Gen Ex Pinto Silva — A Guerra Híbrida no Brasil – Reflexões

Pinto Silva Carlos Alberto [1]

1.  O “REALISMO DO BRASIL

O Brasil é um ator regional que na política e na economia já atingiu uma influência global.

A principal preocupação estratégica do Brasil é, inexoravelmente, relacionada à economia. A capacidade interna do país de conseguir realizar as mudanças estruturais necessárias e o crescimento econômico permitirão o aumento de dois dos padrões de Poder, o Econômico e o Militar (esse havendo vontade política).

O Agronegócio; as reservas minerais, petrolíferas e de água doce; a disponibilidade de áreas agricultáveis; o clima; e a EMBRAER com centena de seus aviões voando em vários países, entre outros indicadores, mostram ao mundo desenvolvido um país pujante.

Nesse sentido, pode-se observar que Samuel Huntington, quando escreveu “The Lonely Superpower” (A superpotência Solitária) – 1999, entendeu que, a dissolução da União Soviética, ainda não apontava de forma mais nítida para a possibilidade de uma nova ordem bipolar. Para ele, viveríamos em sistema híbrido, que rotulou de “uni-multipolar”: uma superpotência dividiria espaço com várias potências que, se não lhe são comparáveis, nem por isso deixariam de cumprir funções relevantes para a configuração do sistema. Huntington elegeu para sua lista: o “condomínio Franco germânico”, na Europa; a Rússia, na Eurásia; a China e potencialmente o Japão, no leste asiático; a Índia, no sul asiático; o Irã, no sudoeste asiático; o Brasil, na América Latina; e a África do Sul e a Nigéria, na África. [2]

O surgimento de uma potência regional emergente, como o Brasil, é sempre um fator de desestabilização, insatisfação e reação do sistema mundial, porque sua ascensão ameaça o monopólio das potências estabelecidas.

A política energética, a produção petrolífera, os aquíferos, o comércio do agronegócio e as questões ambientais, por sua vez, incomodam outros Estados.

Deve-se ter, portanto, a percepção que existe razões que poderão levar um Estado a desenvolver AtividadesdeGuerra Híbrida contra o Brasil por entender que o nosso país está realizando ações e atos que contrariam seus interesses, bem como, que ações de Guerra Híbrida poderão ser desenvolvidas por atores sem vínculos com países, inclusive por nacionais, para desestabilização e a degradação da máquina do Estado, visando à conquista do poder.

O Brasil, pelas vantagens geopolíticas e recursos que possui, poderá, ainda, vir a deslocar alguém do assento à roda de seleta mesa da política internacional.

Em sua “teoria do murro no paralítico” Lenine prescreve a desagregação da máquina do Estado, antes do golpe de força. Trata-se de aumentar a indecisão governamental e de “apodrecer” as instituições e os grandes órgãos do Estado.

Nesse sentido, se descortinam temas que são explorados em uma preparação[3] para o desencadeamento de atividades de Guerra Híbrida visando a tomada do poder:

No Campo Externo:

– denúncias nos órgãos multilaterais (ONU, OEA etc.);

– busca de apoio de Nações ideologicamente alinhadas;

– denúncias às instituições ligadas aos Direitos Humanos; e

– busca do apoio internacional através das redes sociais.

No Campo Interno

– aproveitamento de descontentamento real da sociedade com um momento político, social e econômico difícil;

– criação de grupos reativos, ideológicos, e oportunistas ampliando a massa de manifestantes;

– ação do crime Organizado e falta de segurança, onde a deterioração drástica da situação passa a ser motivo para mudanças;

– cooptação na educação de professores para influenciar seus alunos, para a campanha de oposição ao governo instituído;

– aliciação de jovens, além dos estudantes, na cruzada contra as Instituições;

– exploração negativa da situação econômica do país e a necessidade imediata de diminuir a desigualdade social;

– cobrança de redistribuição da riqueza e a defesa das minoria;

– passeatas, protestos, com uso dos sindicatos e movimentos sociais; e;

– desencadeamento de campanhas midiáticas, planificadas e constantes visando a desacreditar, desmoralizar, as autoridades, os políticos ligados da situação e ao próprio Presidente da República, com a intenção de desestabilizar o governo.

2. SINTETIZANDO A GUERRA HÍBRIDA NO BRASIL

Nos atuais Documentos de Defesa do Brasil, nota-se que algumas ameaças híbridas são abordadas, em especial a cibernética, consequentemente, é preciso uma “Normatização Doutrinária” que busque definir o conceito de “guerra híbrida” e suas consequências, daí a importância da discussão do assunto.

A dimensão da Guerra Híbrida dependerá, da civilização, da cultura e do desenvolvimento do país para ser desenvolvida e empregada.

O Estado brasileiro está sendo alvo de um ataque indireto de nações estrangeiras que, em suas concepções, utilizam o discurso pela defesa da preservação da Amazônia para camuflar seus interesses pelas riquezas do país [4].

Entre essas investidas recapitulamos a afirmação do presidente de um país europeu, em agosto de 2019, em que dizia “está em aberto o debate sobre a internacionalização jurídica da floresta amazônica”.

Em 2020, um grupo de oito países, denominado Parceria das Declarações de Amsterdã, liderada por um outro país europeu, enviou uma carta aberta ao vice-presidente Hamilton Mourão manifestando preocupações de que o Brasil estaria recuando de seu anteriormente sólido histórico de proteção ambiental.

Ainda, em 2020, sete grandes empresas de investimento europeias disseram à agência de notícias Reuters que iriam deixar de investir em produtores de carne, operadoras de grãos e até em títulos do governo do Brasil se não vissem progresso na solução para a destruição crescente da floresta amazônica

Houve, também, em 2021, um projeto de resolução da ONU, apresentado pelos EUA, Reino Unido e França, que estabelecia a perspectiva de que as mudanças climáticas pudessem ser analisadas pelo Conselho de Segurança (CS) como uma ameaça à paz, ampliando consideravelmente os critérios usados para justificar a intervenção do CS da ONU em todo o mundo. Apesar de não fazer referência direta à Amazônia ou ao Brasil, indubitavelmente o país era um dos alvos da proposta. O projeto não foi considerado em razão do veto da Rússia.

O Brasil, está, além disso, sob Ataque da Guerra Psicológica: “Já não bastasse a radicalização política e ideológica, o país vem sofrendo constantes ataques de factoides criados como estratégia para intimidar e causar pânico em segmentos específicos da sociedade, notadamente, parlamentares e autoridades de alto escalão do governo, superdimensionados, pela ampla exposição na mídia nacional e internacional”[5].

Nesse contexto registramos, entre outras atividades:

– manifestações do presidente e da chefe de governo de dois países europeus em relação a decisões políticas internas do governo brasileiro, usando como justificativa para essas ações de defesa de interesses políticos e econômicos de seus Estados a retórica da problemática ambiental;

– denúncias nos órgãos multilaterais (ONU, OEA) denegrindo autoridades, propostas e ações do governo;

– em Junho de 2019, a mesma chanceler voltou a manifestar preocupação com as políticas ambientais e com os povos indígenas do Brasil, e admitiu que a cooperação com o governo do brasileiro nestes setores estava cada vez mais difícil. Como resultado, o país da referida chanceler tem procurado outros parceiros em governos estaduais, municipais e na própria sociedade civil brasileira;

– dois meses depois, em agosto, ocorreram protestos nas embaixadas e consulados do Brasil em Londres, Paris, Berlim, Madri, Berna, Turim e Mumbai, em que, aos gritos, manifestantes evocavam “SALVE A AMAZÔNIA” e “FORA BOLSONARO”, e exibiam faixas com inscrições “PAREM COM A DESTRUIÇÃO AGORA” e “SALVEM NOSSO PLANETA”;

– ainda, no mesmo mês, transcorreram invasões, por manifestantes, da embaixada brasileira em Berlim e Londres e vandalismo em suas instalações;

– uma articulação na política internacional, como a retomada de uma rotina de viagens internacionais de políticos e artistas para detonar o Brasil, e,

– manifestações, em outubro de 2021, em Londres, Paris, Madri, Berlim, Lisboa e Viena exigindo o impeachment do presidente do Brasil, além de mais vacinas e empregos.

Tudo isso pode fazer parte de uma “Guerra Política”, conceituada por George Kennan (diplomata e historiador norte-americano) como “o uso de todos os meios disponíveis de uma nação para alcançar objetivos nacionais sem entrar em guerra (aquém da guerra), onde o centro de gravidade da ação deve estar voltado a desestabilizar o governante, desacreditar autoridades, e em criar o caos na sociedade, sucedendo-se a crise política.

Nesse cenário a ideia é implodir um estado via convulsão social e o campo de batalha será em todo o lugar. Significa que todas as armas e tecnologia serão superpostas, as fronteiras entre os dois mundos, guerra e não guerra, de militar e não militar, serão totalmente eliminadas.

3. O PODER MILITAR

A aplicação ou o enfretamento à Guerra Híbrida implica em novas missões, em que os exércitos de massa (de grande efetivos e poder de combate) são substituídos por forças de limitado efetivo e com o máximo acesso às tecnologias de ponta, sempre prontas ao cumprimento de diversas tarefas.

Em razão disso, faz-se necessário que o Brasil tenha uma capacidade, realmente proficiente, de participar de operações internacionais, em coligação ou não com outros países, sob pena de suas forças militares se verem, no futuro, excluídas das mesmas ou lhe serem atribuídas missões secundárias.  Aliando a esta capacidade a percepção de Donald Rumsfeld de que “a missão tem de determinar a coligação”. Temos que considerar a “Guerra Híbrida”.

As fraquezas tecnológicas identificadas em nossos sistemas atuais de Defesa são uma vulnerabilidade crítica às operações em ambientes híbridos. A sobrevivência no campo de batalha híbrido requer mudanças doutrinárias e tecnologia de ponta.

A resposta assimétrica à Guerra Híbrida empregada por um Poder Militar mais fraco frente um mais forte, ou vice-versa, em nível de Estado e Não Estado é “a capacidade de engajar de modo efetivo em diversas formas de guerra simultaneamente.” [6]

A defesa contra a Guerra Híbrida deve ser a dissuasão ou a negação ao conflito, desenvolvendo, ainda, a capacidade de “defesa híbrida”, e sendo de grande importância o uso do Poder Eficaz, isto é, o uso inteligente e integrado do conjunto completo de ferramentas à disposição do Poder Nacional, e, também, a seleção da ferramenta ou da combinação de ferramentas adequadas para cada situação que se dispõe ao enfrentar as ameaças híbridas. Para isso deverá haver ênfase na sincronia (Fenômenos ou fatos que ocorrem simultaneamente, relacionados entre si ou não) das Operações de Combate e integração (incorporação de um elemento num conjunto) e articulação entre as diversas ferramentas Poder Nacional.

Na Guerra Hibrida, pela multiplicidade de ações desenvolvidas, as Forças Armadas usarão capacidades de 3ª,4ªe 5ª “Gerações da Guerra”, portanto devem ser da era da informação e com alta tecnologia.

Será, também, muito importante o aproveitamento da “Assimetria Reversa” (quando, em algum instante do conflito, venha existir a efetiva limitação ou a autolimitação do emprego da incontestável superioridade militar e tecnológica) e da “Assimetria Estratégica”(aplicação de estratégias antagônicas pelos contendores).

As forças militares convencionais cumprirão ação predominante para a esfera estratégica, em que a integração do planejamento estratégico e a coordenação das ferramentas de Estado torna-se o denominador crítico.

 A verdadeira novidade é como combinar o emprego de força militares com as ferramentas tipicamente de Estado, usando com maestria redes de computadores para sincronizar, integrar e controlar as ações.

É necessário capacidades para eventual emprego de antiacesso A2 (impedir ou retardar o acesso do adversário ao objetivo -­fogo indireto e/ou de precisão em profundidade a partir de várias plataformas fora do alcance das defesas inimigas) e negação de área AD (quando o inimigo consegue chegar na área de operações, e se deseja dificultar a sua liberdade de manobra), valendo-se de sofisticados meios aéreos, navais e de defesa antimísseis, apoiados por operações de informação, atividades cibernéticas e de guerra eletrônica, que desafiem a possibilidade das forças oponentes de chegar ao teatro de operações e de abordar e operar fisicamente no campo de batalha.

Percebe-se que essa mudança em direção à guerra irregular e às operações ‘stand-off’ (separação em níveis, em que as operações devem considerar vários pontos espaciais, econômicos, sociais, militares e culturais) apaga a diferença entre os níveis estratégicos, operacionais e táticos do conflito, bem como entre operações ofensivas e defensivas.

Em razão disso faz-se necessário um estudo relacionado à criação de Unidades ou Força Tarefa específica para o emprego na Guerra Híbrida,uma formação que possua o poder de fogo para atingir o nível operacional da guerra e conseguir resultados estratégicos.

Toda Força Terrestre deve ter uma estrutura de comando e controle flexível para atuar num espectro amplo e novo de operações convencional, assimétrica, irregular, híbrida e de novas ameaças.

A complexidade do amplo e novo espectro de operações (convencional, assimétrica, irregular, híbrida e de novas ameaças) irá exigir emprego de tropa a soldados que se pareçam com as Forças Especiais de hoje e, diante das dificuldades de se obter esse parâmetro, como alternativa, o adestramento da tropa empregada pelo Brasil na MINUSTAH, acrescentada de uma preparação, do mesmo nível, para operações clássicas, já que o soldado nunca poderá abdicar de ser, essencialmente, um combatente, deixando gradativamente a sua dependência por forças convencionais corpulentas  e  passando  a  adotar  para  forças  armadas  mais leves (Maior poder de combate por tonelagem  ênfase  nas  forças  especiais e em operações de inteligência).

Essa tropa deve, também, possuir excelência nas atividades de guerra em rede, de inteligência artificial, segurança cibernética, e espionagem eletrônica.

Uma ideia seria criar um padrão do combatente híbrido e fazer com que nossas tropas dominem um repertório tático o mais completo possível, sendo capazes de lutar utilizando ao máximo seus próprios meios e dependendo menos do apoio logístico de retaguarda.

Essas Forças devem possuir versatilidade, ou seja, capacidade de as unidades combatentes enfrentarem vários desafios, decorrentes das diferentes missões que lhes podem ser atribuídos no combate moderno e, ainda, a capacidade que unidades no nível tático apresentam de se adaptarem a diferentes missões e tarefas, muitas das quais inopinadas, e que não fazem parte das atribuições normais da organização.

Da mesma forma, em nível individual, os combatentes deverão ser “multifuncionais”, isto é, ser capazes de desempenhar funções diversificadas no âmbito de suas frações.

Ressaltamos, ainda, a importância da autossuficiência que é um atributo dos mais significativos e se baseia em elevados níveis de autoconfiança, disciplina, fé, coesão e eficácia. Pressupõe a existência de capacidades e habilitações individuais e coletivas altamente desenvolvidas, não encontradas em tropas pouco adestradas.

4. UMA BREVE CONCLUSÃO

As guerras de Nova Geração não podem ser entendidas e explicadas à luz dos pensamentos político e militar ortodoxos. As guerras do passado, azuis contra vermelhos, não são outra coisa que passado!

As Forças Armadas devem ter a capacidade atuarem na Guerra Hibrida tanto de forma ofensiva, quanto defensiva, conforme as possibilidades do adversários, seja ele um Estado constituído ou outros elementos que ameacem a segurança do país.

É inadmissível nos conflitos modernos e, também, nas lutas políticas pelo poder, uma postura menosprezadora em relação à novas ideias, e, ainda, aos líderes ter atitude de descrédito com as novas formas de guerra, e com a nova via violenta para a tomada do poder.


[1] Carlos Alberto Pinto Silva / General de Exército da reserva / Ex-comandante do Comando Militar do Oeste, do Comando Militar do Sul, do Comando de Operações Terrestres, Ex-comandante do 2º BIS e da 17ª Bda Inf Sl, Chefe do EM do CMA, Membro da Academia de Defesa e do CEBRES.

[2] Os EUA No Mundo: Percepções. Antônio de Aguiar Patriota – http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/al000127.pdf

[3]Visa a desagregação da máquina do Estado, antes do golpe de força,

[4]Correio Braziliense, edição de 6 de agosto de 2019/ palestra “Intérpretes do pensamento estratégico militar”, durante evento organizado pelo Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHG-DF), em Brasília.

[6]  Frank Hoffman

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