EUA – Armas e democracia

KRISTEN CHICK

Uma decisão do governo Barack Obama de retomar um grande acordo de venda de armas ao Bahrein enfureceu ativistas no minúsculo reino no Golfo Pérsico que veem o pacto como um sinal de que os EUA apoiam a repressão do Bahrein aos protestos da oposição.

Em um novo golpe contra a oposição, líderes árabes do Golfo estavam reunidos na Arábia Saudita para discutir uma maior integração de seu Conselho de Cooperação do Golfo (GCC na sigla em inglês), uma medida que poderá solidificar a cooperação em segurança entre Bahrein e Arábia Saudita. No ano passado, a Arábia Saudita enviou 1.500 soldados ao Bahrein para ajudar a conter o levante que teve início em fevereiro de 2011. Os EUA congelaram o acordo de US$ 53 milhões para vender equipamentos militares ao Bahrein em setembro, meses após as forças de segurança bareinitas terem suprimido violentamente os protestos por reformas numa repressão que deixou mais de 50 mortos.

A medida de retomar a venda – com exceção de alguns equipamentos que poderiam ser usados contra manifestantes – é vista pela oposição como o fim de toda a pressão americana por reformas.

"É uma mensagem direta (dos EUA) de que eles apoiam as autoridades e não a democracia no Bahrein, nem os manifestantes", diz Mohammed al-Maskati, um defensor dos direitos humanos do Bahrein. Sobre a venda de armas, ele disse que ativistas da oposição convocaram uma semana de protestos contra os EUA após o anúncio, no dia 11.

O Bahrein, uma minúscula ilha no Golfo Pérsico ligada por um canal à Arábia Saudita, abriga a 5.ª Frota da Marinha dos EUA, considerada um baluarte vital contra o Irã. A reação americana à repressão no Bahrein tem sido mínima em comparação com a verificada em outros levantes regionais.

Quando os americanos bloquearam o acordo de armas, no ano passado, funcionários do Departamento de Estado prometeram monitorar a resposta do país à Comissão de Inquérito Independente do Bahrein (Bici, na sigla em inglês), que investigava a repressão, para depois decidir se retomariam o acordo. A Bici encontrou evidências de violações sistemáticas cometidas pelas forças de segurança, incluindo tortura de prisioneiros, e pediu a punição dos que fossem considerados responsáveis.

Os funcionários americanos disseram que a decisão de retomar a venda de armas foi tomada à luz dos interesses da segurança nacional americanos. Segundo a transcrição de uma conferência telefônica com jornalistas, uma autoridade não identificada do governo disse, numa referência ao Irã, que a venda "ajudaria o Bahrein a manter sua capacidade de defesa externa". A autoridade disse também: "Tomamos essa decisão cientes do fato de que persistem algumas questões sérias de direitos humanos não resolvidas no Bahrein que esperamos que o governo enfrente".

Detenções. A retomada ocorreu apesar de o Bahrein ter feito pouco para enfrentar de modo adequado as questões mencionadas no relatório, dizem ativistas de direitos humanos. As forças de segurança continuaram a fazer disparos de chumbinho para reprimir protestos e manifestantes feridos temem ir aos hospitais e serem presos.

Mais recentemente, as autoridades detiveram o conhecido ativista de direitos humanos Nabeel Rajab, acusando-o de participar de manifestações ilegais, convocar protestos pelo Twitter e "insultar" o Ministério do Interior. A prisão de Rajab, há pouco mais de uma semana, ocorreu depois da prisão de Zainad al-Khawaja, outra conhecida ativista, por protestar contra a detenção de seu pai. Este, o ativista Abdulhadi al- Khawaj, está em greve de fome para protestar contra o abuso de sua detenção e sua pena de prisão perpétua ditada no ano passado.

Ele e outros 20 ativistas foram sentenciados, 8 deles à prisão perpétua, por participar dos protestos pacíficos pelas reformas. O julgamento, feito em um tribunal militar, negou aos acusados direitos básicos de um processo justo, segundo organizações internacionais de defesa dos direitos. Embora esse grupo de prisioneiros tenha conseguido o direito a um segundo julgamento, ele permaneceu preso. Uma porta-voz da Autoridade de Assuntos da Informação do Bahrein disse que houve grande progresso na aplicação das recomendações da Bici, entre as quais a de reintegrar funcionários públicos e alunos que foram dispensados por engano, a de promover uma "grande reforma no sistema jurídico" e a de nomear autoridades da Agência de Segurança Nacional e do Ministério do Interior para investigar queixas contra as agências.

Uma "unidade de investigação especial" também foi criada para "avaliar a responsabilidade de pessoal de alto escalão em violações de direitos humanos e alegações de tortura", disse a porta-voz. Segundo ela, Rajab não foi preso por suas posições políticas, mas por ter incitado à violência contra a polícia com suas declarações no Twitter e num discurso público. Seus apelos por protestos não autorizados pelo governo foram "prejudiciais à segurança pública".

Mas Said Yousif al-Muhafda, um ativista do Centro de Direitos Humanos do Bahrein, diz que centenas de outros condenados por tribunais militares por expressar opiniões continuam presos. Entre muitos milhares de empregados ilegalmente demitidos de seus empregos por apoio ou participação nos protestos, mil não voltaram a seus empregos, diz ele. Ao menos 35 mesquitas xiitas destruídas pelo governo durante o primeiro levante ainda não foram reconstruídas, e os protestos continuam sendo dispersados com violência. Muhafda diz que 39 pessoas morreram desde que a Bici iniciou seu trabalho, a maioria por inalação de gás lacrimogêneo. Ele lista o total de mortes desde fevereiro de 2011 em 86.

"A tortura parou de ser utilizada na maioria das prisões, mas continua nas detenções secretas", diz ele. "As mesmas pessoas que são responsáveis pela tortura ainda estão em seus cargos. Todas as pessoas que estiveram envolvidas em violações e foram responsáveis por elas ainda estão em seus cargos."

Príncipe. A retomada das vendas de armas americanas para o Bahrein ocorreu após o príncipe coroado do reino, Salman bin Hadad al-Khalifa, concluir uma visita de uma semana aos Estados Unidos, onde se encontrou com a secretária de Estado americana, Hillary Clinton. Desde o levante, o príncipe, que tem estado aberto ao diálogo e a reformas limitadas, foi marginalizado por membros de linha dura da família real, entre os quais o primeiro-ministro e o ministro da Defesa.

Alguns viram o acordo sobre armas como uma tentativa americana de melhorar a posição do príncipe dentro da família real e aumentar a possibilidade de uma solução política. Mas essa estratégia falhou quando os EUA a tentaram no ano passado, e ainda está falhando agora, diz Justin Gengler, analista do Bahrein com base em Doha que escreve o blog Religion and Politics in Bahrain. "Ao usar a venda de armas numa tentativa de reforçar a posição do príncipe, na verdade, eles estão reforçando a posição contrária à do príncipe – a do premiê e do ministro da Defesa, que veem o levante como um problema de segurança e não político", diz ele.

A medida também poderia ser simplesmente uma tentativa dos EUA de serem vistos fazendo alguma coisa para resolver a crise, apesar de o governo americano reconhecer que a ela provavelmente não ajudará o príncipe coroado a se contrapor aos membros da linha dura, afirma Gengler.


/ TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

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