucano, o crescimento econômico beneficiará apenas a população abastada. Na prática, porém, os candidatos não diferem tanto assim em termos de política econômica. Caso reeleita, Dilma, por exemplo, declarou que faria mudanças massivas em seu gabinete. A candidata sabe que manter as políticas atuais condenará seu segundo mandato. Já Aécio teria que lutar com parte de seu eleitorado que não é necessariamente anti-PT, mas  também não é a favor de um mercado completamente desimpedido.
 
Além disso, em termos de política externa haverá ainda mais coincidência entre Dilma e Aécio do que se pode pensar. Houve uma tendência de salientar as diferenças, especialmente por parte dos apoiadores do PSDB dentro e fora do Brasil, que buscam mais abertura econômica e políticas comerciais mais robustas, junto com relações mais amigáveis entre Brasília e Washington. Os laços bilaterais se comprometeram recentemente, desde a revelação de que a Agência Nacional de Seguança (NSA) americana estava espionando a preseidente e a Petrobras. A controvérsia levou, no ano passado, ao cancelamento de uma visita de Dilma a Washington e a uma amizade fria com os Estados Undios desde então.

Não se questiona que Washington, frustrada com a candidata do PT, seria mais favorável e enérgica em buscar novas iniciativas com Brasília em um governo de Aécio. Mas sob qualquer mandato, a melhora rápida das relações entre Brasil e EUA é pouco provável. Há desavenças demais em questões bilaterais, regionais e globais. Disputas comerciais persistentes, pontos de vista contrastantes acerca de como responder aos desdobramentos antidemocráticos na América Latina, e diferenças agudas nas abordagens da crise econômica global são fatores que tornarão difícil virar a página.

Por enquanto, nenhum dos países parece especialmente preparado para investir de forma significativa em relações melhores. É importante lembrar que a estatura global que o Brasil alcançou – incusão nos BRICS, papel importante em negociações daOrganização Mundial de Comércio e conferências ambientais, e uma reivindicação credível a um assento permamente no Conselho de Segurança da ONU – é atribuída, em parte, à independência e distância em relação aos Estados Unidos. A possibilidade de uma “parceria estratégica” entre EUA e Brasil é improvável, ao menos no curto prazo.

Na verdade, poucos brasileiros atualmente pensam em política externa, muito menos nas relações com Washington. Os eleitores estão concentrados, e com razão, nas prioridades domésticas e em desafios mais urgentes como garantir melhor educação, saúde, segurança e justiça para a maioria dos cidadãos. A falta de progresso nessas frentes é desanimadora, a corrupção, o desperdício e a baixa qualidade dos serviçoes públicos solidificaram os protestos massivos que varreram as cidades brasileiras ano passado. Hoje, as ruas estão calmas, mas os problemas permanecem não resolvidos. Após o drama da campanha presidencial, um novo governo se lançará à tarefa difícil de administrar um país complexo, com várias forças e pressões políticas e societárias.

Uma eleição dominada por campahas negativas não deve encobrir o consenso amplo entre os brasileiros sobre o caminho que o país deve tomar. Os objetivos são claros e amplamente partilhados entre o povo. O desafio é encontrar o líder e a equipe melhor equipada para operar no labirinto político e burcocrático do Brasil.

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