Os riscos da infraestrutura de alto impacto “made by China” na Colômbia

Parte I

Por Sabina Nicholls/Diálogo

O escopo da presença da República Popular da China (RPC) em grandes projetos de infraestrutura na Colômbia aumentou consideravelmente nos últimos anos. A primeira linha do Metrô de Bogotá, o trem suburbano Regiotram e a autoestrada Mar 2 são apenas alguns dos contratos milionários concedidos ao país asiático. Estes são projetos que geraram expectativas, prometendo dar uma guinada no desenvolvimento de um país atrasado em infraestrutura, mas também preocupações, pois as obras chinesas não são como a seda.

“Várias empresas chinesas que atualmente operam ou participam de grandes projetos colombianos foram acusadas de danos ambientais, corrupção, violações trabalhistas ou atrasos indevidos em todo o mundo”, comentou Leland Lazarus, diretor associado de segurança nacional do Instituto Jack D. Gordon de Políticas Públicas da Universidade Internacional da Flórida, em conversas com Diálogo.

São acusações que se somam à qualidade questionável da engenharia da RPC. De acordo com um estudo revelado pelo jornal americano The Wall Street Journal, os projetos globais de infraestrutura da China estão entrando em colapso. O exemplo mais emblemático está no Equador, país vizinho da Colômbia. A represa hidrelétrica Coca Codo Sinclair, construída pela empresa chinesa Sinohydro e cujo investimento foi de US$ 2,7 bilhões, prometendo ser o maior projeto de infraestrutura da história desse país, hoje apresenta inúmeras falhas técnicas que a impedem de gerar a capacidade total da energia instalada e ameaça destruir a represa, devido à erosão causada no rio Coca.

ssas repetidas queixas preocupam os especialistas e fazem soar o alarme sobre os riscos apresentados pela crescente presença de empresas chinesas na infraestrutura colombiana, um país que, até alguns anos atrás, era particularmente imune à influência chinesa.

Foto de arquivo do primeiro vagão do Metrô de Bogotá antes de sua chegada à Colômbia. (Foto: Metrô de Bogotá)

O desembarque chinês na infraestrutura colombiana

A chegada da infraestrutura chinesa na Colômbia foi tardia. No início do século, uma onda de projetos chineses começou a aparecer na América Latina, impulsionada por empréstimos do país asiático, que obrigavam os países a contratar empresas chinesas para realizar as obras. Esses projetos também faziam parte da Iniciativa Cinturão e Rota, a estratégia de Xi Jinping para impulsionar os negócios na área. A Colômbia, no entanto, optou por uma posição mais moderada, ficando de fora do boom chinês que estava sendo gerado na região.

“Não foi uma decisão da Colômbia fazer parte da Cinturão e Rota, nem favorecer ou fazer acordos diretos com os chineses; nesse aspecto, somos muito diferentes de nossos vizinhos, com os quais eles fizeram contratos de governo a governo, como os chineses estão acostumados a fazer na maioria de seus projetos; é assim que a China trabalha, mas assim não trabalha a Colômbia “, disse à Diálogo Ángela María Orozco, ex-ministra dos Transportes da Colômbia.

Mas as coisas começaram a mudar, quando a Colômbia viu a necessidade de abrir licitações para competir com seus países vizinhos. Em 2014, a Colômbia era o país menos competitivo de todos os países integrantes da Aliança do Pacífico, com um atraso de 15 anos em infraestrutura, de acordo com o ranking de competência logística do Banco Mundial. Para saldar essa dívida, o governo colombiano de então promoveu o projeto conhecido como Quarta Geração de Concessões Rodoviárias da Colômbia. “As 4G eram um pacote de parcerias público-privadas com um investimento, na época, de US$ 6 bilhões, um projeto ambicioso para qualquer país do mundo, com boas garantias e incomum na América Latina; a China não ia ficar de fora”, disse Orozco.

Em setembro de 2015, a Agência Nacional de Infraestrutura da Colômbia concedeu a construção da Autopista Mar 2, um dos projetos dentro das 4G, ao consórcio chinês liderado pela empresa estatal China Harbour Engineering Company (CHEC). Esse foi o primeiro acordo de parceria público-privada na América Latina com bancos chineses, que abriria o caminho para a entrada da RPC na Colômbia.

“Essa seria a bola de neve que daria início a todo o movimento”, disse à Diálogo David Castrillón, professor e pesquisador da Universidade de Externado de Bogotá. O país asiático deixou de estar ausente no setor de infraestrutura, para liderar os projetos mais importantes da história recente do país. “Dos 42 projetos chineses que existem na Colômbia atualmente, mais da metade foi concedida nos últimos três anos, e a maior parte deles é de infraestrutura”, acrescentou Castrillón.

Embora o investimento direto estrangeiro traga consigo o desenvolvimento, a presença de empresas chinesas é preocupante, como explica Lazarus: “Estamos falando de empresas estatais, que dependem diretamente do partido comunista e que respondem aos seus interesses estratégicos.”

A prefeita de Bogotá, Claudia López, apresenta o primeiro vagão do Metrô de Bogotá, em novembro de 2022. (Foto: Claudia López/X)

CHEC: Metrô de Bogotá

Dos projetos de infraestrutura concedidos à China, o mais importante é o Metrô de Bogotá.  Em novembro de 2019, o consórcio chinês APCA Transimetro comemorou seu triunfo, após vencer a licitação para construir a primeira linha do Metrô de Bogotá. Foi uma disputa que venceu o consórcio mexicano-espanhol Metro, e que pôs fim a uma saga de mais de meio século para os colombianos, que sempre viram frustrada a esperança de ter o sistema de transporte de Metrô na capital. Mas essa ilusão foi se dissipando com o passar do tempo e o projeto começou a tropeçar nas pedras do caminho.

A primeira pedra foi o não cumprimento. “Isso é típico das empresas chinesas”, disse Lazarus, acrescentando que “têm expectativas diferentes”. O consórcio chinês, formado pela CHEC e pela Xi’An Metro, foi multado em meados de 2023 pela Empresa Metro de Bogotá, responsável pelo planejamento e operação do Metrô, por não cumprir os prazos de entrega para concluir os estudos e projetos preliminares, que deveriam ter sido entregues em dezembro de 2022.

Os atrasos e descumprimentos da mesma empresa já foram objeto de denúncias em outros projetos ao redor do mundo. Em Uganda, por exemplo, o governo ugandense decidiu, em janeiro de 2023, rescindir o contrato de US$ 2,2 bilhões com a CHEC, após vários anos de promessas não cumpridas, informou o jornal ugandense Daily Monitor. A CHEC havia sido contratada para avançar na construção de trilhos ferroviários ligando a capital de Uganda, Kampala, a Malaba, uma cidade fronteiriça do Quênia. No entanto, sete anos após o início do contrato, nem o financiamento nem a estruturação das obras se concretizaram, e o contrato foi suspenso recentemente, relatou o jornal.

Além dos atrasos na documentação do Metrô de Bogotá, outras preocupações estão começando a vir à tona. A revista colombiana Semana, em sua edição de 23 de setembro, informou sobre supostas irregularidades na concessão do projeto. De acordo com a revista, há evidências que comprometem um cidadão chinês, um ex-funcionário do Ministério dos Transportes e outros funcionários, com supostas transferências de dinheiro na construção do megaprojeto. A Procuradoria Geral da República fez uma declaração na qual confirma que está de fato conduzindo investigações sobre a suposta corrupção na concessão do contrato do Metrô de Bogotá.

Essa é uma situação que hoje gera um gosto amargo, especialmente quando as duas empresas que lideram o projeto têm um histórico questionável. A CHEC, com uma participação de 85 por cento no consórcio, está envolvida em escândalos de corrupção em todo o mundo. O mais recente deles ocorreu na vizinha Bolívia, onde denúncias de corrupção levaram à demissão do gerente geral da empresa chinesa, informou a EFE.

Entretanto, não foi somente a CHEC que se envolveu em escândalos, mas também a sua controladora. A China Communications Construction Company (CCCC), com mais de 60 subsidiárias, foi excluída em 2011 pelo Banco Mundial (BM) por um período de seis anos, por práticas fraudulentas em projetos rodoviários nas Filipinas. Vale ressaltar que, quando lhe foi concedido o projeto do Metrô de Bogotá, essa empresa estava cumprindo o período de sanção do BM. Além dessa sanção, há outras denúncias de irregularidades em um projeto ferroviário na Malásia e na construção de um hospital infantil na Austrália, informou a plataforma Diálogo Chino. Na América Latina, as autoridades locais de São Luís, Maranhão, no Brasil, estão investigando se a empresa lucrou com a venda de títulos de propriedade de forma irregular para a construção de um porto e, no Panamá, estão sendo investigadas irregularidades no contrato para a construção de uma ponte, destacou a mídia.

Mas, isso não é tudo. A Xi’an Metro Company, a outra empresa que faz parte do consórcio, também esteve envolvida em escândalos de corrupção. Em dezembro de 2018, o Tribunal Popular Intermediário da cidade de Xianyang decidiu que o chefe da empresa era culpado de aceitar subornos, de acordo com relatos da mídia local.

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro (à dir.), participa de uma reunião com o presidente da China, Xi Jinping (à esq.), no Grande Salão do Povo, em Pequim, em 25 de outubro de 2023. (Foto: Ken Ishii/Pool/AFP)

Um “maior lance” sob o risco de influência política, pouca responsabilidade e espionagem?

A licitação do Metrô de Bogotá abre o debate sobre a necessidade de incluir critérios adicionais aos já estabelecidos, que exigem o cumprimento das especificações técnicas ao menor custo, quando se trata de competir com empresas estatais chinesas. De acordo com especialistas, as empresas estatais chinesas têm acesso a recursos e condições financeiras muito econômicas. “O acesso às condições de financiamento lhes dá uma vantagem na conquista de projetos”, disse Orozco. No entanto, as vantagens chinesas se traduzem em desvantagens para o país anfitrião, porque são empresas com reputação questionável.

“É chocante que uma empresa que combina alegações globais de corrupção, impacto ambiental e violação de direitos trabalhistas e humanos, como é o caso da China Harbour Engineering – uma combinação de todos esses conflitos na mesma empresa – seja encarregada de realizar o projeto mais importante da história recente da Colômbia”, disse Sergio Vita, analista de Serviços de Inteligência e Sistemas Democráticos da Universidade Rei Juan Carlos, na Espanha.

“Há uma grande discussão com os agentes multilaterais para o processo de licitação da segunda linha do Metrô de Bogotá, que permita incluir critérios adicionais que equilibrarão a balança e que não será apenas a proposta mais baixa, mas que atribuirá exigências e medidas a outras características que não estavam presentes na primeira linha.”

Esse questionamento vai ainda mais longe, pois, segundo especialistas, os interesses e as condições impostas pelas empresas estatais chinesas contrariam a racionalidade empresarial das empresas ocidentais, o que ainda gera enormes riscos para a segurança e a soberania do país anfitrião. Um desses riscos é o interesse por trás dos projetos. “Para as empresas chinesas, o Metrô de Bogotá é uma decisão estratégica, orientada principalmente por critérios políticos em busca de influência. Não se trata tanto de contar com resultados econômicos ou de lucratividade; isso não é tão importante”, declarou Vita.

A falta de transparência também é uma preocupação. “Os contratos que elas firmam com as autoridades locais tendem a ser confidenciais. Isso deliberadamente mantém o público colombiano na ignorância sobre o tipo de acordos firmados e o que as autoridades colombianas tiveram de abrir mão para conseguir esses acordos”, comentou Lazarus, acrescentando que “o povo colombiano não deveria se perguntar se seu governo fez acordos ‘faustianos’ com a China”. A CHEC, empresa responsável pelo Metrô de Bogotá, também é a empresa responsável pela construção da estação de satélite na Argentina, que causou grande controvérsia justamente por causa da falta de transparência por trás do contrato, e que é suspeita de ter fins militares.

Além disso, o baixo nível de responsabilidade a que as empresas chinesas estão sujeitas é mais preocupante. Os analistas explicam que, embora existam algumas diretrizes para suas empresas, elas não são obrigatórias. “As empresas ocidentais estão sujeitas a padrões mais elevados de transparência. Há uma infinidade de mecanismos governamentais e da sociedade civil encarregados de monitorar o comportamento dessas empresas, o que não é o caso da China”, disse Vita.

Esse é um cenário preocupante, que é agravado por outro ainda mais alarmante: a captura de dados. “Ambos os atores [o Estado e as empresas estatais] agem em busca do mesmo objetivo, no qual o interesse estratégico prevalece sobre o interesse econômico”, disse à Diálogo Francisco Santos, ex-vice-presidente da Colômbia. De acordo com Santos, o Metrô de Bogotá é um exemplo claro dos temores de espionagem já detectados em diferentes setores, quando se trata de empresas chinesas. “A China não só vai construir, mas também operar o metrô durante os próximos 25 anos. Alguém já parou para pensar que a China vai guardar os dados de cada uma das pessoas que entrarem nesse metrô e as informações que ela vai poder acessar somente por meio desse mecanismo de captura?”, denunciou Santos.

Segunda linha do Metrô de Bogotá

Todos os olhos estão voltados para a concessão da segunda linha do Metrô de Bogotá e para as mãos de quem ela cairá. A corrida mal começou, mas já começaram a surgir dúvidas. Segundo publicou a revista Semana, em 5 de novembro, a Empresa Metro de Bogotá recebeu uma observação, alertando sobre um possível conflito de interesses em três dos quatro consórcios interessados no megaprojeto e pedindo que os três concorrentes sejam desqualificados. A observação argumenta que a CCCC seria o guarda-chuva dos três consórcios. Em outras palavras, não importa quem ganhe, o beneficiário seria o mesmo candidato: a China. “Em resumo, todas essas empresas têm em comum o fato de serem propriedades do Estado, portanto, mesmo que sejam apresentadas como empresas diferentes competindo sob um esquema de mercado livre, a seleção de qualquer uma delas sempre acabará favorecendo o Estado chinês”, disse Vita.

Essa não seria a primeira vez que várias empresas chinesas competiriam pelo mesmo projeto. Um exemplo disso foi a licitação para o contrato mais recente concedido a uma empresa chinesa. Trata-se da conclusão do projeto hidrelétrico de Ituango, em Antioquia, um processo no qual foram apresentados três consórcios, dois deles representando empresas estatais da RPC, e que tem sido alvo de todos os tipos de questionamentos. Essa situação será analisada na segunda parte deste relatório, juntamente com outros projetos, como, por exemplo, a tentativa fracassada da China de assumir o controle do rio mais importante do país, o Magdalena.

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