Desafios da Proteção Física Nuclear na América Latina: Uma perspectiva regional no contexto da governança nuclear global

Desafios da Proteção Física Nuclear na América Latina:
Uma perspectiva regional no contexto da governança nuclear global

Leonam dos Santos Guimarães

O fortalecimento do sistema global de governança nuclear é essencial para manter a importante contribuição dessa fonte de energia em resposta às mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que assegura a consecução dos objetivos vitais de segurança nuclear e não-proliferação. A governança nuclear é um sistema complexo de natureza jurídica e técnica, nacional e internacional, que requer aperfeiçoamento contínuo para se adaptar ao ambiente em evolução e enfrentar de forma eficaz seus desafios. Sua eficácia tem um impacto direto nas operações nucleares e na aceitação pública da energia nuclear.

A governança é formulada pela regulamentação abrangente dos conceitos ditos “3S+EP+L”, que englobam Segurança, Proteção Física e Salvaguardas (3S: Safety, Security and Safeguards) e Planejamento e Prontidão para Emergências (EP: Emergency Planning and Preparedness) e Responsabilidade Civil (Liability) por danos nucleares. Abrange uma ampla gama de regulamentações e leis nacionais, acordos e recomendações internacionais e boas práticas de operações de instalações nucleares. No nível global, a principal instituição responsável pela governança nuclear é a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Ao nível nacional, a governança é exercida por leis e autoridades reguladoras nacionais. Além disso, existem várias instituições profissionais não-governamentais internacionais do setor nuclear, incluindo a Associação Mundial de Operadores Nucleares (WANO), o Instituto de Operações de Energia Nuclear (INPO) e o Instituto Mundial de Proteção Física Nuclear (WINS) que desenvolvem e compartilham “melhores práticas” que se estendem além dos padrões regulamentares.

Os efeitos da governança nuclear também devem ser observados. Um país que utiliza energia nuclear e, ainda assim, presta pouca atenção ao 3S + EP + L, poderia dar origem a acidentes, sabotagem, terrorismo e uso não pacífico da energia nuclear, o que certamente prejudicará a indústria nuclear globalmente. Portanto, é responsabilidade dos órgãos reguladores, em todo o mundo, garantir uma supervisão adequada na implementação do 3S + EP + L.

Ao assumir uma supervisão regulamentar adequada sobre os aspectos de 3S + EP + L, como um sistema integrado e abrangente, pode-se assegurar o uso seguro e protegido da energia nuclear. Requisitos e condições de licença devem atender aos requisitos regulamentares de 3S + EP+ L para uma instalação nuclear como um sistema integrado. Os limites do 3S + EP + L na operação de instalações nucleares são de responsabilidade do proprietário, mas eles interagem com os níveis nacional e internacional de coordenação, de tal forma que se possa assegurar a supervisão apropriada ao uso da energia nuclear.


A interface entre Segurança, Proteção Física, Salvaguardas e Preparação para Emergências deve ser estabelecida em normas e regulamentações específicas. A Responsabilidade Civil por danos nucleares é estabelecida em regimes internacionais que preveem requisitos e condições para resseguro de instalações nucleares. O conceito de governança nuclear é representado pela figura a seguir.

A proteção física nuclear é um conjunto de medidas e práticas destinadas a proteger materiais, instalações e tecnologias nucleares contra acesso não autorizado, uso indevido, roubo, sabotagem e outros atos criminosos. É fundamental para garantir a segurança dos materiais nucleares, prevenir o roubo ou o desvio de materiais radioativos e evitar o uso desses materiais para fins ilícitos ou terroristas. Na perspectiva da América Latina, há vários desafios relacionados à proteção física nuclear que precisam ser enfrentados.

• A região da América Latina tem uma história de tensões políticas. A proliferação nuclear é uma preocupação constante, especialmente com países que possuem programas de armas nucleares em desenvolvimento ou latentes. A proteção física nuclear deve ser aprimorada para evitar que terceiros obtenham tecnologia nuclear e outras informações sensíveis por meio das instalações nucleares da região.


• Os grupos terroristas podem usar materiais radioativos ou nucleares para causar danos significativos. A região da América Latina enfrenta ameaças de grupos terroristas que operam em áreas urbanas ou remotas. A proteção física nuclear deve ser aprimorada para impedir que esses grupos obtenham acesso a materiais nucleares.

• A maioria dos países da América Latina ainda não possui infraestrutura suficiente para lidar com os riscos de proteção física nuclear. A falta de recursos financeiros, capacitação técnica, equipamentos e tecnologias modernas são os principais desafios. A proteção física nuclear deve ser aprimorada por meio de investimentos em infraestrutura, treinamento de pessoal e aquisição de equipamentos atuais e outras medidas que possam garantir a integridade dos materiais nucleares.


• O transporte de materiais nucleares é uma das principais áreas de vulnerabilidade na proteção física nuclear. A região da América Latina possui grandes extensões territoriais, o que torna o transporte de materiais nucleares um desafio significativo. A proteção física nuclear deve ser aprimorada por meio de medidas de segurança robustas durante o transporte, incluindo escoltas, rastreamento, monitoramento e segurança aprimorada nas fronteiras.


• A cooperação internacional é essencial para aprimorar a proteção física nuclear na América Latina. Muitos países da região têm programas nucleares pacíficos, mas ainda há preocupações com o potencial uso de materiais radioativos para fins terroristas. No entanto, a cooperação internacional na região ainda é limitada devido a desconfianças políticas, barreiras culturais e linguísticas, além de recursos financeiros escassos. A proteção física nuclear deve ser aprimorada por meio de esforços conjuntos de cooperação internacional, que envolvam países da região e organizações internacionais relevantes. Isso pode ajudar a garantir que esses materiais sejam protegidos adequadamente e que medidas de segurança sejam implementadas de forma eficaz.


• A falta de legislação e regulamentação efetivas também é um desafio na área de proteção física nuclear na América Latina. Muitos países têm leis e regulamentos que abordam a segurança nuclear, mas nem sempre são aplicados de forma adequada. Além disso, há uma falta de padrões internacionais para a proteção física nuclear que possam ser aplicados universalmente.


• Muitas instalações nucleares na América Latina foram construídas décadas atrás, quando as normas de segurança eram menos rigorosas do que as atuais. Além disso, algumas instalações podem ter sido mal mantidas ou atualizadas, o que pode aumentar o risco de incidentes ou acidentes nucleares.


• A proteção física nuclear também precisa ser levada em conta em relação à segurança da cadeia de suprimentos de materiais nucleares. A região da América Latina possui vários países que produzem urânio e três desses países também têm usinas nucleares em operação: Brasil, Argentina e México. A segurança da cadeia de suprimentos é crucial para garantir que esses materiais nucleares não sejam desviados para fins maliciosos.


• A necessidade de melhorar a segurança cibernética também é um desafio importante em relação à proteção física nuclear. As instalações nucleares estão cada vez mais interconectadas digitalmente, o que significa que elas podem ser vulneráveis a ataques cibernéticos. A segurança cibernética deve ser abordada em conjunto com a proteção física nuclear para garantir que as instalações estejam protegidas contra uma ampla gama de ameaças.


• Por fim, a falta de conscientização pública sobre os riscos associados aos materiais nucleares é um desafio importante. Muitas pessoas na América Latina não entendem completamente esses riscos, o que demanda comunicação reforçada com a sociedade. Esse ponto é particularmente sensível no Brasil, onde ocorreu o maior acidente radiológico já registrado, em Goiânia, 1987. Esse acidente decorreu de falha na proteção física de fonte radioativa de uso médico que levou a óbito quatro pessoas e gerou cerca de 13,4 toneladas de rejeitos radioativos.

Em suma, a proteção física nuclear na América Latina enfrenta vários desafios importantes que precisam ser abordados para garantir uma governança nuclear adequada na região. Cooperação regional e internacional, melhoria da segurança em instalações existentes, incluindo infraestrutura, capacitação técnica e equipamentos modernos, segurança da cadeia de suprimentos de materiais nucleares, segurança cibernética conscientização da sociedade são áreas críticas que precisam de medidas de proteção robustas em todas as fases das atividades nucleares para garantir a “nuclear security”.

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