WOLOSZYN – As Forças Armadas e as Operações de GLO x Facções Criminosas

 

AS FORÇAS ARMADAS E AS OPERAÇÕES DE GLO x FACÇÕES CRIMINOSAS

 

                                                                                                                                  André Luís Woloszyn[1]

 

1. INTRODUÇÃO

 

No momento em que a temática da segurança pública vem sendo pauta nos discursos de parlamentares, é oportuno discorrermos sobre o emprego das Forças Armadas em Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que parece ser a única alternativa possível no combate as facções criminosas ligadas ao narcotráfico. 

É incontestável que este emprego, além de missão constitucional, prevista no artigo 142 da CF de 1988, está regulamentado por diversos mecanismos legais, dentre estes, a Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, que veio  normatizar a matéria constitucional e dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas e o Decreto nº 3.897, de 24 de agosto de 2001, que fixa as diretrizes para o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem.

Em decorrência destes dispositivos, as solicitações para o emprego das Forças Armadas em (GLO) vem apresentando acentuado crescimento, particularmente, na cidade do Rio de Janeiro, onde tal atuação já ocorreu anteriormente em grandes operações como a Arcanjo, entre os anos de 2010 e 2012. E não apenas para contenção e mitigação das disputas entre facções criminosas nos morros cariocas como também em greves de agentes de segurança pública nos estados, nas constantes crises no sistema prisional e em eleições federais e estaduais. Corrobora com esta afirmação os dados do Ministério da Defesa,[2] segundo o qual, nos últimos dezoito meses, ocorreram onze operações de GLO em diversos estados federativos.

O que pretendo demonstrar neste breve ensaio é a existência de uma banalização no emprego das Forças Armadas em operações desta natureza, fruto de um entendimento lato sensu, ou seja, superdimensionado da legislação infraconstitucional que trata do tema, com altos custos ao erário que poderiam ser aplicados em maior proveito das polícias estaduais, mediante convênios.

Destaque-se, que não estou apresentando uma posição contrária as Operações de GLO, que tem tido, inclusive, forte aceitação da opinião pública em geral. Defendo que o Gestor Executivo deve ser mais criterioso tecnicamente ao autorizar seu emprego, considerando-a como um último recurso na resolução de problemas internos do país, enquanto, paralelamente, deveriam ser adotadas políticas saneadoras para mitigar a situação caótica dos estados federativos na questão da segurança pública e do aumento da criminalidade e violência.

 

2. FUNDAMENTAÇÃO

 

O que se tem observado, pelas constantes solicitações de parte dos governos estaduais, é um afastamento do que preconiza a Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, artigo 15, parágrafos 3º e 4º, que menciona as cláusulas determinantes de emprego, ou seja, quando houver o esgotamento dos meios disponíveis e o emprego de maneira episódica e por tempo limitado.

 

                                      Art. 15 …………

§ 3oConsideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional.

§ 4oNa hipótese de emprego nas condições previstas no § 3o deste artigo, após mensagem do Presidente da República, serão ativados os órgãos operacionais das Forças Armadas, que desenvolverão, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, as ações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações na garantia da lei e da ordem. (Grifo nosso)

 

O problema se intensifica, em razão deste esgotamento não ser fruto de uma situação extremada, momentânea, tampouco episódica, como desejava o legislador infraconstitucional. Trata-se de um problema permanente, pelo menos a longo prazo, envolvendo parcela significativa dos estados federativos, consequência da má gestão administrativa, redundando na falta de políticas públicas e investimentos para a área da segurança pública que efetivamente não se constitui em  uma prioridade, basta uma rápida avaliação nas estatísticas criminais divulgadas pelos próprios estados e por institutos de pesquisa nacionais.

Curiosamente, a legislação que disciplina a matéria foi elaborada com base nas ações terroristas praticadas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo, intensificadas a partir da década de 90. Contudo, o estado nunca solicitou intervenção federal para este assunto.

Sendo assim, podemos afirmar que as Operações de GLO no Brasil são sinônimo de aleatoriedade e consequentemente exposta a fragilidade e há boas razões para defendermos esta tese, baseados em fatos e fartas evidências. Para tal desiderato, elencamos nove fatores condicionantes para objeto de análise no sentido de embasar a presente tese:

             

1º – A questão da Segurança Pública não consta no rol das prioridades governamentais. Se existe um Plano Nacional de Segurança Pública, encontra-se no mesmo status que o Plano Nacional de Inteligência, ou seja, trata-se de um documento sigiloso. A contrário sensu, não se pode afirmar que existe um sistema face à inexistência de uma doutrina, tampouco objetivos táticos e estratégicos além do estabelecimento de metas a serem atingidas.

2º – A legislação penal brasileira, formulada na década de 1940, numa conjuntura social e criminal totalmente dissociada da atualidade, há muito não atende a dinâmica da criminalidade, em especial, quanto ao fenômeno das organizações criminosas ligadas ao narcotráfico, surgidas na década de 90 e em franca expansão. Falo de determinados benefícios como o bom comportamento e o grau de primariedade para determinados delitos.

3º – O sistema penitenciário nacional se encontra em estado de caos tanto na parte infraestrutural como na fiscalização interna dos detentos. Este fator, possibilita uma disputa constante por espaço e poder entre as facções criminosas acarretando em seu fortalecimento. 

4º – Impossibilidade de monitoramento e controle de presos integrantes destas facções que se encontram no regime semiaberto assim como dos que utilizam o sistema de tornozeleira eletrônica.

5º – Existem limitações legais impostas à ação de polícia por parte das forças federais em acentuado contraste com a atuação em caráter de anomia das facções criminosas.

6º – Índice elevado de corrupção de agentes estatais e envolvimento destes e de segmentos da classe política com as organizações criminosas, havendo vazamento de informações sigilosas e repasse de armas apreendidas.

7º – Pressões de segmentos da imprensa nacional e o monitoramento constante de ONGs nacionais e internacionais de direitos humanos, em relação a possíveis efeitos colaterais do emprego da tropa  federal, na busca por um fato político com teor midiático.

8º – Ambiente político instável, levando a transferência de responsabilidades e do ônus de um possível desgaste institucional de parte dos estados, para o Governo Federal. Neste caso em particular, como pondera Nassim Taleb,[3] entramos num sério problema que é a maligna transferência de fragilidade e antifragilidade de um lado para outro, com um dos lados recebendo os benefícios e o outro recebendo, involuntariamente, os danos e,

             

9º – A cultura instituída da vitimização do delinquente por um lado, e uma visão distorcida de  atuação autoritária das forças policiais por outro, parte do discurso do politicamente correto.

Esta conjuntura complexa, envolvendo fatores estruturais, culturais e éticos é o principal motivo do êxito de pacificação momentâneo alcançado pelas operações de GLO. Em contrapartida, os problemas enfrentados pelos estados tendem a se agravar o que redundará em solicitações sistemáticas de emprego das FA em GLO de questões mais complexas ao crime tradicional como solução paliativa.

 

3. EXPERIENCIAS EM OUTROS PAÍSES

 

Por outro lado, há exemplos incontestes de experiências que não lograram êxito, como a atuação do Exército mexicano, a partir de 2006, contra a violência praticada pelos cartéis de drogas que perdura por 12 anos sem previsão de término e, anteriormente, a do Exército colombiano, contra a guerrilha e milícias ligadas ao narcotráfico, cujos impactos foram minimizados pelo Plano Colômbia, deflagrado entre os anos de 1994 à 2000 pelo Drug Enforcement Administration – DEA, dos EUA, o qual se encerrou abruptamente com os atentados terroristas do 11 de setembro.

A este respeito, uma avaliação do pesquisador norte-americano, Nasih Richani, com base em relatórios desclassificados do State Department, concluiu que as dificuldades iniciais de enfrentamentos estava ligada a uma visão racional e subestimada de que as guerrilhas colombianas não representavam uma grave ameaça, consequentemente, os objetivos do emprego de tropas eram apenas de contenção. Outra importante conclusão foi o significativo número de militares envolvidos em corrupção com integrantes e lideranças destas facções, a partir do início das operações. No Brasil, não se trata de mera subestimação da ameaça mas dos impactos políticos que medidas mais severas podem acarretar.

Vale lembrar, ainda, que as Forças Armadas na maioria dos países-membros da Organização das Nações Unidas, não se envolvem em problemas internos, mesmo em questões do terrorismo, considerado assunto de segurança pública. Nestes, as Operações de GLO são realizadas em países sob intervenção militar, denominadas de Operações de contra- insurgência, as quais possuem um tratamento diferenciado na legislação internacional, contando com a aquiescência do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

 

4. CONCLUSÕES

 

Finalizando o presente ensaio, o cenário aponta para duas conclusões parciais que merecem maior estudo e reflexão. Em primeiro lugar, nestas circunstâncias, não existe perspectiva de solução para o problema das constantes disputas por espaço mercadológico entre as facções criminosas brasileiras e a tendência é de arrefecimento das ações.

Em segundo, há uma banalização do emprego das Forças Armadas em atividades de segurança pública à medida que a economia destes se deteriora e avança a violência e a criminalidade, o que acarreta em desgaste da imagem institucional destas somados a outros efeitos colaterais danosos, motivo de preocupação do Comando das Forças envolvidas.

Defendo a tese de que o emprego das Forças Armadas em operações de GLO com o objetivo de pacificação de um ambiente conflagrado ocorram apenas em stricto sensu, ou seja, quando envolverem grave perturbação da ordem que ameace os poderes constituídos. Por enquanto, os episódios evidenciam tratar-se apenas de apoio político aos estados uma vez que não há comprometimento da ordem constitucional mas sim, dos governos estaduais perante a opinião pública. Tal pretensão só será possível, com o comprometimento de todas as autoridades governamentais nas esferas federal, estadual e municipal.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.

 

BRASIL. Lei Complementar nº 95, de 9 de junho de 1999. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/LCP/Lcp97.htm.

 

BRASIL. Decreto nº 3.897, de 24 de agosto de 2001. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/d3897.htm.

 

BRASIL. Ministério da Defesa. Disponível em: http://www.defesa.gov.br/noticias/39208-em-evento-sobre-seguranca-no-rio-jungmann-defende-pacto-nacional-para-enfrentamento-ao-crime.

 

TALEB, Nassim, Antifrágil, tradução de Eduardo Rieche, Best Business, Rio de Janeiro, 2016.

 

                                                                     


[1] Analista de Assuntos Estratégicos, foi analista da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, (SAE) é diplomado em Inteligência Estratégica pela Escola Superior de Guerra (ESG).

[3] TALEB, Nassim, Antifrágil, tradução de Eduardo Rieche, Best Business, Rio de Janeiro, 2016.

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