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EMBRAER – Saiba quem são os pequenos fabricantes que vivem à sombra

RIO – O recente acordo entre Boeing e Embraer despertou receio entre fornecedores brasileiros, que veem na aliança entre as duas gigantes a possibilidade de perda de mercado para concorrentes estrangeiros. Para um grupo de empreendedores que vive à sombra da ex-estatal, no entanto, o dia do anúncio foi como outro qualquer. São pequenas empresas, nascidas de sonhos de aviadores ou apaixonados pela aviação, que produzem ou montam pequenos aviões e tentam, a trancos a barrancos, se manter no mercado.

Com a recessão e mudanças recentes na legislação, eles viram as vendas despencarem. Alguns vêm buscando alternativas no exterior para sobreviver. Outros passaram a desenvolver instrumentos para pesquisa e dão cursos para complementar a receita.

A maior parte deles fabrica os chamados aviões experimentais. São aeronaves pequenas, em geral de até quatro lugares e 1.400 kg e que não são submetidas a uma longa campanha de testes. São usadas para recreação ou transporte do próprio dono. Não podem ser usadas para fins comerciais ou sobrevoar áreas densamente povoadas.

Nos anos 90, o país chegou a ter duas dezenas desses fabricantes. Hoje, nã se sabe ao certo quantos eles são. No início, eram principalmente ultraleves “de cano e pano”, sem muita complexidade. Com o tempo, esses empreendedores foram se especializando e os aviões ficaram mais complexos, com maior autonomia de voo e sofisticação eletrônica. Segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), até junho de 2018, havia 5.617 aeronaves experimentais registradas no país, cerca de 20% da chamada aviação geral, que exclui aviões operados por companhias aéreas e militares.

Saiba quem são os pequenos fabricantes que vivem à sombra da Embraer

Planos para o exterior

A aeronave Seamax, de 270kg, atinge 193km/hora e não sai por menos de US$ 129 mil – Marcos Alves / Agência O Globo

Um desses fabricantes é a Seamax, fundada pelo engenheiro Miguel Rosário. No fim dos anos 90, quando trabalhava como projetista de aeronaves, um amigo, o jornalista esportivo Armando Nogueira, lhe pediu que projetasse um avião e bancou seu desenvolvimento. Nascia o MAX, cujas letras significam Miguel Armando Xapuri (cidade no Acre onde o jornalista nasceu). O protótipo foi montado no quintal da casa de Rosário, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio.

Com o sucesso do modelo, ele decidiu montar uma fábrica para produzi-lo. O local escolhido foi a cidade de São João da Boa Vista, no interior de São Paulo. Em 2001, o MAX — rebatizado de Seamax, por ser um avião anfíbio — começou a ser fabricado. Com capacidade para duas pessoas e 270kg, a pequena aeronave atinge 193km/hora e não sai por menos de US$ 129 mil. Já foram vendidas 160 unidades no Brasil e no exterior. Atualmente, porém, Rosário só consegue vendê-las para fora, pois uma mudança na legislação nacional limitou sua comercialização no país, com a demanda de certificação que antes não era exigida. Rosário está na fila aguardando a conclusão do processo, ao lado de outras cinco empresas.

A crise também abalou os negócios. A fábrica, que tem capacidade de produção de apenas três aviões por mês — um trabalho quase artesanal —, já teve 60 funcionários. Hoje, são 22. Para continuar no ramo, Rosário pretende inaugurar uma fábrica nos EUA em 2019.

— Aqui no Brasil é tudo muito difícil. Já consegui certificar meu avião em oito países e aqui ainda não. Por isso, tenho planos para abrir uma unidade na Flórida e produzir um novo avião que estou desenvolvendo lá.

Sonho de ex-fornecedor da Embraer

Fábrica da Volato, em Lençois Paulista (SP): sócios desenvolvem novo avião para manter vendas no Brasil – . / Divulgação

A mudança na legislação aconteceu porque, com a especialização dos fabricantes amadores, a olho nu, não se percebia a diferença entre um avião experimental e uma aeronave homologada, que passa por um rigoroso processo de certificação da Anac, como os aviões da Embraer. As aeronaves experimentais precisam de uma espécie de atestado de um engenheiro aeronáutico dizendo que o modelo cumpre certos requisitos, mas não passam por inspeção física de servidores do órgão regulador, por exemplo.

Isso começou a preocupar a agência, que decidiu alterar a legislação em 2012, dando um prazo para que os fabricantes certificassem seus aviões. Após esse período, as aeronaves experimentais podiam continuar a ser fabricadas, desde que 51% delas fossem montadas pelo comprador. Quem quisesse vender o avião pronto teria que certificá-lo, um processo lento e custoso. Na prática, os fabricantes passaram a vender apenas kits.

Caso da Volato, que surgiu a partir de um ex-fornecedor da Embraer. Desde que foi fundada, em 2010, na cidade de Lençois Paulista, a empresa nunca deu lucro. Seus sócios vivem de outros negócios, uma companhia do ramo aeronáutico e outra do ferroviário. Produziam o avião experimental Volato 400, de cerca de 700kg e quatro lugares, que agora só pode ser vendido em partes, para que o dono o monte. Para não abandonar o investimento já feito, os sócios tentam a certificação de um avião menor e participam de uma licitação do governo mexicano para desenvolver uma nova aeronave.

— Nesse ramo, somos todos engenheiros apaixonados pela aviação. Não somos movidos pela razão, é inexplicável. Mas acreditamos que, um dia, as autoridades vão perceber a importância estratégica da aviação para um país de dimensões continentais como o Brasil — diz Zizo Sola, um dos sócios da Volato.

Três anos para certificação

O custo da certificação de um avião de quatro lugares pode chegar a R$ 100 milhões no Brasil, segundo empresários – Marcos Alves / Agência O Globo

Nos cálculos dos empreendedores, a certificação de um avião de quatro lugares consome de R$ 60 milhões a R$ 100 milhões e pode levar três anos. Apenas uma empresa brasileira, a Scoda Aeronáutica, conseguiu obter a certificação na categoria de até 600 kg e dois lugares até agora, as chamadas Aeronaves Leves Esportivas (ALE). É nesta categoria, criada com a nova legislação e cujo processo de certificação é mais simples, que a Seamax tenta se enquadrar.

Duas outras companhias, a Flyer e a Octans, buscam certificação em outra categoria, de aviões mais pesados, em geral de até 1.400 kg e quatro lugares. Neste caso, o processo é tão rígido quanto ao que são submetidos os aviões da Embraer e o uso comercial das aeronaves, para táxi aéreo por exemplo, é permitido.

Roberto Honorato, superintendente de Aeronavegabilidade da Anac, não tem estimativas quanto ao custo do processo de certificação e afirma que o prazo médio de três anos para conclusão do processo corresponde à média dos principais órgãos reguladores. Ele defende as novas regras e diz que foram necessárias para dar mais segurança a quem compra o avião.

— Na indústria da aviação, buscamos harmonizar as regras entre os países, pois os aviões ultrapassam fronteiras. Fizemos um amplo estudo para mudar a legislação, em linha com as práticas nos EUA e na Europa — disse Honorato.

Pioneira na produção de ultraleves

O empresário Luiz Cláudio Gonçalves, fundador da Flyer, que já teve mais de 200 funcionários e, hoje, tem 50 – Marcos Alves / Agência O Globo

Pioneira na produção de ultraleves no Brasil, a Flyer foi fundada em 1983. Recém-formado em engenharia mecânica, Luiz Cláudio Gonçalves fundou a empresa, aproveitando o boom da indústria de ultraleves nos EUA. Tinha apenas 23 anos. Primeiro, ele e o sócio alugaram um galpão de 400m na capital paulista. Três anos depois, desenvolveram projeto próprio e passaram a fabricar seu avião em Sumaré (SP).

Desde então, já vendeu 2.320 aviões, a maioria no Brasil. No auge dessa indústria, entre 2010 e 2011, recorda, teve 220 funcionários e fabricava 12 unidades por mês. Hoje, são 50 empregados e não produz mais de três a cada mês.

— A homologação de um avião exige muito investimento, e não há apoio financeiro oficial. O país já produziu vários componentes, mas, hoje, até parafuso aeronáutico temos que importar. Muitas empresas estão fechando as portas — afirma Gonçalves.

Dificuldade de crédito

A indústria aeronáutica é muito concentrada no Brasil: aqui cerca de 80% da mão de obra do setor são funcionários da Embraer. Nos EUA, apenas 10% são da Boeing – Marcos Alves / Agência O Globo

As escassas iniciativas de fomento à indústria aeronáutica são uma das principais queixas dos pequenos fabricantes. Uma delas, lançada em 2013 e com vigência de cinco anos, foi o programa Inova Aeroespacial, parceria da Finep com BNDES, Ministério da Defesa e Agência Espacial Brasileira. O edital disponibilizou R$ 2,9 bilhões, que beneficiaram 20 empresas.

Finep e BNDES também são cotistas de um fundo de investimentos voltado para segurança, integração de sistemas, setor aeroespacial e defesa. O fundo, de R$ 160 milhões, foi lançado em 2014 e já selecionou nove empresas. Até o fim do ano que vem, o número subirá para 12, segundo Fernando Rieche, gerente do Departamento de Investimento de Fundos do banco. Embraer e a agência Desenvolve São Paulo, ligada ao governo paulista, também têm cotas no fundo.

A falta de apoio oficial também é uma das razões apontadas pela elevada concentração da indústria aeronáutica no Brasil. Aqui, cerca de 80% da mão de obra do setor são funcionários da Embraer. Nos EUA, apenas 10% são da Boeing, pois há uma cadeia de fornecedores mais desenvolvida e outras grandes fabricantes de aviões como a Cessna (que fabrica desde monomotores até aviões executivos) e a Gulf Stream (aviação executiva). Na França, a Airbus responde por pouco mais de 20% da mão de obra. O país também é sede da Dassault, de aviões militares.

– No Brasil, a Embraer concentrou três diferentes nichos: a aviação executiva, comercial e militar. A indústria aeronáutica é intensiva em capital. É muito difícil se desenvolver nesse setor sem apoio do Estado – avalia Humberto Bettini, professor de transporte aéreo da USP de São Carlos.

Aula para driblar crise

O avião Quasar, da Aeroálcool, sediada em Franca (SP): em busca de certificação – Divulgação / .

A Aeroálcool, sediada em Franca, foi uma das poucas selecionadas pela FINEP. Fundada em 2001 por dois engenheiros aeronáuticos, a empresa nasceu com o objetivo de introduzir no mercado uma tecnologia para o uso de etanol em aviões leves. O projeto não vingou, e os sócios acabaram desenvolvendo o Quasar, pequeno avião com 295 kg, capaz de fazer viagens de até cinco horas. Parte do processo foi desenvolvido com recursos públicos. Mas, desde o ano passado, a empresa deixou de vender a aeronave, com o fim do prazo para adaptação às novas normas.

Omar Pugliese, um dos sócios da Aeroálcool, acredita que a certificação deve ser concluída em agosto. Seis aviões estão no estoque, aguardando a liberação. Enquanto isso, Pugliese se viu obrigado a criar outros produtos para manter a empresa de pé. Vende instrumentos para pesquisa, como os túneis de vento, em que se pode verificar efeitos de turbulências sobre aviões e até fazer experimentos com energia eólica. Também passou a dar cursos. Além do pouco financiamento, ele se queixa da morosidade da ANAC para regulamentar a nova categoria dos ALEs, na qual busca se enquadrar, e da falta de apoio da própria Embraer.

— A certificação vai me permitir vender o avião pronto no Brasil. Mas quem vai me dar financiamento se o meu modelo de negócios tem riscos como a falta de regulamentação. O investidor precisa saber para que serve o ALE — afirma Pugliese. — A falta de fomento ao setor não é apenas governamental. A EMBRAER é bastante agressiva nos negócios dela, mas não ajuda no desenvolvimento a pequenas empresas que atuam em nichos em que ela não atua. Por isso, o acordo com a BOEING não nos afeta.

Segundo a ANAC, a regulamentação da nova categoria ainda não foi finalizada, pois “demanda muitos estudos para assegurar o desenvolvimento dessa aviação com o maior nível de segurança possível”. A EMBRAER diz que investe em startups e na cadeia de fornecedores, em projetos e tecnologias relacionadas ao negócio. Informa ainda que mantém uma universidade corporativa para o setor aeronáutico.

Investimento do próprio bolso

Milton Roberto Pereira, presidente da Octans: aposta no crescimento da frota – Divulgação / .

Para driblar o gargalo do acesso a crédito, a Octans investe com recursos próprios. Em 2013, após 40 anos no mercado financeiro, o engenheiro mecânico Milton Roberto Pereira comprou um terço da companhia, que na época se chamava Inpaer. Desde então, aportou aproximadamente R$ 75 milhões na empresa, incluindo adaptações na fábrica, em São João da Boa Vista (SP), e no desenvolvimento de um novo avião, para o qual busca homologação. Em 2016, foram entregues as últimas unidades da aeronave experimental que a companhia produzia.

A aposta de Pereira é ousada. O engenheiro, que hoje tem 93% da Octans avalia que frota de aviação geral do Brasil vai dobrar até 2030. Em 2017, era de 24 mil aeronaves, a terceira maior do mundo, atrás de Canadá e EUA. O otimismo com o setor, apesar de tantos percalços, se deve ao baixo número de aviões per capita. Enquanto aqui há um avião para cada nove mil habitantes, em Canadá, EUA e Austrália, países que têm dimensões continentais como o Brasil, a média é de um avião para cada 1.600 a 1.900 habitantes, diz Pereira, com base em dados da Associação de Fabricantes de Aviação Geral (Gama, na sigla em inglês).

— O avião é estratégico para o país, que depende basicamente de rodovias. Mas, hoje, 100% da aviões homologados de pequeno porte (não incluem os experimentais nem os ALES) são importados. A EMBRAER já tem fábricas no exterior e não sabemos o que vai acontecer após o acordo com a Boeing. Por isso, o programa de certificação da Anac é tão importante — afirma Pereira.

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