Chile busca ampliar presença na Antártica

Janie Hulse

O Chile segue um plano multibilionário para aumentar sua presença na Antártica. O Plano Antártica, como é conhecido, tem por objetivo aperfeiçoar a capacidade nas áreas de ciência, turismo e defesa do país sul-americano no continente gelado.

Em janeiro, o presidente Sebastian Piñera revelou seu programa que busca renovar e construir bases; investimentos que garantem ao Chile a posição de portal da Antártica; a consolidação das 67 entidades existentes no país relacionadas à Antártica em uma única instituição e o desenvolvimento do turismo na região Antártica-Magalhães.

Embora a mídia local tenha-se referido a esse plano de quatro pilares como novo, isso não significa necessariamente uma mudança de política.

“Faz tempo que o Chile tem interesse em estabelecer presença na Antártica, há cerca de 50 anos. Agora, o país precisa modernizar as bases existentes”, diz o doutor Jaime García, um brigadeiro da reserva do Exército chileno que possui doutorado em ciência política. García explicou que esses aprimoramentos são apenas uma questão natural num momento em que o Chile reivindica a região da Antártica como parte de seu território, a chamada XII Região de Magalhães e Antártica chilena – cuja capital é Punta Arenas.

O coronel Arturo Contreras, professor na Universidad de Chile, em Santiago, também se referiu ao legado antártico de seu país desde o final do século XVI, ressaltando que “no aclamado poema La Araucana, Alonso de Ercilla y Zúñiga descreveu o Chile e a Antártica como um pertencendo ao outro”.

O Chile possui quatro bases permanentes que funcionam o ano todo e outras oito que operam apenas durante o verão, quando o clima é um pouco mais complacente, com máximas de 1,11°C. Uma delas, a Base Presidente Eduardo Frei, é dirigida pela Força Aérea chilena e, inclusive, abriga uma pequena vila chamada Villa Las Estrellas, com uma população de mais de 80 militares, cientistas e professores. Além da base argentina Fortín Sargento Cabral, é a única colônia fixa na Antártica.

Em fevereiro passado, a maior base do Brasil na Antártica, Comandante Ferraz – localizada na Baía do Almirantado, na Ilha do Rei George – foi destruída por um incêndio que matou dois oficiais da Marinha e destruiu milhões de dólares em pesquisas sobre o efeito das mudanças climáticas e seu impacto no planeta.
 

De acordo com uma lei internacional, a Antártica não pertence a nenhum país, embora partes do continente sejam reivindicadas pela Argentina, Austrália, Chile, França, Nova Zelândia, Noruega e Reino Unido. Um tratado internacional de 1959 separa a Antártica como uma área de preservação científica e veda atividades militares no continente. Atualmente, 49 países, incluindo o Chile, assinaram o Tratado da Antártica, cujos principais objetivos são garantir o uso pacífico da região e seus mares circundantes, enquanto abriga pesquisas científicas e previne futuras disputas territoriais.

O problema, explica Contreras, é que a aplicação desse conceito gera confusão e conflito. Os países têm uma longa tradição de disputa sobre a Antártica. Por exemplo, o Chile reivindica soberania sobre todas as terras entre as longitudes 53º e 90º oeste, a Argentina entre as 25º e 74º oeste, e o Reino Unido entre as 20º e 80º oeste – o que significa que essas respectivas reivindicações se sobrepõem.

“A Antártica continuará a ser uma terra de ninguém no curto prazo, administrada internacionalmente, mas, eventualmente, o aquecimento global forçará uma mudança no médio prazo, quando o verdadeiro potencial do continente se tornar mais evidente e o poder geoestratégico aumentar”, diz o coronel.

De fato, os planos de aprimoramento do Chile para a Antártica surgem apenas alguns anos após relatórios revelarem a presença de minérios valiosos como minério de ferro, cobre, ouro, níquel, platina e carvão. O continente pode também conter reservas de petróleo – mas o desafio é alcançar toda essa riqueza mineral sob uma grossa camada de quase 3,22 km de espessura de gelo.

Alguns especialistas argumentam que a distância para mercados-chave, condições climáticas proibitivas e quantidades limitadas identificadas tornam esses recursos comercialmente inviáveis. Ademais, uma emenda ao Tratado da Antártica assinada em 1991 proíbe a extração mineral, exceto para fins científicos.

O tratado por si só também proíbe atividades militares na Antártica. Entretanto, os militares e seus equipamentos podem ser usados em pesquisas científicas e em outros fins pacíficos.

“Não se pode confundir a presença militar com bases armadas ou posturas defensivas. Os militares chilenos sempre foram responsáveis pela construção e manutenção das bases”, diz Contreras, assinalando que a Antártica contém 80% das reservas de água potável do mundo, em um momento em que a escassez de água e energia tem-se tornado uma das principais preocupações globais.

A Antártica está estrategicamente localizada entre África do Sul, Austrália e América do Sul, e é rodeada pelos três maiores oceanos do mundo: o Pacífico, o Índico e o Atlântico. Isso a torna atraente como base de operações caso surja um grande conflito. No Hemisfério Ocidental, estende-se até perto da Passagem de Drake, uma rota alternativa entre os oceanos Pacífico e Atlântico. Embora essas águas turbulentas sejam de difícil navegação, são, porém, a única alternativa ao Canal do Panamá nas Américas.

Chile, Argentina, Brasil e Peru são os únicos países sul-americanos que demonstraram interesse na Antártica. Mesmo assim, como Contreras ressalta, somente o Chile e a Argentina possuem reivindicações territoriais e uma voz no sistema do Tratado da Antártica.

“A Antártica é uma oportunidade para aumentar a cooperação Chile-Argentina”, pontua, “como também de cooperações sul-americanas mais amplas lideradas por esses dois países-ponte.”

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