Moscou celebra o 1º Maio à soviética e faz pairar uma sombra sobre ajuda do FMI à Ucrânia

Cerca de 100 mil pessoas participaram na manifestação do 1º de Maio na Praça Vermelha, com cartazes de Vladimir Putin e slogans patrióticos. Como nos velhos tempos da União soviética, e pela primeira vez desde 1991, quando se desmembrou o império comunista, a manifestação foi organizada pela câmara de Moscou. Na Ucrânia, a alegria pela aprovação do empréstimo de 17 mil milhões do FMI foi temperada pelo ameaça de que será "reformulado" se o Leste do país for dado como perdido.

“Esta manifestação recorda-me o país em que nasci, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas”, disse um homem corpulento a um repórter do jornal Guardian, que se identificou apenas como Boris.

O ambiente era de saudosismo e de intenso orgulho nacionalista, exacerbado pela anexação da Crimeia e pelo que se está a passar no Leste da Ucrânia – em que homens armados, pró-russos, estão a assumir o controlo dos edifícios governamentais, exigindo um referendo sobre a independência. O Governo provisório ucraniano reconheceu na quarta-feira ter perdido o controlo sobre a situação e anunciou o regresso ao serviço militar obrigatório, prevendo o pior.

O empréstimo de 17 mil milhões de dólares do Fundo Monetário Internacional à Ucrânia recebeu finalmente luz verde em Washington na noite de quarta-feira – um sinal positivo quando tudo parecia estar correr mal. Mas quinta-feira o FMI avisou que este pode vir a ser “reformulado” se Governo provisório – ou o que sair das eleições de 25 de Maio, que podem não se realizar em todo o território ucraniano – não provar que controla todo o território da Ucrânia.

“O conflito poderá enfraquecer as receitas orçamentais e pôr fortemente em risco das perspectivas de investimento”, avançou o FMI, no comunicado em que anuncia o seu passo atrás. As províncias do Leste (Donetsk, Lugansk e Karkhovrepresentam mais de 21% do Produto Interno Bruto da Ucrânia e 30% da sua produção industrial

A estratégia russa de desestabilização da Ucrânia parece correr sobre rodas.

No Leste da Ucrânia prosseguia o avanço das forças pró-russas. Em Donetsk, onde controlam praticamente toda a cidade, assaltaram o edifício onde funciona o Ministério Público. Segundo Bojan Pancevski, correspondente do jornal britânico Sunday Times, os homens armados que invadiram as instalações roubaram de tudo, desde computadores e processos até gelado que estava num frigorífico no gabinete do procurador.

O poder naquela região caiu de vez nas mãos de homens armados e líderes locais como Denis Pushilin – o autoproclamado líder da república popular de Donetsk, de 33 anos, cuja maior notoriedade, até ao início de Abril, era ser o rosto na Ucrânia do maior esquema de fraude em pirâmide jamais criado no espaço soviético, descrevia o jornalista do Le Monde Piotr Smolar. Há inúmeros vídeos na Internet feitos pelo próprio Pushilin que o provam.

Na Crimeia, onde está sediada a Frota do Mar Negro russa, cerca de 60 mil pessoas desfilaram com bandeiras russas e inúmeros cartazes com o retrato de Putin, celebrado como um herói em Sinferopol, capital administrativa da península que foi anexada pela Federação Russa, após o referendo de 16 de Março – que não foi reconhecido internacionalmente. Nos cartazes liam-se coisas como “Nós somos a Rússia” e “Putin é o nosso Presidente”, relata a AFP.

Ao mesmo tempo que na Rússia Putin organizava a celebração do orgulho nacional, respondia à chanceler alemã Angela Merkel, que o contactou telefonicamente, que Kiev tem de retirar todos os seus militares do sudoeste do Ucrânia. Só isso poderá fazer com que se resolva a situação de facto de haver homens fortemente armados pró-Moscovo – apoiados, segundo os novos poderes ucranianos e observadores ocidentais, por militares russos – barricados nos órgãos de poder regionais.

Só que nada garante que a retirada dos militares ucranianos resolva alguma coisa. O acordo negociado em Genebra entre Kiev, Moscovo, os Estados Unidos e a União Europeia não foi respeitado no terreno por estas verdadeiras guerrilhas.

Enquanto isso, os manifestantes na Praça Vermelha traziam balões brancos, azuis e vermelhos, bandeiras russas e cartazes de exaltação nacional e a Putin: “Tenho orgulho no meu país” diziam uns, e “Putin tem razão”, diziam outros. Havia até os que apelavam ao desenvolvimento económico da mais nova aquisição da Russia: “Vamos passar férias à Crimeia.”

“Queremos fazer renascer as nossas antigas tradições. São boas e agradam a toda a gente. Estas festas sempre fizeram falta ao povo”, disse à AFP Ludmilla, uma funcionária pública que participou no desfile.

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