A Reforma do Conselho de Segurança da ONU – Aspirações, dificuldades e realidades

A Reforma do Conselho de Segurança da ONU Aspirações, dificuldades e realidades

SERGIO DUARTE

Embaixador, ex-Alto Representante das
Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento.
Presidente das Conferências Pugwash sobre
Ciência e Assuntos Mundiais.

The Security Council we have now does not correspond to today’s world.
António Guterres, Secretário-geral da ONU

O Conselho de Segurança (CSNU) é o órgão das Nações Unidas primordialmente responsável pela manutenção da paz e da segurança internacional. Ao longo de sua existência, o Conselho tem agido com firmeza e razoável grau de sucesso principalmente em situações ocorridas no mundo em desenvolvimento, por meio de ações de restauração ou de manutenção da paz nessas regiões.

Durante a fase mais aguda da Guerra Fria, caracterizada pelo enfrentamento ideológico entre os Estados Unidos e a União Soviética, o Conselho serviu como foro de debates para aliviar e mitigar as tensões entre os dois campos antagônicos em que se dividia o mundo. No entanto, as crises mais graves entre as duas superpotências ocorridas nesse período, como o bloqueio de Berlim em 1949 e o episódio da instalação de mísseis em Cuba em 1962, por exemplo, foram resolvidas sem sua intervenção.

Mais recentemente, a ação armada da OTAN no Kosovo e a invasão do Iraque por uma força multinacional organizada pelos Estados Unidos se deram à revelia das decisões do órgão. Não é demais recordar a omissão do CSNU em tragédias humanitárias de excepcional repercussão, como os genocídios em Ruanda e no Sudão.

Na verdade, o Conselho tem se visto cada vez mais impossibilitado de tratar de situações ou conflitos em que algum de seus membros permanentes seja parte diretamente interessada e se mostra igualmente incapaz de agir com eficácia na mais preocupante crise internacional dos tempos atuais: a guerra deflagrada pela Rússia contra a Ucrânia, que já dura há um ano e meio. A inação do Conselho em relação a esse conflito reacendeu o clamor por um debate profundo no seio da ONU sobre sua reforma.

 A composição do Conselho reflete a situação geopolítica do mundo no final da Segunda Guerra Mundial, enquanto o direito de veto atribuído aos cinco membros permanentes realça o privilégio de que gozam essas potências.  Na opinião do falecido embaixador brasileiro João Augusto de Araújo Castro o direito de veto, aliado ao reconhecimento dos mesmos cinco países como possuidores exclusivos de armas nucleares pelo Tratado de Não Proliferação (TNP), significou o “congelamento do poder mundial”.

 A única modificação da composição do Conselho ocorreu em 1963 quando o total de seus membros foi elevado de onze para quinze, permanecendo inalterada a divisão entre membros permanentes e não permanentes.  Para reforçar o status ímpar do órgão na estrutura das Nações Unidas, o artigo 25 da Carta registra a concordância de todos os estados-membros da ONU em implementar as decisões do Conselho, reconhecendo assim sua supremacia sobre os demais órgãos, inclusive a Assembleia Geral, onde as regras de representação  e tomada de decisões são igualitárias mas não obrigam a totalidade dos membros da organização.    

Anualmente, a Assembleia elege cinco membros não permanentes, um de cada um dos grupos regionais informalmente reconhecidos – América Latina e Caribe, África, Ásia, Europa Ocidental e Europa Oriental –para mandatos de dois anos. A escolha é considerada altamente prestigiosa e é precedida por elaboradas negociações no seio de cada grupo para definir seus candidatos.  Brasil e Japão são os países que por mais vezes foram eleitos para o Conselho.  

 Desde há várias décadas diversos estados membros da ONU têm chamado atenção para a necessidade de modificações na estrutura e funcionamento do Conselho. No entanto, pouco progresso foi alcançado, em grande parte devido à complexidade política da tarefa e também pela relutância dos cinco membros permanentes em engajar-se em um esforço decisivo nesse sentido. Em 1993 o Secretário-geral Kofi Annan advogou “reforma radical” e mudanças estruturais que reforçassem a capacidade da organização internacional para responder com eficácia aos diferentes desafios de segurança enfrentados pelo mundo. Em 2013 o ministro do exterior da Arábia Saudita recusou a participação de seu país como membro não permanente do Conselho, afirmando que seus métodos de trabalho e duplicidade de padrões o impedem de executar suas obrigações e responsabilidades em relação à paz mundial.

Deve-se reconhecer, porém, que nas duas décadas recentes os membros não permanentes têm conseguido ampliar o âmbito das funções originalmente atribuídas ao Conselho acrescentando debates sobre temas como o papel das mulheres e da juventude em assuntos internacionais, mudança do clima, degradação do meio-ambiente e direitos individuais, entre outras questões relativas à segurança humana. Muitos países, especialmente africanos, latino-americanos e asiáticos reivindicam a adoção de medidas para aumentar a representatividade do órgão, inclusive mediante a criação de novos assentos, inclusive para membros permanentes ou semipermanentes.

Algumas propostas vêm sendo feitas por países ou grupos de países interessados em alterações da composição e métodos de trabalho do Conselho. O Brasil tem sido ativo nesses debates.  Além das resistências apontadas acima, existem também divergências e rivalidades regionais entre esses países e grupos, cuja conciliação se afigura complexa.

Não é fácil emendar a Carta para introduzir modificações, particularmente no que se refere ao Conselho de Segurança. Qualquer mudança na estrutura e funcionamento do UNSC exigirá acordo sobre questões como o total de membros e suas diferentes categorias, poder de veto, representação das diversas regiões do mundo e distribuição de poderes em relação à Assembleia Geral. O artigo 108 da Carta dispõe que as emendas adotadas entrarão em vigor ao obter maioria de votos de dois terços dos membros da Assembleia Geral e após serem ratificadas por igual proporção de membros da organização, inclusive todos os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança. 

Somente cinco emendas foram adotadas desde 1945, duas das quais dizem respeito ao CSNU e decorreram do aumento do número de membros da ONU a partir do processo de descolonização. Em 1945 a ONU tinha 51 estados-membros e hoje conta com 193. Essas emendas foram a relativa ao artigo 26 da Carta da ONU, mencionada acima, que alterou o número de membros do órgão e a relativa ao artigo 27, sobre a tomada de decisões em questões de procedimento.

Duas emendas ao artigo 61 ampliaram o Conselho Econômico e Social sucessivamente de 18 para 27 membros e mais tarde para 54. Finalmente, a emenda ao artigo 109 alterou de 7 para 9 o número de votos necessários para a convocação de uma Conferência de revisão da Carta.

Por ocasião da negociação e adoção da Carta, em 1945, o Brasil já havia expressado interesse em participar do Conselho como membro permanente e continua a ser especialmente ativo em busca de satisfação de sua pretensão, para a qual tem o apoio de outros três países que igualmente desejam ser reconhecidos como tais – Japão, Alemanha e Índia. As principais potências têm sido reticentes em suas parcas manifestações sobre a questão da reforma. Sem dúvida receiam o risco de enfraquecimento de sua própria influência nas decisões das Nações Unidas, tanto em consequência de uma eventual expansão do número de membros permanentes do Conselho quanto do prosseguimento do atual impasse, mas até o momento se mostram pouco inclinados a considerar reformas.

Por outro lado, aquelas potências, assim como o restante dos membros da organização internacional, percebem claramente a necessidade de cooperação para chegar a soluções capazes de fortalecer a legitimidade, autoridade e eficácia do órgão prioritariamente encarregado da manutenção da paz e segurança internacionais.

Cabe à comunidade de nações como um todo, com a participação construtiva dos atuais cinco membros permanentes, intensificar os esforços para possibilitar ao Conselho agir de maneira rápida, eficiente e ágil no tratamento das grandes crises globais de nosso tempo.

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