Ágata 5 – Exército leva à fronteira experts em dependência

CLARISSA THOMÉ, ENVIADA ESPECIAL, CHUÍ (RS) – O Estado de S.Paulo


Quando o pequeno Leo Vitor foi adotado, aos 5 meses, o prognóstico médico era dos piores: o menino provavelmente não andaria nem falaria, sequela de um traumatismo craniano. Tinha sido espancado pelo pai, viciado em drogas. Ainda havia a suspeita de HIV. Nada disso se confirmou.

Na quarta-feira, ele atravessou correndo um campo de motocross no Chuí, extremo sul do País, no Rio Grande do Sul, ao lado dos novos pais, ao avistar um helicóptero Blackhawk da Força Aérea Brasileira (FAB) que participa da Operação Ágata 5, de combate aos crimes de fronteira. A bordo, especialistas em dependência química. Pela primeira vez, uma equipe de prevenção integra a operação militar.

"A gente conhece de perto o efeito que isso (a droga) faz com as pessoas. A mãe oferecia o bebê na rua como quem vende fruta. O corpinho coberto por hematomas. Minha preocupação agora é com minha filha de 13 anos. A escola não fala de prevenção. A droga é um problema muito sério, e não é porque estamos na fronteira. É um problema mundial", diz Gretty Bermudes, de 34 anos, satisfeita com a palestra promovida pela FAB. Ao lado dos filhos e do marido, Cássio Stoquete, de 33, ela brincava com aviões de isopor distribuídos pelos militares, antes da apresentação dos especialistas.

Três especialistas do Rio foram convidados para integrar a operação. Participaram da ação o psiquiatra Jorge Jaber, presidente da Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas (Abrad), um dos formuladores da portaria municipal que determina a internação compulsória de crianças e adolescentes que usam crack no Rio, a enfermeira pediátrica Sylvia Cibreiros, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que desenvolve linha de pesquisa sobre saúde e criança, e a pedagoga e especialista em dependência química Ângela Hollanda, que transmite tecnologia de tratamento comunitário.

Em um período curto de quatro dias, Jaber e sua equipe entraram e saíram de oito aeronaves, entre aviões bandeirantes e helicópteros, para falar a diferentes públicos – de autoridades e profissionais da saúde do Chuí a gestores de abrigos e internos de orfanatos em Porto Alegre.

Prevenção. "O que estamos tentando fazer é aliar a prevenção ao trabalho de repressão. O que a gente quer é dificultar a formação de mão de obra na fronteira. O usuário de droga da fronteira tende a se transformar em mão de obra especializada – conhece o terreno, sabe os caminhos", afirma o major-brigadeiro José Geraldo Malta, comandante da FAB na Ágata 5.

Jaber explica que a intenção não é aprofundar o debate sobre as drogas. E evita temas polêmicos, como a discussão sobre a legalização ou não. "A intenção não é levar cura, mas semear ações que impeçam principalmente os jovens de adquirir doença mental. Porque a dependência química é uma doença", afirma Jaber.
 

Até música pop é usada para atrair os jovens 19 Ago 2012  


Para atingir também adolescentes, os homens do Exército e a equipe de profissionais especializada em dependência química adotam estratégias diferenciadas. Se para as crianças falaram sobre a importância de não colocar "coisas sujas" no organismo, para os jovens o tom era mais motivacional. A equipe chegou a cantar trecho de O Sol, de Jota Quest: "E se quiser saber pra onde eu vou/ pra onde tenha sol/ é pra lá que eu vou".

A mensagem principal, porém, é sobre a formação dos centros de tratamento comunitário, onde famílias e usuários de droga encontram apoio. "A gente não tem repostas prontas. Elaboramos com as famílias a melhor maneira de lidar com cada caso, explica Ângela, coordenadora pedagógica do centro de tratamento que funciona na Câmara Comunitária da Barra.

Ângela era diretora de escola quando o filho de 15 anos passou a usar maconha e, mais tarde, cocaína. "Você se pergunta onde errou, como deixou aquilo acontecer. Depois, decide que vai consertar o que falhou. É preciso a família também se tratar para entender que não foi erro de ninguém, que é uma doença."

No centro, o psiquiatra Jorge Jaber, do Rio, montou curso de formação de conselheiro em dependência química para o público leigo, com um ano de duração. "É preciso formar mão de obra para lidar com esse problema. Temos experiências positivas com a recuperação de dependentes químicos em grupos comunitários, acompanhados por leigos, que são supervisionados por equipes de psiquiatras. Pode ser a solução para municípios pequenos, sem estrutura, ou para os grandes municípios, com atendimento superlotado", afirma.

A proposta é levar esses cursos de formação para os locais mais distantes, seja por aulas em videoconferência, seja por curso a distância, que ainda será formatado. A partir das palestras que deu, Jaber já foi procurado por gestores de abrigos de Porto Alegre e pela Secretaria de Saúde de Foz do Iguaçu.

Contra o crime. A Operação Ágata combate os chamados crimes de fronteira – contrabando, tráfico de drogas, transporte de carros roubados para o exterior. Na quinta edição, Forças Armadas, Polícia Federal e outros 20 órgãos do governo atuam em um trecho de 3 mil quilômetros, entre Chuí (RS) e Açorizal (MS).

Dez mil militares participam da ação. Iniciada em 6 de agosto, apreendeu na primeira semana 12 mil quilos de explosivos, R$ 40 mil em notas falsas, 6 mil quilos de drogas, entre outros materiais ilícitos, segundo relatório liberado em 13 de agosto. Os trabalhos terminam amanhã.

"Não é a operação com maior número de apreensão, mas é a que mais desestrutura o crime, por causa da presença ostensiva das Forças Armadas", diz o major Bruno Pedra.

 
 

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