ENERGIA – Conjuntura – Ildo Sauer

Publicado no Monitor Mercantil 18 Janeiro 2013

Rogério Lessa

A Agência Internacional de Energia (AIE) divulgou, nesta sexta-feira, que o a menor adição de álcool à gasolina e, principalmente, o aumento da produção de energia através das termelétricas, levaram o Brasil, em 2012, a consumir 9,3% mais petróleo e derivados do que no ano anterior. Com isso, o país atingiu a média de 3,193 milhões de barris por dia em outubro.

Essa alta da demanda fez o país superar a Arábia Saudita, que consumiu média de 3,116 milhões de barris no mesmo mês, e ocupar o sexto lugar no ranking da AIE, atrás apenas de Estados Unidos, China, Japão, Índia e Rússia.

De acordo com o relatório, somente o consumo brasileiro de diesel (usado para colocar boa parte das térmicas em funcionamento, junto com carvão e gás) aumentou, na média, em 75 mil barris por dia.

Para 2013, a AIE projeta que o consumo total de petróleo no Brasil deve crescer 2,7%, levando o consumo médio a 3,089 milhões de barris por dia, com média de 80 mil barris diários.

"O Brasil pode se tornar auto-suficiente em energia se optar pela geração exclusivamente a partir de usinas hidreléticas e eólicas, mas importa diesel e gás natural liquefeito (GNL), que é caríssimo, para abastecer as termelétricas, onerando a população com recursos que poderiam ser aplicados em saúde e educação", critica o engenheiro Ildo Sauer, doutor pelo MIT, professor titular e atual diretor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP.

Nesta entrevista exclusiva, Sauer, que participou da elaboração do plano de governo de Lula na primeira eleição do petista, revela que alertou a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, já no primeiro mandato do presidente eleito, para os erros do modelo privatista implantado por Fernando Henrique Cardoso. De acordo com Sauer, apesar do racionamento tucano, o modelo foi mantido por Dilma: "O trabalho feito na campanha foi inteiramente jogado no lixo", reclama o engenheiro da USP.

Considerando a participação das termelétricas, mais caras e poluentes que as hidrelétricas, o presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Energégica (EPE), Maurício Tolmasquim, afirmou que a demanda por energia no país está "estruturalmente atendida". A informação é correta?

Não se pode garantir que a demanda será atendida, embora seja pouco provável o racionamento. Se os reservatórios chegarem ao fim do período chuvoso em nível insatisfatório, como ocorreu em 2001, teremos problemas. Ninguém pode afirmar que vai ou não chover. Por isso é tão imprevisível dizer que vai haver racionamento, tanto quanto afirmar que não vai ocorrer. Seria um blefe. A chance de não haver racionamento é maior, mas isso não apaga o fato de que há deterioração da qualidade da geração, com mais risco.

As térmicas, cuja construção tinha o objetivo de gerar energia para momentos de emergência, passaram de "reservas" para "titulares" no time da geração de energia no país?

O governo compra a expansão via térmicas, como se elas fossem operar pouco, mas por incompetência no planejamento, o país acaba gastando com diesel e GNL recursos que poderiam ir para a saúde e a educação. Pagamos caro para substituir o vento e a água.

O país poderia ser auto-suficiente apenas com eólicas e hidrelétricas?

Sim.

Os erros do modelo adotado pelo Brasil para o setor elétrico não são herança do período de Fernando Henrique Cardoso?

Começaram com FH, mas em vez de mudar, o (novo) governo fez apenas ajustes de contratações direcionadas a certos grupos. O restante do modelo foi mantido intacto.

E tais ajustes foram feitos através de medidas negociadas com bastante benevolência com as empresas. Assim, apesar dos ajustes, com relação ao risco de apagões continuamos nas mãos de Deus, como no tempo do racionamento. Apesar da pequena chance, se não chover em algumas regiões de Minas e Paraná teremos problemas.

Desde a privatização no setor, as tarifas de energia já subiram 120% acima da inflação, levando o Brasil a praticar uma das tarifas de energia mais caras do mundo. Por que isto ocorre?

Por erro de modelo, que tem levado o governo a usar a renda das hidrelétricas para compensar as tarifas caras que são contratadas. Assim, vendemos a energia das hidrelétricas já amortizadas a R$ 10 o kw/hora e compramos de outras fontes pagando R$ 200.

E (as empresas privadas) ainda querem usar os créditos que possuem com a Eletrobras e outros para compensar o rombo causado pela Medida Provisória 579 (que determina a redução em 20% das tarifas de energia elétrica praticadas no país). É muito dinheiro para corrigir erros de planejamento e de um modelo equivocado.

Por que simplesmente o governo não muda o modelo?

Por causa de um populismo barato que agrada a grandes consumidores, residenciais e industriais. Em 2005 escrevi uma carta para o então ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, denunciando o problema e cobrando a adoção do plano elaborado na campanha de Lula, mas este foi abandonado e Dilma proibiu o ex-ministro de corrigir o modelo.

O mercado livre de energia tem cumprido sua missão de oferecer energia barata e atender à demanda?

Não. E como agravante coloca em risco a estabilidade da oferta de energia no país. O setor elétrico, com o chamado mercado livre, está a mercê de especuladores. Agora, com a MP 579, o governo de Dilma vai queimar mais patrimônio público.

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