PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO: SOBERANIA, TECNOLOGIA E GEOPOLÍTICA
Julio Cezar Rodrigues Eloi
O Programa Nuclear Brasileiro (PNB) é mais do que um projeto energético: é uma expressão concreta da soberania nacional, da capacidade tecnológica acumulada e da inserção estratégica do Brasil no cenário geopolítico global. Desde as primeiras pesquisas na década de 1930, com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL/ USP), até os avanços recentes no Reator Multipropósito Brasileiro (RMB) e no submarino nuclear “Álvaro Alberto”, o país trilhou um caminho de afirmação autônoma frente às pressões externas (Carvalho, 2012; Kuramoto & Appoloni, 2002; Patti, 2013).
Entre 1943 e 1955, o Brasil exportou minerais estratégicos aos Estados Unidos, como as areias monazíticas, em troca de promessas de transferência tecnológica, princípio das “compensações específicas” (Patti, 2013). Sob a liderança do almirante Álvaro Alberto, foi proposto um modelo autônomo de domínio do ciclo do combustível, apresentado ao Conselho de Segurança Nacional em 1947. Em 1951, foi criado o Conselho Nacional de Pesquisas (CNP), embrião do atual CNPq, com o objetivo de coordenar o desenvolvimento nuclear e científico.
Durante os anos 1950 e 1960, o Brasil firmou acordos com EUA, França e Alemanha Ocidental, buscando acesso a tecnologias de enriquecimento de urânio. A criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), em 1956, marcou um novo ciclo institucional (Kuramoto & Appoloni, 2002). A linha do tempo com os principais marcos do PNB pode ser visualizada na Tabela 1.
Tabela 1 – Linha do tempo do Programa Nuclear Brasileiro

Fonte: Elaborado pelo autor (2025).
Nos anos 1970, o país firmou um amplo acordo com a Alemanha Ocidental, prevendo a construção de oito usinas e transferência de tecnologia (Bandarra, 2016). Angra I foi concluída em 1985, Angra II em 2000, e Angra III permanece inacabada. Segundo o Ministério de Minas e Energia (2025), uma decisão sobre o futuro da usina será tomada até dezembro de 2025, com apoio técnico do BNDES e da Eletronuclear. Segundo reportagem publicada pelo G1 (2025), o governo brasileiro adiou novamente a decisão sobre a conclusão das obras de Angra III, avaliando a possibilidade de retomada do projeto com previsão de operação até 2033.
A participação da energia nuclear na matriz elétrica brasileira é ainda modesta. A composição atual pode ser observada na Figura 1, que destaca a predominância das fontes hidráulica, eólica e solar (Frente Parlamentar Mista da Tecnologia e Atividades Nucleares, 2023).
Figura 1 – Composição da matriz energética brasileira em 2023

Fonte: Frente Parlamentar Mista da Tecnologia e Atividades Nucleares – FPN (2023).
Além da baixa participação relativa, a energia nuclear destaca-se por sua eficiência espacial. A Figura 2 compara o uso de espaço físico entre diferentes fontes energéticas, demonstrando que a nuclear requer significativamente menos área para gerar a mesma quantidade de energia, um fator estratégico em um país com crescente pressão sobre o uso do solo (Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares [ABDAN], 2020b).
Figura 2 – As cinco fontes energéticas em economia de espaço físico

Fonte: ABDAN (2020b).
O Brasil domina hoje a tecnologia de enriquecimento de urânio, com ultracentrífugas desenvolvidas por meio da cooperação entre a Marinha do Brasil, institutos de pesquisa e indústria (Ramos & Jaillet, 2018). Em fevereiro de 2025, o governo iniciou as obras do RMB em Iperó/ SP, com previsão de conclusão em cinco anos. O país também possui a sexta maior reserva de urânio do mundo, embora apenas uma fração esteja em exploração. A Figura 3 apresenta a relação entre reservas e produção global de urânio, destacando o potencial brasileiro ainda subaproveitado (Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares [ABDAN], 2020a).
Figura 3 – Relação entre reservas e exploração de Urânio no mundo

Fonte: ABDAN (2020a).
Segundo a ABDAN (2020a), o urânio também é considerado um ativo estratégico no mercado financeiro global, sendo cada vez mais valorizado em função da transição energética. O submarino nuclear “Álvaro Alberto”, parte do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), também avançou em 2025 com o corte da seção preliminar do casco resistente. Segundo nota oficial da Marinha do Brasil (2025), o projeto segue em ritmo constante e representa um marco na consolidação da capacidade dissuasória nacional.
O Programa Nuclear Brasileiro é mais do que um projeto energético: é uma expressão concreta da soberania nacional, da capacidade tecnológica acumulada e da inserção estratégica do Brasil no cenário geopolítico global. Desde as primeiras iniciativas lideradas por Álvaro Alberto até o domínio do ciclo do combustível e o desenvolvimento do submarino nuclear “Álvaro Alberto”, o país trilhou um caminho de afirmação autônoma frente às pressões externas.
Os avanços tecnológicos, como as ultracentrífugas, o Reator Multipropósito Brasileiro e a consolidação das usinas de Angra, demonstram que o Brasil possui competência científica e industrial para liderar em setores críticos. No plano geopolítico, o PNB posiciona o país como ator relevante nas disputas por recursos, segurança energética e inovação estratégica. Consolidar esse programa exige mais do que financiamento: requer visão de longo prazo, integração institucional e comunicação eficaz com a sociedade. O futuro do Brasil como potência tecnológica e soberana passa, inevitavelmente, pela valorização e expansão de seu programa nuclear.
Referências
Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares. (2020a). Por que não nuclear? Conexão Nuclear, 1(4). https://www.abdan.org.br/publicacoes . Acesso em: 9 nov. 2025.
Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares. (2020b). O urânio e o mercado financeiro. Conexão Nuclear, 1(4). https://www.abdan.org.br/publicacoes . Acesso em: 9 nov. 2025.
Bandarra, L. C. L. A. (2016). A luta contra o Tordesilhas Nuclear: três momentos da política nuclear brasileira (1969–1998) [Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília]. https://web.archive.org/web/20181104172201id_/http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/22361/1/2016_LeonardoCarvalhoLeiteAzevedoBandarra.pdf . Acesso em: 9 nov. 2025.
Barros, P. S., & Pereira, A. P. M. (2010). O Programa Nuclear Brasileiro. Boletim de Economia e Política Internacional. https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/4092/1/BEPI_n3_programa.pdf . Acesso em: 9 nov. 2025.
Cabral, A. (2011). História das usinas nucleoelétricas no Brasil. Revista Eletrônica de Energia, 1(1). https://revistas.unifacs.br/index.php/ree/article/viewFile/1639/1440 . Acesso em: 9 nov. 2025.
Carvalho, J. F. D. (2012). O espaço da energia nuclear no Brasil. Estudos Avançados, 26(75), 293–308. https://doi.org/10.1590/S0103-40142012000100021 . Acesso em: 9 nov. 2025.
Chaves, R. M. (2014). O Programa Nuclear e a construção da democracia [Dissertação de Mestrado, Fundação Getúlio Vargas]. https://repositorio.fgv.br/items/ec063be7-c709-4aac-afa5-5def1af178fb . Acesso em: 9 nov. 2025.
Comissão Nacional de Energia Nuclear. (2024). Cronologia da energia nuclear no Brasil. Biblioteca Digital Memória CNEN. https://memoria.cnen.gov.br/memoria/Cronologia.asp?Unidade=Brasil . Acesso em: 9 nov. 2025.
Frente Parlamentar Mista da Tecnologia e Atividades Nucleares. (2023). Proposta para o novo Programa Nuclear Brasileiro. https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cme/apresentacoes-em-eventos/apresentacoes-de-convidados-em-2023/08-11-2023-o-potencial-da-energia-nuclear-na-descarbonizacao-da-matriz-energetica-brasileira/proposta-para-o-novo-programa-brasileiro-fpn . Acesso em: 9 nov. 2025.
G1. (2025). Governo adia decisão sobre Angra III e avalia retomada até 2033. G1 Economia. https://g1.globo.com/pr/parana/economia/noticia/2025/02/18/governo-adia-de-novo-decisao-sobre-conclusao-das-obras-da-usina-nuclear-de-angra-3.ghtml . Acesso em: 9 nov. 2025.
Kuramoto, R. Y. R., & Appoloni, C. R. (2002). Uma breve história da política nuclear brasileira. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 19 (3), 379–392. https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/6612 . Acesso em: 9 nov. 2025.
Marinha do Brasil. (2025). Avanços do submarino nuclear Álvaro Alberto. Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha. https://www.marinha.mil.br/dgdntm/node/402 . Acesso em: 9 nov. 2025.
Ministério de Minas e Energia. (2025). Decisão sobre Angra III será tomada até dezembro. https://cenarioenergia.com.br/2025/10/01/decisao-sobre-futuro-de-angra-3-sera-tomada-ate-dezembro-de-2025-afirma-ministro-de-minas-e-energia . Acesso em: 9 nov. 2025.
Patti, C. (2013). O programa nuclear brasileiro entre passado e futuro. Meridiano 47 – Journal of Global Studies, 14 (140), 49–55. https://periodicos.bce.unb.br/index.php/MED/article/view/9790/7388 . Acesso em: 9 nov. 2025.
Ramos, A. F., & Jaillet, M. (2018). O Programa Nuclear Brasileiro: um fio de luz nos caminhos da nação. Associação Brasileira de Energia Nuclear. https://www.aben.com.br/Arquivos/560/560.pdf . Acesso em: 9 nov. 2025.
Julio Cezar Rodrigues Eloi é mestre em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Paulista (PPGA/ UNIP) e especialista em Gestão Pública pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Possui graduações em Ciências Contábeis (UNICSUL), Ciências Econômicas (UFABC), Ciências e Humanidades (UFABC) e Geografia (UNIBAN).
Atua como pesquisador em ciência, tecnologia e inovação, assim como a interface com os cenários da geopolítica e defesa. Atualmente foca em investigar a transição das tecnologias disruptivas da Indústria 4.0 para a Indústria 5.0.





















