Cel Fernando Montenegro – Como Surgiu a Canção dos Comandos Brasileiros

COMO SURGIU A CANÇÃO DOS COMANDOS BRASILEIROS?

 

Coronel Fernando Montenegro

Comandos Nr 404

Os COMANDOS do Exército Brasileiro são a mais antiga tropa a usar o símbolo da “FACA NA CAVEIRA”, criado em 1966, durante o 1º Curso de Comandos; posteriormente, essa simbologia inspirou a criação dos símbolos dos Comandos Anfíbios dos Fuzileiros Navais, do Batalhão de Operações Policiais Especiais da Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro, dos Comandos e Operações Especiais da Polícia Militar do estado de São Paulo e dezenas de outras tropas. Outro dia eu explico como foi desenhado o primeiro símbolo.

Quem vai atualmente à sede do Comando de Operações Especiais do Exército Brasileiro em Goiânia e assiste a uma formatura fica emocionado ao ouvir a Canção dos Comandos. Desde o final da década de 1980, quando o 1º Batalhão de Forças Especiais (1ºBFEsp) ainda era no Camboatá, nós começamos a cantá-la por ocasião do rompimento de marcha ao iniciar o desfile da tropa.

A letra é belíssima e a melodia extremamente empolgante, essa percepção é unânime e a letra é entoada por diversos segmentos até mesmo fora do Exército de Caxias, como por exemplo cadetes da Academia da Força Aérea Brasileira, cursos de operações policiais policiais especiais, dentre outros. Muita gente desconhece a origem, inspiração e até mesmo o autor. Dessa forma, eu gostaria de compartilhar esse registro com os senhores porque o autor é uma pessoa extremamente profissional, simples e humilde e incapaz de se autopromover. 

 

O autor Cel Fernnado Montenegro e o Capitão Forças Especiais Benedito Ferraz de Oliveira

Considero-me um privilegiado em poder ter sido aluno do então antigão 1º Sgt Forças Especiais Benedito Ferraz de Oliveira desde o início da minha trajetória nas Operações Especiais do Exército Brasileiro. Atualmente, capitão da reserva remunerada após relevantes serviços prestados ao Brasil em condições que muita gente nem imagina.

Meu amigo Ferraz tem alguns dons raros e preciosos. Além de ser um excelente desenhista, possui uma invulgar habilidade na elaboração de melodias e letras de músicas civis e militares. Já ganhou alguns concursos de elaboração de letras e músicas no Exército e instituições civis, como o Hino Municipal de Juquitiba-SP.

No Exército, ele tem:

 

–  plena autoria da Canção dos Comandos (letra e música),

– a canção dos Operadores de Forças Especiais ele é autor da música que acompanha a letra do Coronel FE Hélcio e

– a canção do 1ºBFEsp, também com letra do Cel FE Hélcio e música do Ferraz.

– Ele também venceu um concurso para canção do COpEsp, mas que não chegou a ser adotada.

O fio melódico é o mesmo para as duas canções de Forças Especiais, mas foi necessário realizar uma alteração na letra porque o Centro de Documentação do Exército na época considerou muito “violenta” para época em que vivemos.

A canção dos Comandos atual, começou a ser rascunhada sem essa pretensão em 1975; na realidade, durante o Curso de Formação de Sargentos (CFS) do Ferraz no 4° BIB, na cidade de Quitaúna. Ela foi composta para ser cantada nos deslocamentos dos alunos do CFS.

Dizia assim: (mesma melodia da atual Canção dos Comandos)

 

“Sargentos nós queremos ser

Lutamos sempre sem temer

Chuva e sol não nos ameaça

Seguimos pela raça

Sem nunca esmorecer

 

Nós não temos lamaçal

Vencer é o nosso ideal

O verde que é o berço do infante

Convida a ir avante levantando o moral

 

O sol é nosso abrigo

O solo nosso colchão

O suor que ora derramamos

Dar-nos-há o almejado brasão”

 

Ferraz fez o Curso Básico Paraquedista como 3º Sargento em 1979, quando ele era monitor do Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva do então 28º Batalhão de Infantaria Blindado (28° BIB- atual 28º Batalhão de Infantaria leve em campinas-SP), onde serviu por seis anos. Em janeiro de 1982, foi transferido para o 27° Batalhão de Infantaria Paraquedista (27ºBIPqdt), no Rio de Janeiro, onde recebeu uma menção honrosa no Estágio de Patrulhas da Brigada de Infantaria Paraquedista conduzido pelo então Destacamento de Forças Especiais.

Empolgado com o resultado, Ferraz se apresentou como voluntário no Curso de Ações de Comandos (CAC) no dia 07 de março do ano seguinte, levando suas folhas de alterações; que ele acha que devem ter sido lidas pelos instrutores, então Cap Verrastro (in memorian) e Cap Cid (in memorian), que descobriram seu pendor musical. Na semana de Operações Aquáticas no Imbuí, no 83/1 CAC, disseram assim lá pelas tantas da madruga: “Esse turno só sai da água depois que criar uma canção decente.”

Ferraz relata: “Nós só cantávamos canções típicas de paraquedistas, mas o curso ainda tinha quatro pé-pretos*!” (*Pé Preto é uma gíria militar, significa militar não paraquedista)

O desespero do frio da madrugada foi “inspirador” para criar adaptar rapidamente a canção antiga do CFS e fazer um “protótipo” da atual Canção dos Comandos; Ferraz trocou o “Sargentos nós queremos ser” por “COMANDOS nós queremos ser”…o resto manteve igual. A letra e melodia caiu nas graças dos instrutores e dois dias depois ele já não precisava mais “puxar” a música nos deslocamentos, todos cantavam de cor.

Ferraz foi promovido a 2º Sargento no dia 1º de junho, durante o Curso de Ações de Comandos, que concluiu como” Zero Um” no dia 03 de junho e “engrenou” direto no Curso de Forças Especiais (CFEsp). Os alunos que também eram paraquedistas foram brevetados “Comandos” na sexta feira e a aula inaugural do CFEsp ocorreu logo na segunda feira seguinte, dia 06 de junho de 1983, com término em novembro de 1983, quando o então Sgt Ferraz e retornou à sua unidade de origem, o 27ºBIPqdt.

Na sequência, ele passou à disposição do Centro de Instrução Paraquedista General Penha Brasil (CIPqdt GPB) na Seção de Operações Especiais por dois anos, quando ocorreu o arremate final da obra prima musical. Nesse período, certa vez o então Cap FE Cid (in memorian) o abordou e perguntou se aquela canção era realmente de sua autoria. Ele disse que sim.

 

“- Então pica-fumo, você tem quinze dias para apresentar uma canção mais decente! Desde 57 nós existimos e esse arremedo de canção foi o que mais se aproximou de nossa realidade.”

” – Capitão, o senhor acha que eu sou igual o Gilberto Gil que fuma um ________e já saí escrevendo? Preciso de inspiração para encontrar o momento certo.”

– “Se vira negão, se vira!”

O resultado foi o que ouvimos e cantamos até hoje. Prefiro contar assim do que fazer registros politicamente corretos, a linguagem entre operadores de tropas especiais é franca e direta, por isso funciona bem.  Na verdade, a canção elaborada durante o Curso de Ações de Comandos foi o que costumamos chamar de “aproveitamento do êxito”, no meio do desespero dos alunos de sair logo da água gelada de madrugada, um compreensível imbróglio que acabou vingando.

A versão oficial que cantamos desde 1984 é uma criação inédita. Guarda relação integral com a anterior escrita no CFS apenas na melodia. No refrão passou de “sol” para “céu” porque os Comandos não atuam só sob a luz do sol. Céu é mais abrangente. Quantas noites tivemos apenas o céu como nosso abrigo dormindo sob a luz das estrelas? Por isso a menção para elas também.

Quando Ferraz gravou a história da criação da canção dos Comandos o Museu das Operações Especiais em Goiânia registrou o seguinte:

“Tem um trecho na letra que diz – … sua estrela há de brilhar…- Isso se refere a uma missão do 83/1 CAC. Estávamos na Represa do Funil e precisávamos atingir um objetivo a 6 ou 7 quilômetros. Eu era o homem-carta na primeira embarcação e a noite estava um breu de escura. Percebi que, do ponto de partida seguindo pelo meio do leito da represa, seguindo a estrela que, na nossa bandeira simboliza o estado do Pará, -isolada acima da faixa Ordem e Progresso– que naquela noite parecia estar lá para me ajudar, eu seguiria até a área do objetivo. Depois era só fazer o ajuste fino para encontrá-lo.

Não tive dúvidas. O instrutor no barco chamou a atenção várias vezes do comandante dizendo que estávamos perdidos. O Cap Moura Alves olhava para mim e eu absolutamente calmo para um Aluno do CAC, raridade, prosseguia. Quando chegamos quase em cima do ponto previsto recebi um  – Muito bom Comandos! – Acho que minha caveira começou a se desenhar aí. Acho que fui brindado com a memória dos que tombaram, para fazer essa criação.”

Tive o privilégio de também poder ter convivido com o então Cap Cid (in memoriam), ele era o Oficial de Operações quando cheguei como 2º Tenente no Camboatá em 1989 e fico feliz em saber que ele fez parte desse processo, da mesma forma, o então Cap Verrastro (in memoriam)  também foi meu instrutor na Seção de Instrução Especial da Academia Militar das Agulhas Negras quando eu era cadete, duas referências profissionais entre os operadores de Forças Especiais.

Encerro minhas palavras com o slogan criado pelo meu amigo e colega de turma Gustavo Henrique Dutra de Menezes, antigo comandante do 1º Batalhão de Ações de Comandos.

“COMANDOS! Tudo por um ideal!”

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