Pequenos Reatores Modulares (SMRs) e o Renascimento Nuclear

Leonam dos Santos Guimarães
Engenheiro nuclear e naval e integrante da Academia Nacional de Engenharia.
Foi presidente da Eletronuclear S/A e coordenador do Programa de Propulsão
Nuclear do Centro Tecnológico da Marinha, em São Paulo. Atualmente é coordenador
do Comitê e Acompanhamento de Angra 3 e coordenador do Comitê de C&T da AMAZUL


Prevê‐se que a nova geração de pequenos reatores modulares (SMR) proporcione maior segurança, custos mais baixos, financiamento mais fácil, melhor compatibilidade com redes elétricas nacionais de porte limitado e riscos de projeto reduzidos, o que pode melhorar a aceitação social e atrair investimento privado. Por causa disso, a comunidade nuclear e até mesmo a grande mídia estão cada vez mais recorrendo aos SMRs para anunciar um “renascimento nuclear” há muito esperado, mas nunca observado.

Mas isso não acontecerá se os desenvolvedores de SMR repetirem os erros do passado. O excesso de promessas em termos de custos baixos é uma questão importante: lembrem-se das primeiras alegações de que a eletricidade nuclear seria “barata demais para ser medida”.

Ainda não foi demonstrado que as economias de escala que levaram a que as centrais nucleares se tornassem cada vez maiores podem ser compensadas pelas economias de múltiplos que são esperadas da produção em fábrica por linha de montagem, assumindo que carteiras de encomendas completas podem manter estas linhas ocupadas. Mas para quantos dos mais de 80 projetos de SMR em desenvolvimento haverá um mercado grande o suficiente para alimentar uma linha de montagem para produção em fábrica?

Qual seria a encomenda mínima para viabilizar o investimento na fábrica e sua linha de montagem?

Há já 50 anos, físicos e engenheiros que projetavam grandes centrais nucleares estavam concentrados nos desafios interessantes de propor cada vez mais variantes de reatores que parecessem, no papel, mais eficientes, mais seguros ou mais baratos. Mas mesmo a variedade comparativamente limitada de designs propostos naquela época provou ser mais um obstáculo do que uma vantagem. O Reino Unido, por exemplo, hesitou durante anos em fazer escolhas difíceis, enquanto construía e operava unidades dispendiosas, únicas do tipo, de muitos projetos diferentes. O programa de grandes reatores de maior sucesso ocorreu em França, onde foi tomada uma decisão inicial de se restringir a um projeto PWR padronizado. Hoje, a lição clara é que apenas alguns projetos de SMR podem esperar beneficiar‐se da economia de múltiplos e, assim, alcançar o sucesso comercial.

Outro erro do passado que também afeta a economia são os longos prazos necessários para a implementação de centrais nucleares. Muitos dos atrasos devem‐se a deficiências técnicas ou de gestão do projeto, mas uma grande contribuição tem sido muitas vezes o tempo necessário para os reguladores licenciarem um novo projeto. A forma de superar este obstáculo é desenvolver um conjunto de regulamentações “risk informed”, adaptadas a projetos de SMR mais pequenos e, em seguida, harmonizar as regulamentações de licenciamento em todos os países potenciais utilizadores. Um precedente útil é a Administração Federal de Aviação dos EUA, cujos regulamentos sobre aeronaves são aceitos globalmente como base técnica para todos os regulamentos nacionais.

Mas acertar a economia dos SMR e reduzir os tempos de licenciamento e construção não resolverá por si só o problema. Existem outros desafios que os grandes projetistas de reatores ignoraram até tarde demais. O exemplo mais claro aqui é a negligência na abordagem da questão da eliminação segura do combustível irradiado e/ou dos resíduos radioativos de alta atividade. Ainda hoje, embora estejam sendo implementadas instalações de disposição final em estruturas geológicas seguras, por exemplo na
Finlândia, o “problema dos resíduos não resolvidos” ainda é apresentado por muitos como uma objeção à expansão da energia nuclear. Os promotores de SMR deveriam, já na fase de concepção, considerar quais os resíduos que serão produzidos e, na fase de seleção, deveriam oferecer ajuda e aconselhamento específicos aos seus potenciais clientes, especialmente se estes forem nações nucleares pequenas ou novas.

Além destes potenciais impedimentos à ampla implantação de SMR, existem algumas questões novas a serem abordadas. Uma delas está relacionada com a proliferação nuclear e as preocupações de segurança que podem surgir num cenário em que centenas de SMR estão distribuídos por todo o mundo, em muitos países sem experiência nuclear e, em alguns casos, em regiões remotas dentro desses países. No final, devido aos seus inventários físseis menores aos projetos compactos, as preocupações de segurança nuclear com a implantação generalizada de SMR podem ser menores do que com as atuais centrais nucleares, com os seus inventários muito maiores de materiais físseis. No entanto, a questão deve ser discutida agora pela comunidade nuclear e não ignorada até que seja levantada como um impedimento pelos opositores nucleares em países potenciais utilizadores de SMR.

Se quisermos aprender com as amargas lições dos renascimentos nucleares esperados no passado, então devemos aprender com os erros cometidos naquela época e também antecipar quaisquer questões novas e inovadoras que surgirão com a implantação generalizada de SMR.

Cabe ainda lembrar que o renascimento nuclear esperado na primeira década do século XXI acabou não ocorrendo principalmente pelo acidente de Fukushima. Hoje a central de Zaporizhzhia vem sendo severamente ameaçada pela Guerra da Ucrânia. Um acidente severo poderia pôr a perder todo o esforço que vem sendo feito para que o renascimento nuclear efetivamente venha a ocorrer nessa terceira década, impulsionado pela descarbonização profunda combinada à segurança energética.

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