ABIN – CV e PCC negociam com grupos colombianos compra e transporte de drogas na Amazônia

Relatório das agências de inteligência dos dois países diz que porto no Pará tem sido usado para escoamento de droga para Europa

  • Documento aponta que Tríplice Fronteira virou principal ponto de narcotráfico na região

Raquel Lopes
28 Outubro 2025
Folha de São Paulo
Brasília

Um relatório da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) aponta uma região do Brasil com a Colômbia como um dos principais corredores do narcotráfico mundial.

Na chamada Amazônia Compartilhada, facções criminosas como o CV (Comando Vermelho) e o PCC (Primeiro Comando da Capital) mantêm negócios com grupos colombianos tanto para levar as drogas para serem consumidas em outros locais do Brasil quanto para o escoamento da produção com destino à Europa e à África.

Os entorpecentes produzidos na Colômbia e também no Peru tendem a seguir a chamada rota do Solimões, um corredor fluvial que atravessa a região e conecta as fronteiras dos dois países. No lado brasileiro, o CV é a facção que domina o varejo de entorpecentes no Amazonas, Pará, Acre e Rondônia. Entre as substâncias citadas estão cloridrato de cocaína, pasta base e maconha.

Segundo o relatório obtido com exclusividade pela Folha, o narcotráfico na região teve início na década de 1980, intensificando-se a partir da década de 2010 com o escalonamento na produção de folha de coca e de maconha tipo skunk.

O avanço do narcotráfico na América Latina tem alimentado uma escalada de tensão liderada pelos Estados Unidos, que pressionam países como Colômbia e Venezuela sob a justificativa de reforçar o combate ao tráfico internacional de drogas.

Um homem caminha pela calçada, carregando uma bolsa térmica colorida. Ao fundo, há uma parede de um edifício com uma janela de vidro e outra com madeira coberta no lugar da janela, além de grafites visíveis na parede. Um deles tem inscritas as letras CV. O homem está vestido com uma camiseta cinza e calças escuras.
Pichação com as iniciais da facção criminosa Comando Vermelho em prédio do Porto de Manaus (AM), na região central da capital amazonense – Tulio Kruse/Folhapress

O estudo foi realizado pela Abin em parceria com a DNI (Direção Nacional de Inteligência) da Colômbia. O documento elenca que o narcotráfico, a mineração ilegal de ouro e o tráfico humano de migrantes como as principais ameaças para a segurança humana e ambiental da região. É o primeiro documento público conjunto entre serviços de inteligência sul-americanos sobre esses temas.

O relatório aponta também rotas que avançam pelos rios Javari, Içá e Japurá e que deságuam no rio Solimões, principal eixo de interiorização das cargas ilícitas rumo a Manaus.

A partir da capital amazonense, os entorpecentes seguem por outros rios em direção ao Pará, de onde são distribuídos para diferentes regiões do Brasil por vias fluviais, aéreas e terrestres, ou encaminhados até o litoral para escoamento para a Europa e a África. A Folha mostrou o aumento de tráfico de drogas e da criminalidade na região nos últimos 11 anos.

Um dos principais pontos de saída é o porto de Vila do Conde, em Barcarena (PA), próximo a capital Belém onde será sediada a COP30. O local é considerado estratégico pelo crime justamente por oferecer acesso direto ao oceano Atlântico e maior facilidade para driblar a fiscalização.

O estudo destaca, no entanto, que quando há maior fiscalização ao longo desse percurso as organizações abrem ramificações alternativas. Entre elas, o uso de rios que deságuam no rio Negro, além da combinação com outros modais logísticos.

Embora ainda menos utilizado que o fluvial, o transporte aéreo ganha relevância com a proliferação de pistas clandestinas na Amazônia, especialmente na Venezuela, que se tornou ponto estratégico para conectar a produção colombiana ao Brasil.

O estudo identificou ainda o uso de semissubmersíveis, os chamados narcossubmarinos, para transportar grandes cargas de drogas em travessias até a África e a Europa. Técnicos colombianos construíram essas embarcações artesanalmente na costa do Pará e do Amapá, e algumas foram interceptadas já no litoral africano ou europeu, com tripulações formadas por brasileiros, colombianos e europeus, evidenciando o caráter transnacional das operações.

O estudo aponta ainda que a Tríplice Fronteira entre Tabatinga (Brasil), Leticia (Colômbia) e Santa Rosa (Peru) é hoje o principal polo do narcotráfico na Amazônia Compartilhada, ponto de negociação das maiores cargas de drogas, ainda que nem todas passem pelos municípios da região.

A área também se tornou um epicentro de lavagem de dinheiro. Em Tabatinga, o esquema se concentra em lojas de roupas, departamentos, eletrodomésticos e hotéis; do lado colombiano, em cassinos, agências de turismo e casas de câmbio.

Os dados mostram que a cocaína colombiana abastece não só o mercado interno brasileiro, mas também usa o país como rota para a África e a Europa. Já a maconha skunk é voltada quase totalmente ao consumo brasileiro, com qualidade superior e maior valor agregado em relação à produzida na fronteira com o Paraguai.

O estudo aponta que as rotas que partem do Peru e da Colômbia em direção ao Brasil têm favorecido a atuação integrada entre facções brasileiras, grupos armados estrangeiros e redes transnacionais de narcotráfico.

Há cinco grupos que controlam a região da Amazônia do lado colombiano. O Estado Maior Central, por exemplo, estaria extorquindo compradores externos com cotas entre US$ 2,62 e US$ 5,23 por quilo de skunk.

Na fronteira brasileira, o Comando Vermelho é a facção predominante e mantém forte presença nos estados do Amazonas, Pará, Acre e Rondônia, o que lhe garante vantagem logística para interiorizar drogas da faixa fronteiriça e exportá-las para outros países.

A supremacia no Amazonas se manifesta principalmente no número de integrantes e no controle da maioria dos pontos de venda de drogas no varejo do estado. A facção também faz negócio com os grupos armados da Colômbia, não tendo aliança e nem rivalidade.

No entanto, ela não tem monopólio da rota de tráfico de entorpecentes, a qual também é explorada por outras organizações criminosas e traficantes independentes. No estado, ainda há presença do grupo criminoso PCC.

Diversas organizações criminosas brasileiras e traficantes independentes atuam na região da Amazônia, com o objetivo primordial de acesso a fornecedores de drogas colombianos e peruanos.

A previsão da Abin e DNI é de a tendência de intensificação do uso das rotas fluviais amazônicas entre Colômbia e Brasil, impulsionada pelo aumento recorde da produção de folha de coca na Venezuela e no Equador. Isso tem levado os grupos criminosos a redirecionar fluxos do Equador para o Brasil e a Venezuela.

As áreas de cultivo de coca nas regiões da Colômbia que fazem fronteira com Equador, Peru e Brasil somaram 122.044 hectares em 2023, o equivalente a 54% de toda a coca cultivada no país, segundo a UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes). O valor equivale a um crescimento de 126% em relação a 2020.

Principais grupos armados organizados da Colômbia que atuam na Amazônia

GAORs (Grupos Armados Organizados Residual) – Compostos por remanescentes ou dissidentes de organizações guerrilheiras desmobilizadas, principalmente as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

  • Estado Mayor Central: Liderado por Iván Mordisco, tem presença em mais de 100 municípios e atua na fronteira em Guaviare, Putumayo, Caquetá, Amazonas e Nariño. Disputa com a Coordinadora Nacional Ejército Bolivariano e o Estado Mayor de los Bloques y Frente o controle das rotas do narcotráfico nos rios Orteguaza e Caquetá, especialmente em Mecaya (Puerto Leguízamo).
  • Estado Mayor de los Bloques y Frente (dissidência do EMC): Liderado por Calarcá, o grupo tem presença nos departamentos de Caquetá e Putumayo. Disputa o controle das rotas do narcotráfico com a Coordinadora Nacional Ejército Bolivariano, especialmente nos rios Orteguaza e Caquetá, com foco estratégico no povoado de Mecaya, em Puerto Leguízamo (Putumayo).
  • Coordinadora Nacional Ejército Bolivariano: Grupo liderado por Allende e Andrés, com presença em Nariño, Putumayo e Caquetá. Disputa rotas do narcotráfico nos rios Orteguaza e Caquetá com o Estado Mayor Central e o controle social e das rendas criminais na fronteira com o grupo equatoriano Los Choneros. Mantém alianças com Los Lobos (mineração ilegal) e Tiguerones (envio de drogas a Esmeraldas).
  • Segunda Marquetalia: Liderado por Iván Márquez. Presença nos Departamentos de Guainía e Vichada.

GAO (Grupos Armados Organizados) — é uma classificação utilizada pelo governo colombiano para organizações criminosas que atuam em seu território com uma cadeia de comando definida e que detêm controle sobre parte do território.

  • Exército de Libertação Nacional Principal. Estima-se que 60% do efetivo da organização esteja localizado na fronteira, distribuído entre os departamentos colombianos e os estados venezuelanos.

Facções brasileiras atuantes na Amazônia

  • Comando Vermelho do Amazonas Domina o varejo de drogas no Amazonas, Pará, Acre e Rondônia. Faz negócios com traficantes colombianos ao longo do Rio Solimões; busca acesso direto a fornecedores colombianos e peruanos.
  • Primeiro Comando da Capital (PCC) Presença forte em Coari e bairros de Manaus. Desde 2020, concentra-se no tráfico internacional (especialmente para a Europa), reduzindo o varejo local. Desde 2021, disputa território na tríplice fronteira em rivalidade com o CV.
  • Crias da Tríplice (extinta): Reunia membros brasileiros, colombianos e peruanos. Aliada formal do PCC e rival do CV do Amazonas; disputava tanto o varejo quanto fornecedores. Foi desarticulada após a morte de suas principais lideranças em 2024. Remanescentes migraram para o CV e PCC.
  • Facção Revolucionários do Amazonas: dissidência do CV do Amazonas; praticamente extinta.
  • Facção Cartel do Norte: dissidentes da extinta Família do Norte; praticamente extinta.
  • Traficantes independentes: atuam de forma autônoma; formam consórcios para comprar cocaína de fornecedores peruanos e colombianos e vendem para múltiplos grupos, inclusive rivais, priorizando lucro sem envolvimento direto em disputas territoriais.

Rotas

  • Rota do Solimões: Rotas do Peru e da Colômbia convergem para o Brasil principlamente pelos rios Içá, Javari e Japurá, desembocando no Rio Solimões e chegando a Manaus, principal centro logístico. De lá, seguem pelo Solimões e outros rios até o Pará, onde ocorre a distribuição nacional e a exportação, sobretudo via porto de Vila do Conde (Barcarena), acesso direto ao Atlântico.
  • Rota do Rio Negro: Essa rota é usada pelos narcotraficantes quando há aumento da fiscalização na Rota do Solimões. Os transportadores deslocam carregamentos por afluentes menores, como os rios Cuniã, Urubaxi, Jurubaxi e Marié, até alcançar o Rio Negro, ao norte do Solimões, que desemboca em Manaus.
  • Modal aéreo: É menos utilizado que o fluvial, mas aproveita a vasta área e baixa fiscalização. Traficantes usam aeroportos e pistas irregulares na região Norte para trazer drogas da Colômbia e do Peru ao Amazonas. A Venezuela, com muitas pistas clandestinas, funciona como ponto de passagem entre Colômbia e Brasil.
  • Semissubmersíveis / narcossubmarinos: Estruturas construídas na costa do Pará e no Amapá por técnicos colombianos; podem ser rebocadas ou autopropulsadas e visam cruzar o Oceano Atlântico rumo à África ou à Europa.

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