Líbia – Desarticulação de aliados ameaça operação na Líbia

Fernanda Godoy

Indefinições sobre os limites da intervenção militar na Líbia e sobre quem assumirá o comando da operação se e quando os Estados Unidos se retirarem para segundo plano, como é o desejo do presidente Barack Obama, marcaram um dia tenso nas Nações Unidas e na Otan, mostrando que as divergências entre os países aliados podem comprometer a operação. O Conselho de Segurança da ONU se reuniu ontem, mas a discussão sobre a Líbia, pedida em carta do chanceler líbio, Moussa Koussa, foi adiada. França, Reino Unido e EUA, que lideram a coalizão, ganharam tempo para seguir com o bombardeio pelo menos até quinta-feira, quando o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, levará ao conselho uma avaliação da situação. A indefinição já ameaça comprometer a participação de alguns países, como Itália e Noruega.

A crise líbia tem acompanhado o presidente Obama em sua viagem à América do Sul. Na capital chilena, ele afirmou ontem que será uma questão "de dias e não de semanas" a transferência da liderança da operação militar dos Estados Unidos para um outro país. Obama afirmou ainda que seu governo é favorável à saída de Muamar Kadafi do poder, mas que a coalizão internacional tem um papel limitado, que é estabelecer uma área de exclusão aérea e proteger civis.

– Obviamente, a situação está se desenvolvendo em campo, e a rapidez com que essa transferência ocorrerá será determinada pela recomendação de nossos comandantes militares de que a primeira fase da missão foi completada – disse Obama, em Santiago.

Para franceses, ainda falta integração
A transferência, no entanto, pode não ser tão simples. A questão está dividindo a comunidade internacional, seja na Organização do Tratado do Atlântico Norte ou na União Europeia, levando a dúvidas sobre o sucesso da operação. Os países-membros da Otan, por exemplo, não conseguiram ontem chegar a um acordo se a organização deveria assumir o comando da missão no lugar dos EUA. A Turquia se opõe à intervenção na Líbia, enquanto os países árabes são contrários à liderança da Otan na missão. Até ontem, o secretário-geral da ONU só havia recebido a confirmação de um país árabe, o Qatar, de seu desejo de participar da operação.
Segundo o chanceler francês, Alain Juppé, a organização poderia ter uma atuação "no planejamento e desenvolvimento" da operação. No entanto, mesmo isso requer o apoio de seus 28 membros, algo para o qual a Turquia deve impor uma série de condições.

– Como uma coalizão, temos que encontrar uma solução que atenda às exigências da Liga Árabe, que são estabelecer que a Otan não tome decisões políticas sobre a Líbia – disse Juppé.
Os próprios franceses admitiram que a cooperação dentro coalizão ainda "não está integrada". O porta-voz do Ministério da Defesa francês, o general Philippe Pontiès, afirmou que esse é um assunto "extremamente complexo".

Aviões da Noruega à espera de definição
Há muitos pontos ainda nebulosos na aplicação da resolução da ONU que autorizou uma zona de exclusão aérea e reforçou o embargo de armas, na quinta-feira passada. As delegações dos EUA e do Reino Unido levantaram a possibilidade de que sejam abertas exceções no embargo de venda de armas, permitindo a entrega de armamento aos rebeldes. A questão é polêmica, e deverá ser analisada pelo comitê encarregado do cumprimento das sanções. Para o embaixador da Índia, Hardeep Singh Puri, a reunião de quinta-feira servirá para dissipar dúvidas e fazer avançar a proposta de cessar-fogo.

– É preciso ter dois para dançar tango. Um lado põe a culpa do fracasso do cessar-fogo no outro, e o conselho tem que assumir suas responsabilidades. É isso que faremos na quinta-feira – disse o embaixador da Índia, que, como o Brasil, se absteve na votação da resolução do embargo aéreo.

Na Otan, a Itália ameaçou rever a participação de suas sete bases militares na ofensiva a menos que a organização consiga chegar a um acordo sobre a estrutura de coordenação. Uma fonte no Ministério do Exterior italiano chegou a chamar de "anárquica" a estrutura tripla de comando, liderado pelos EUA em estreita coordenação com Reino Unido e França. Para Roma, a coordenação deve ficar com a Otan. Já a Noruega, que enviou seis caças F-16 para a operação, disse que não entrará em ação até que sua missão seja bem definida.

As divisões vão além. Rússia e China, que se abstiveram de votar a resolução sobre a zona de exclusão aérea na quinta-feira, demonstraram ceticismo. Enquanto jornais oficiais chineses afirmavam que os bombardeios violam as regras internacionais, o premier Vladimir Putin comparou a campanha aérea a uma "cruzada medieval". Na União Europeia, a Alemanha reforçou sua posição de não participar da ofensiva militar, dizendo que as críticas árabes demonstram que sua opção era a correta.

Os membros do bloco, no entanto, concordaram em expandir as sanções à Líbia, adicionando 11 pessoas e nove entidades a uma lista de restrições – a mesma onde já figuram os nomes de Kadafi e 25 aliados, além de instituições do país.

Já a Liga Árabe, que no fim de semana criticara os bombardeios, voltou atrás e disse respeitar a resolução da ONU, destacando que o texto indica que "não haverá invasão" e que se destina à proteção de civis. Mesmo esse apoio do mundo árabe tem gradações. Aviões do Qatar se juntaram à operação, enquanto os Emirados Árabes Unidos esclareceram que só participarão na distribuição de ajuda humanitária.

Com agências internacionais

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