ANÁLISE COMDEFESA – Integração SUL-AMERICANA em Defesa: Perspectivas e Desafios

ANÁLISE COMDEFESA
 
INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA EM DEFESA:
PERSPECTIVAS E DESAFIOS

 
A estabilidade política, as perspectivas de desenolvimento econômico e a intensificação das relações comerciais fazem da América do Sul uma região com grande potencial para integração. Em matéria de defesa, há interesses comuns: contamos com 25% das terras cultiváveis para agricultura, uma proporção similar de reservas de água potável e 40% da biodiversidade mundial. No campo da segurança pública, temos visto o crime organizado romper fronteiras e disseminar violência e insegurança. A cooperação é uma alternativa para desenvolver os sistemas de defesa e segurança de que necessita a região, além de fortalecer a base industrial, garantindo assim autonomia, independência tecnológica e poder de dissuasão aos países sul-americanos. A América do Sul é uma região pacífica, mas não pode ser indefesa.
 
A maior autonomia das potências regionais no Pós-guerra Fria permitiu maior cooperação regional em defesa (1) . Na América do Sul, contribuiu para esse processo o estabelecimento de governos democráticos, a distensão das relações estatais, a superação das rivalidades no cone sul, com a resolução das principais questões fronteiriças, e surgimento do Mercosuli.

Atualmente, a integração regional em defesa tem na UNASUL e no Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), importante fórum de concertação e intercâmbio em matéria de defesa, seus principais pilares (2) . O objetivo principal é consolidar a América do Sul como uma zona de paz, construir uma identidade  sul-americana em defesa (o que deverá ser amparado pelo recém-criado Centro de Estudos Estratégicos em Defesa – CEED) e fortalecer a cooperação regional.
 
A institucionalidade criada, além de ampliar as interações já existentes entre as Forças Armadas dos países da região, permitirá que a cooperação em matéria de defesa se configure como uma política de estado(3). Neste contexto, advirão benefícios  políticos, econômicos, estratégicos e, sobretudo, para o desenvolvimento industrial e tecnológico regional.
 
Espera-se que o estabelecimento de uma comunidade de segurança evite uma escalada nos gastos militares na região, permita a superação de diferenças e aumente a confiança mútua entre estados. Ações como a formação e capacitação militar, o treinamento entre Forças Armadas e o compartilhamento de experiências e apoio das ações humanitárias em nível das Nações Unidas elevam as FFAA dos países, possibilitando uma maior projeção externa da região. Além disso, a criação de padrões comuns de engajamento e organização das Forças Armadas fomenta a indústria de defesa e aumenta a capacidade de dissuasão contra ameaças externas e reforça a proteção territorial.
 
Na última reunião do Conselho de Defesa da UNASUL (11/11/2011), destacou-se no cronograma de atividades para 2012 (Plano de Ação 2012) o comprometimento deste com a indústria regional de defesa e com o desenvolvimento de tecnologias próprias para a região (4).
 
O Plano de Ação 2012, entre outros pontos, prevê a criação da Agência Espacial Sul-Americana, a formação e capacitação de civis para a defesa por meio do CEED e a definição de dois grupos de trabalho, que devem realizar estudos quanto à possibilidade de se projetar, desenvolver e produzir em conjunto um avião de treinamento básico e um veículo aéreo não tripulado (VANT), recentemente usado nas operações de vigilância de fronteira Ágata I e II.

Fronteiras e crime transnacional

O crime transnacional, e a violência deste oriunda, está afetando todos os países sulamericanos.

Suas redes estão cada vez mais conectadas, usam tecnologias de ponta e, emmuitos casos, estão superando a capacidade operativa das autoridades estatais.

Recentemente, saiu na mídia que há indícios de presença de cartéis mexicanos de narcotráfico empaíses da Amazônia e que a plantação de coca poderá em breve chegar à Amazônia brasileira.

Além disso, verificamos o aumento da produção de cocaína na Bolívia e a criação do maior centro de contrabando da América do Sul na região da tríplice fronteira.

Frente a esses problemas, foi lançado em junho de 2010 pela presidente Dilma Rousseff o Plano Estratégico de Fronteiras para combater o tráfico de drogas e de pessoas, o contrabando de armas e outras atividades ilegais que beneficiavam-se do deficiente controle da regiãofronteiriça.

Nos seis meses de atuação do Plano Estratégico de Fronteiras, foi apreendida quantidade de drogas 15 vezes maior do apreendido entre janeiro e maio de 2010. A política de proteção das áreas fronteiriças deve se tornar mais efetiva com a implementação de projetos como o SISFRON, que pretende aumentar a capacidade de monitoramento e vigilância das fronteiras.

Além dos avanços protagonizados pelo governo brasileiro, nota-se também a intensificação da coordenação e cooperação interestatal quanto a políticas de fronteira.

Somente com uma ação concertada a nível regional conseguiremos solucionar a questão do crime transnacional, aumentando a eficiência dos recursos destinados pelos países.

 

O aumento da cooperação sul-americana em defesa gera boas perspectivas para o desenvolvimento da indústria brasileira. Apesar de pequeno em comparação com os mercados norte-americano, europeu e asiático, o mercado de defesa na América do Sul se apresenta como uma opção para a expansão das exportações brasileiras de produtos de defesa. No período 2000-2010, os países da região absorveram 56% das exportações brasileiras de equipamentos militares, contra 25% no período 1980-1989 e 11% no período 1990-1999 5.
 
Empresas como Avibrás, Atech, Mectron,  , Helibrás, Embraer, e outras, desenvolvem sistemas e produtos que não possuem concorrentes similares na América Latina e são altamente competitivos em outros continentes. Projetos de grande vulto como o PROSUB, SISFRON, SisGAAz, inseridos no contexto do reaparelhamento e modernização das Forças Armadas brasileiras, possibilitarão um salto tecnológico para a indústria nacional de defesa com reais possibilidades de expansão da demanda.
 
A experiência brasileira adquirida com os projetos SIVAM/SIPAM, o projeto SISFRON e o Plano Estratégico de Fronteiras já têm chamado atenção de países sul-americanos preocupados com a vigilância do território, especialmente com a questão do crime transnacional.
 
O Chile, por exemplo, pretende montar um Plano de Fronteiras para seu país inspirado no Plano Estratégico de Fronteiras. A Bolívia já divulgou interesse na instalação de radares de vigilância na fronteira na luta contra o tráfico de drogas. Com a Colômbia, pretende-se criar um plano bilateral de fronteiras para combater o crime organizado. E o Peru recebeu assistência técnica brasileira para a montagem de um centro de coleta de informações em tempo real via satélites para facilitar a vigilância da fronteira comum.
 
As parcerias existentes, públicas ou privadas, são os embriões para uma futura integração das cadeias industriais. O programa de desenvolvimento do KC-390, da Embraer, por exemplo, envolve indústrias da Argentina, Colômbia e Chile, que, em contrapartida, encomendaram 6 (FAdeA), 12 (Colombian Aeronautics Industry Corp. ) e 6 (Enaer) aeronaves respectivamente. Outro exemplo se refere ao contrato de modernização de 14 aeronaves EMB-312 Tucano da Força Aérea colombiana (FAC). O contrato resultou das obrigações de offset contraídas pela Embraer em função da venda de 25 aeronaves EMB-314 Super Tucano para a FAC em 2005 e consiste na transferência de tecnologia e know-how para a Companhia Aeronáutica Estatal Colombiana (CIAC), capacitando-a e certificando-a para realizar a modernização desenvolvida em conjunto das aeronaves EMB-312.
 
O desenvolvimento de programas de cooperação de produtos de defesa está se tornando realidade. Fruto do trabalho do Ministério da Defesa, já há a intenção de aproveitar as capacidades existentes e incrementar a cooperação industrial com o Chile nas áreas naval e de manutenção de blindados; construir com a Colômbia um navio fluvial e VANT; e, com a Argentina, um lançador de satélites sul-americano.
 
Além de passar por um período de retomada dos investimentos em defesa, os países sulamericanos possuem indústrias que contam com tecnologias relevantes e histórico respeitável 6 . Projetos de cooperação de produtos de defesa, neste sentido, contribuem para a divisão dos custos de pesquisa e desenvolvimento e de aumento do volume de produção em função da demanda. Melhores preços, por sua vez, beneficiariam também as Forças Armadas, que podem contar com equipamentos mais acessíveis.
 
Vários movimentos dos países sul-americanos ilustram o processo de busca de integração e fortalecimento da base industrial de defesa. Neste contexto, é fundamental trabalhar para consolidar, legalizar e legitimar a institucionalidade criada e avançar com as políticas já planejadas. Outro passo importante seria implementar as decisões estipuladas no Plano de Ação 2010/2011, como a consolidação do diagnóstico da Indústria e Tecnologia, a concepção de um Sistema Integrado de Informação sobre Defesa e Tecnologia e a criação de um Centro de Pesquisa e Desenvolvimento tecnológico e Cooperação Industrial do CDS.
 
É necessário também produzir um diálogo efetivo, franco e transparente no âmbito do CSD para abordar as situações complexas, como, por exemplo, os conflitos ainda existentes na região andina. Enquanto o Mercosul se encontra mais perto da formação de um regime de segurança, a região andina beira uma formação conflitiva tanto pelo transbordamento do conflito interno colombiano em direção ao Equador e à Venezuela, como por questões territoriais não solucionadas (7).
 
Assim como são grandes os desafios a serem enfrentados no âmbito do Conselho de Segurança da UNASUL, também são amplas as oportunidades e os benefícios de se construir uma comunidade de segurança na América do Sul. O mercado de defesa sulamericano apresenta o Brasil como figura central, principal pólo político e produtivo, cabendo a nós a liderança no processo de desenvolvimento de uma base industrial de defesa que seja moderna e garanta autonomia e independência tecnológica à região.

Integração Brasil e Argentina em matéria de Defesa

Até princípios dos anos 2000, a cooperação entre Brasil e Argentina em matéria de defesa permaneceu restrita a iniciativas isoladas das respectivas Forças Armadas (a exemplo do projeto dos seus Exércitos na criação da viatura militar aerotransportável Gaucho, primeira parceria na área de tecnologia militar).

Somente em 2005, com a assinatura do Acordo Quadro de Cooperação em Matéria de Defesa, brasileiros e argentinos começaram a discutir umapossível aproximação que não fosse no âmbito comercial, dimensão que predominou nas relações bilaterais durante os anos 90. Criou-se o Grupo deTrabalho Conjunto de Defesa e discutiu-se formas de facilitar a relação entre as bases industriais de defesa.

Em 2007, foi constituído o Mecanismo de Cooperação e Coordenação Bilateral Brasil-Argentina, no qual incluiu-se a área Defesa como um dos temas estratégicos. Na ocasião da visita da Presidenta Dilma Rousseff à Argentina (Buenos Aires, 31 de janeiro de 2011), a Subcomissão de Defesa e Segurança tratou de diversos projetos relativos à indústria de Defesa, entre eles: ProjetoVeículo Gaúcho, Projeto já concluído do “Pool” Logístico para Aquisição de Sobressalentes (F-103 Mirage brasileiro por Boeing 707 argentino),Projeto de manutenção de turbinas navais a ser executado pelo Arsenal Comandante Espora, Projeto 002SCD09 – Sistema de Certificação/Homologação de Produtos de Defesa, e o Projeto do KC-390 (Fonte: Divisão de AtosInternacionais – MRE).

O fortalecimento do eixo Brasil-Argentina permitiu uma maior capacidade de liderança do Brasil na formação da UNASUL e, no âmbito desta,do Conselho de Defesa Sul-Americano. As atividades militares entre Brasil e Argentina ampliaram o poder militar de ambos os países. Do ponto de vista argentino, por exemplo, o país só podia manter sua aviação naval em condiçõesoperacionais se realizasse exercícios militares combinados com nações que disponham de portaaviões, uma necessidade que o Brasil tem suprido.

Outro exemplo ocorreu quando a Marinha do Brasil criou, nos anos 90, sua aviação naval de asa fixa, para a qual o apoio argentino foi de grande importância na capacitação de pilotos e técnicos brasileiros (Fracalossi, 2010)

Notas

 1 Na Europa, por exemplo, passou-se a buscar maior autonomia nas questões de segurança e defesa, consolidada na Política de Defesa e Segurança Europeia, subordinada à própria União Europeia e não mais à OTAN. Na Ásia, nas últimas duas décadas, houve a formação de diversas instituições que tratam também de temas securitários, como o Fórum Regional da Asean (ARF, 1994), a Cúpula do Leste Asiático (EAS, 1995), os Cinco de Xangai (1996), transformado em 2001 na Organização para a Cooperação de Xangai (SCO) e ASEAN+3 (ASEAN + China, Japão e Coréia do Sul, 1997). Também na África, temas de defesa e segurança ganharam destaque no mesmo período com a Comunidade Econômica da África Ocidental (ECOWAS) e com a criação, em 1996, do Órgão de Política, Defesa e Segurança no âmbito da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC). Em 2004, criou-se um órgão envolvendo todo continente, o Conselho de Paz e Segurança da União Africana.
 
2 A União de Nações Sul-Americanas é um projeto político de cooperação e integração que abarca desde o econômico e comercial até defesa e segurança. É o principal resultado de um processo de integração regional iniciado com a I Reunião de Presidentes da América do Sul, em 2000, e com a criação da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). Foi criada com base nos avanços da Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA, 2004 – institucionalização da aproximação entre Mercosul e Comunidade Andina), por ocasião da I Cúpula Energética da América do Sul em 2007. O Tratado constitutivo foi assinado em 2008, tendo entrado em vigor em março de 2010, um mês após obter as nove retificações necessárias. O Brasil promulgou o Tratado Constitutivo da UNASUL somente em 11 de janeiro de 2012 (Decreto Nº 7.667)
 
3 Desde que assumiu a pasta do Ministério da Defesa, o Ministro Celso Amorim já realizou reuniões e encontros com autoridades de quase todos os países sulamericanos, sempre reforçando o compromisso com a integração e buscando oportunidades de cooperação Regional

4 Este conta com 28 atividades divididas em quatro eixos fundamentais: Políticas de Defesa, Cooperação Militar, Ações Humanitárias e Operações de paz e Indústria, Tecnologia e Capacitação em Defesa.

5 Entende-se por equipamentos militares: aeronaves, blindados, artilharia, motores, mísseis, sensores e navios. Fonte: SIPRI, Arms Transfers Database, 2011.

6 Vilela cita, por exemplo, a FAMAE (Fábricas y Maestranzas del Ejército – Chile), estaleiros como Domecq Garcia, Talleres Navalles Dársena Norte, Astilleros Rio Santiago (Argentina), Astilleros y Mastranzas de la Armada – ASMAR (Chile), Servicios Industriales de la Marina – SIMA (Peru). VILELA, Fernando de Souza. Integração das Indústrias de Defesa na América do Sul. Revista da Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, n.14, p. 155-172, 2009
 
7 Venezuela e Colômbia disputam o Golfo da Venezuela/Golfo da Colômbia. A Venezuela reivindica cerca de dois terços do território da Guiana. Ainda é necessário encontrar uma solução definitiva para os temas fronteiriços pendentes entre Chile e Peru.

DEPARTAMENTO DA INDÚSTRIA DE DEFESA
COMDEFESA

Informações:
E-mail: comdefesa@fiesp.org.br
 

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