O Dia Seguinte: PÓS-VERDADE e FAKE NEWS – 1ª PARTE

O DIA SEGUINTE: PÓS-VERDADE e FAKE NEWS – 1ª PARTE

Major Erich Nelson Cardoso Hoffmann
Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP)
Doutorando em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública


Nota DefesaNet
Leia a segunda parte deste artigo para entender uma espécie que prolifera: “Os Especialistas”
Artigo – O DIA SEGUINTE: OS “ESPECIALISTAS”


1. INTRODUÇÃO

Moderação na defesa da verdade é serviço prestado à mentira.
(Olavo de Carvalho)

O texto de Valter Cardoso da Costa [1] contextualizando o dia seguinte à operação policial-militar desencadeada após o assassinato do Soldado Patrick Bastos Reis, que integrava o 1º Batalhão de Polícia de Choque “Tobias de Aguiar” (ROTA), traz à baila a terrível realidade na qual está inserida as polícias brasileiras: além do perigo real de morte, ofensivas não convencionais afetam a motivação, imagem, possibilidade de ação, constrangem, intimidam e até mesmo colocam em risco a liberdade dos policiais. Na busca de um entendimento mínimo deste cenário, é necessário conhecer o fenômeno da pós-verdade – um neologismo associado à era do engano e da mentira –, a onda deliberada das chamadas fake news e a participação da velha mídia nisso tudo.

A pós-verdade, se antes era um fenômeno distópico, encontrada em discussões distantes e arranjadas, hoje se incorporou na estrutura de comunicação corrente, com a transigência do jornalismo de viés e dos grandes grupos que fazem parte da velha e decadente estrutura midiática, fazendo com que as polícias, além do enfrentamento do criminoso convencional, sejam agora obrigadas a desenvolver estratégias de comunicação e respostas eficazes para levar a verdade à população e proteger os policiais que sofrem verdadeiros ataques neste oceano de mentiras.

As possíveis causas dessa complexa configuração informacional deitam raízes em questões culturais, políticas e ideológicas: o idealismo filosófico, o avanço do relativismo moral, os impactos da chamada Escola de Frankfurt – cujas figuras mais proeminentes foram Max Horkheimer, Theodor Adorno e Jürgen Habermas –, e os ideias revolucionários do comunista italiano Antonio Gramsci – que pregava a destruição da cultura ocidental antes da tomada do poder pelas armas –, além de todo o desenvolvimento da moderna filosofia da linguagem. Cintra, em seu A trajetória do idealismo, de Descartes a Marx (1990), descreve muito bem e demonstra historicamente essa “posição que só pode acabar na arbitrariedade do relativismo, no ódio, na luta de classes e no desrespeito aos direitos mais fundamentais do ser humano”. Por isso, merecem estudos mais aprofundados, por fornecerem a base para o fenômeno em tela, devendo ser tratados de forma separada.

Este breve artigo, portanto, permanecerá na superfície da comunicação midiática, apresentando conceitos iniciais e fazendo apontamentos com o objetivo de aumentar a consciência situacional do leitor.

2. PÓS-VERDADE

Para um início de imersão nesse tema e busca da compreensão de algo tão nebuloso, que cada vez mais ganha destaque por sua importância no cenário mundial, Farkas e Schou (2019) fizeram a seguinte compilação acerca da idéia de pós-verdade:

  • Pós-verdade não é apenas uma era de mentiras, mas também uma nova cultura epistêmica em que a compreensão social das mentiras tem fundamentalmente mudado. (…) [Para a] professora Kathleen Higgins (2016) (…) “flagrantes mentiras são rotineiras em toda a sociedade, e isso significa que os políticos podem mentir sem condenação” (p. 9). (…) De uma perspectiva ligeiramente diferente, o professor Peter Dahlgren define pós-verdade como “um novo regime epistêmico emergente, em que a resposta emocional prevalece sobre a evidência factual e a análise fundamentada. Precisão e transparência dão lugar a análises algorítmicas do que as pessoas preferem ouvir” (Dahlgren, 2018, p. 25). (…) Além disso, na obra de Dahlgren, as “massas democráticas” também entram em cena (aqui referido como “o povo”). Eles agora só ouvem o que querem ouvir. Para Dahlgren (2018), esse desenvolvimento está ligado ao surgimento da mídia digital, apoiando “câmaras de eco” políticas (p. 25), causando não apenas novas circunscrições posturas, mas também um “regime epistêmico” completamente novo. Dessa perspectiva, a era pós-verdade “não deve ser confundida com o engano clássico ou mesmo com mentiras” (Dahlgren, 2018, p. 25), pois representa uma estrutura muito mais profunda e quase um fenômeno totalitário, mudando o próprio significado de verdadeiro e falso. Neste último ponto, Dahlgren diverge de estudiosos como Higgins, pois a proliferação de mentiras flagrantes não é suficiente para caracterizar os atuais apuros democráticos, de acordo com ele. Em linha com Dahlgren, Harsin (2015) argumenta que estamos testemunhando o surgimento de “regimes pós-verdade” (p. 331), um fenômeno plural em que os cidadãos estão presos em “bolhas de filtro ideológico” isoladas, controladas por elites políticas que tentam “usar análise de dados para gerenciar o campo de aparência e participação” (p. 331). Mais uma vez, ao invés de ser limitado a grandes quantidades de falsas informações na sociedade, a era pós-verdade representa uma cultura completamente nova ou um mundo próprio: uma subordinação política da realidade” (McIntyre, 2018, XIV). Partindo dessa linha de pensamento, “seria ingênuo pensar que a verificação de fatos pode de alguma forma conter o problema das notícias falsas” (Hannan, 2018, p. 224), como “o estado atual do discurso público não pode mais ser examinado através das lentes de desinformação” (Lewandowski, Ecker, & Cook, 2017, p. 360). Para essas vozes, pós-verdade designa “uma situação em que uma grande parte da população está vivendo em um espaço epistêmico que abandonou os critérios convencionais de evidência… uma realidade alternativa que é compartilhada por milhões” (Lewandowski, Ecker, & Cook, 2017, p. 360). Esse diagnóstico sombrio parece ter implicações graves; simplesmente desmascarar informações falsas não é mais suficiente para curar a condição de pós-verdade. Conforme resumido pela comentarista da Forbes Emma Woollacott, “política pós-factual está agora muito em evidência”, mas a verificação dos fatos tem pouco efeito, pois os cidadãos estão profundamente enraizados em “qualquer conspiração na qual eles tenham decidido acreditar” (Woollacott, 2016).

    (…) Uma das principais ameaças apontadas por Macron (ao lado do terrorismo) foi o “vírus sempre crescente de notícias falsas, que expõe nosso povo ao medo irracional e aos riscos imaginários” (Macron, 2018). (FARKAS e SCHOU, 2019, p. 53-54, tradução livre).

Não se sabe com exatidão quando a pós-verdade passou a ser um fenômeno estudado nas universidades. Porém Harsin (2018) afirma:

  • Aparentemente foi usada pela primeira vez no discurso acadêmico no início dos anos 1990, mas seu uso aumentou 2.000% entre 2015 e 2016 (Oxford Dictionaries, ND). Dois livros americanos populares de 2004 chamaram a atenção para a confiança e o conhecimento do público a que a pós-verdade agora estava atingindo. Em The Post-Truth Era, Ralph Keyes argumentou que havia chegado [período da] desonestidade em massa. No mesmo ano, em seu livro When Presidents Lie (2004), Eric Alterman cunhou o termo post-truth presidency, em referência à presidência de Bush II.

    […] John Hartley foi talvez o primeiro a empregar a pós-verdade no campo da comunicação, em seu livro The Politics of Pictures (1992a), e também propôs a ideia do jornalismo como um “regime” de verdade em Tele-ology (1992b). No entanto, ele necessariamente se refere a uma era específica de transmissão em massa – certamente pré-Web 2.0 e, na maioria dos lugares, pré-Internet (HARSIN, 2018, tradução livre, grifo nosso).

Com isso, chega-se à dinâmica de comunicação dos velhos grupos de produção e divulgação de notícias, isto é, daqueles que tradicionalmente detinham o monopólio do que poderia ser considerado verídico e que agora perdem espaço, cada vez mais, para outros grupos de mídia, ou mídias alternativas, e para as redes sociais, que não estão imunes do mesmo problema, mas apresentam uma opção diante do descrédito dos velhos grupos de comunicação. Nessa competição pela garantia da verdadeira notícia (ou até da verdadeira narrativa), os velhos grupos de comunicação encontram forte concorrência nas mídias alternativas, o que acelerou sua decadência. Em consequência, grupos ideológicos e políticos, e formadores de opinião perceberam o crescimento do levante de questionamentos aos seus discursos, e consequente perda do seu protagonismo, outrora sustentado pela velha mídia. Esses atores sociais estão sendo agora inquiridos e expostos pelos novos meios de comunicação e mídias paralelas. Em resposta a esse novo estado de coisas, esses mesmos atores buscam deslegitimar toda e qualquer comunicação que não atenda a seus interesses, alegando combater as mentiras expostas nas redes sociais. Num exame atento de suas ações, vê-se, contudo, que não estão comprometidos sinceramente com a veracidade do fato, mas com a recuperação da hegemonia do discurso e do controle da informação. Dessa forma geram mais confusão e servem como fertilizantes da pós-verdade.

D’Ancona relata esse fenômeno em seu livro Pós-Verdade: A Nova Guerra Contra os Fatos em Tempos de Fake News (2018). Segundo o autor, a velha mídia, em seu anseio de reobter o “monopólio da verdade”, denuncia outras fontes de informação como possíveis geradoras de fake news. A hegemonia da difusão de informações pelas grandes e velhas mídias é questão de disputa territorial, onde se trava o domínio da notícia e a posse da narrativa – e o espaço para questionamentos não é tolerado.

Nesse contexto, Blanco (2020) explica que há um esforço desesperado da velha mídia de manter o controle da narrativa e continuar servindo a certos grupos de interesse, para os quais trabalha há décadas:

  • Quando a grande mídia acusa as mídias alternativas de falsificadoras de notícias, o que ela está tentando fazer é esconder suas próprias mentiras. Quem acompanhou o Brexit e as eleições americanas e brasileiras viu claramente como a imprensa agiu de maneira bem pouco fiel à verdade. Assim, para livrar-se das acusações que pesam sobre ela, sua tática tem sido o uso da bem conhecida técnica de acusar os outros daquilo que ela mesmo faz. Ou seja, grita “Fake News! Fake News!”, enquanto mente descaradamente (BLANCO, 2020).

Dessa forma, a velha mídia, que deveria buscar a verdade, optou por manter a agenda dos grupos políticos coligados a ela, sendo hoje a grande geradora do ambiente de pós-verdade e produtora de fake news. Produzir noticiais manipuladas ou falsas – para manter a agenda de poder de seus aliados – enquanto acusa os outros de divulgar notícias falsas é uma das estratégias perversas implementada para sobreviver num cenário de concorrência e ocultar suas próprias incompetências, e até mesmo crimes.

Mas o problema não pára numa simples questão de sobrevivência, pois a pós-verdade agrava diversos problemas sociais: desonestidade, circulação de conhecimento falso, desconfiança social, desrespeito às evidências e fatos, etc. Ela também ajuda a cultivar um ambiente facilitador e de proteção aos criminosos. Por fim, ajuda a proliferar o câncer da própria democracia:

  • Não é exagero, então, falar da pós-verdade como um potencial crepúsculo do estado-nação democrático liberal estável e das instituições que o mantêm unido, o que explica em parte o discurso de pânico intensificado de alguns setores da política popular e da academia (HARSIN ano, apud BENNETT & LIVINGSTON, 2018, tradução livre).

3. FAKE NEWS

Na sequência do que vem sendo exposto, as fake news (“notícias falsas”) buscam, através da disseminação de notícias não verdadeiras ou manipuladas, desvirtuar a realidade. Não se trata de um fenômeno novo, porém foi amplamente difundido em 2016, quando o candidato à presidência americana, Donald Trump, acusou os seus adversários de cometer essa prática, os quais, por sua vez, acusaram-no da mesma coisa. Nesse sentido:

  • [O] primeiro uso aparece brevemente em 1992 no que diz respeito a comunicados de imprensa em vídeo, segmentos de notícias produzidos por relações públicas e depois transmitidos por telejornais como conteúdos produzidos por jornalistas por meio de procedimentos de reportagem (Rampton, 2005). Parece não ter tido uso público regular antes de 1999, quando se tornou associado a programas de notícias de comédia auto-identificados, como o Daily Show, o Weekend Update do Saturday Night Live e o The Colbert Report, que teve origens em “notícias” satíricas.”

    […] As notícias falsas foram consideradas uma forma cultural recente tão importante na pós-verdade que foram nomeadas e depois reconhecidas como a palavra do ano de 2017 pelo Collins Dictionary.(…) O relatório anual da Reuters Digital News para 2017 observa que: “As definições de fake news são repletas de dificuldades e os entrevistados frequentemente misturam três categorias: (1) notícias que são ‘inventadas’ para ganhar dinheiro ou desacreditar outras pessoas; (2) notícias que têm base em fatos, mas são ‘tecidos’ para atender a uma agenda específica; e (3) notícias com as quais as pessoas não se sentem confortáveis ou com as quais não concordam”.

    Enquanto isso, o Oxford Institute for the Study of Computational Propaganda define fake news como “informações enganosas, mentirosas ou incorretas, pretendendo ser notícias reais sobre política, economia ou cultura” (Hazard Owen, 2018).

    Embora muitas definições de fake news atribuam uma intenção de enganar para fins políticos, alguns produtores de notícias falsas têm a intenção de enganar apenas para ganhar dinheiro com a atenção e a circulação que as fake news recebem, mesmo quando podem ter efeitos políticos esperados.
    (HARSIN, p. 10, 2018 tradução livre).

Fake news não são necessariamente notícias totalmente falsas. Elas podem usar uma base parcialmente verdadeira para construir algo falso ou vice-versa, ou atuar na manipulação dos dados verdadeiros. Fazem uso de mídias que até então tinham uma boa reputação e prestígio como “fonte segura”. Aproveitando-se da velocidade e intensidade da circulação das informações, busca-se o aceite da notícia como “verdadeira”, aproveitando-se da dificuldade de refutar a falsidade por falta de meios compatíveis. São capazes de causar danos à reputação – com destaque aos ataques contra pessoas que buscam alertar contra as mentiras tidas como verdades absolutas –, amplificar fenômenos midiáticos ou causar uma falsa impressão generalizada de discórdia e descontentamento (ou contentamento) público.

Desse modo, as fake news podem afetar a vida das pessoas em vários aspectos, tanto na sua divulgação como na sua tentativa de resposta; possuem um potencial de afetar a percepção da realidade e a liberdade, e são o adubo para a criação de bolhas que dão uma falsa percepção de se estar do “lado certo”, além do aumento nas possibilidades de decisão com base puramente nas emoções, deixando de lado a razão.

O ambiente de superficialidade gerado pela “modernidade líquida”[2] afetou também as comunicações: as notícias tendem a ser de consumo rápido e de compreensão automatizada, recorrendo-se a “palavras-gatilhos”,[3] preconceitos e clichês, facilitando assim sua penetração na opinião pública e nos formadores de opinião, e contribuindo para a propagação em massa de ideais manipuladas pelas fake news.

Portanto, não se trata de simples mentiras ou falsas crenças, mas de notícias capazes de gerar confusão em meio ao excesso de informações, com técnicas para influenciar pessoas, que dificultam a capacidade de discernimento e possuem um objetivo político na maioria das vezes. Elas geram um ambiente de intensa disputa entre o inexato e o exato, o desonesto e o honesto. Não são declarações imprecisas de fatos, feitas inocentemente, ainda que de maneira antiética e arrogante, mas ações orquestradas estrategicamente para administrar através da mentira e da manipulação. É importante destacar ainda que a fake news também são uma arma de desinformação,[4] moldada através de técnicas próprias. Tudo isso alimenta um cenário de falsidade no qual o policial está inserido. E mesmo que ele trabalhe sob o rigor da lei e das técnicas profissionais, está exposto a este tipo de ofensiva.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fluidez do tema aqui abordado torna complexo o seu entendimento teórico e não esgota o assunto. Porém, o conhecimento básico sobre o tema fornece elementos suficientes para mostrar o quanto os policiais são atacados de maneira incessante e maciça por atores que desenvolveram a capacidade de difundir fake news, e sabem operar muito bem em tempos de pós-verdade – observam-se muitos exemplos neste período em que a Operação Escudo se desenrolou no município de Guarujá.[5] Nota-se nas matérias jornalísticas publicadas na velha mídia a tentativa de recusar a superioridade dos dados objetivos, negando aquilo que é observado de fato na realidade. Cria-se uma narrativa na qual o mais importante é a percepção subjetiva, para que, dessa forma, os policiais sejam criminalizados, ao mesmo tempo que é formado uma espécie de proteção a favor dos verdadeiros criminosos.

Ainda nesse contexto, a Revista Oeste[6] relatou a divulgação de um vídeo que está circulando nas redes sociais, em que um possível policial militar teria flagrado a jornalista da Globo Danielle Zampollo, do programa Profissão Repórter, num beco de uma favela no Guarujá (SP), levantando o questionamento a respeito de como a jornalista teria conseguido acessar o local e qual seria o objetivo da aparente “campanha” jornalística – e aqui não se critica o fato de ela estar na favela – dado o perigo do ambiente, poderia até ser algo digno de elogio –; porém, se existe tal esforço desses profissionais para produção de uma matéria, por que não expor a verdade? Tudo isso só aumenta as evidências de que a velha mídia passa por uma queda brutal na qualidade de seu serviço, gerando desconfiança e conflito interpretativo no público. O jornalismo produzido pelos velhos canais de comunicação, que antes eram o principal meio de divulgação de notícias, torna-se agora questionável e constantemente falível, e, pior, a todo momento desmentido e flagrado em ações antiéticas. Soma-se a isso o aumento de agentes públicos, políticos, pensadores e pseudocientistas oportunistas, aliados ao avanço das tecnologias da mídia digital para uso de seus interesses próprios, econômicos ou ideológicos, formando-se assim o caldeirão fervente em que o policial brasileiro tem que operar.

E é nesse contexto que hoje as polícias, tendo em vista as suas obrigações constitucionais e características próprias, especialmente na preservação da ordem pública, devem inserir, em sua estratégia institucional, ações capazes de garantir a permanência de suas atividades. Com coragem, conhecimento, habilidade e atitude, enfrentar os criminosos e garantir a adequada defesa aos polícias diante dos ataques no ambiente informacional. Aperfeiçoar sua capacidade de produzir uma comunicação com rapidez adequada, capaz de garantir resiliência institucional.

Cabe às polícias aprender que a linguagem é a principal arma da guerra informacional em curso, na qual involuntariamente elas já estão inseridas, e entender como a representação simbólica pode ser usada tanto para a verdade quanto para a sua manipulação. Aceitar submeter-se à linguagem ideológica, compactuar com a censura ou difundir e aceitar fake news significa derrota. A consequência é ter uma polícia refém daqueles que preferem descartar a verdade, se for necessário, para manter uma agenda de poder, esvaziando assim qualquer tentativa eficaz de proteção da sociedade.

Também é importante destacar que rádios, revistas, telejornais, mídias sociais de notícias positivas ou negativas impactam direta e indiretamente a dimensão psicológica do policial. E quando existe uma produção de notícias negativas, fruto das fake news, o principal ativo da instituição – o ser humano – é atingido e cada vez mais a sua vontade de combater o crime é diminuída: o policial que sofre constantemente com esse tipo de ataque torna-se naturalmente um profissional desmotivado, resultando numa diminuição da produtividade e consequente aumento do crime. Um estudo que comprova isso é o que fôra realizado para demostrar o chamado “Efeito Ferguson”: quando a polícia sofre este tipo ataque midiático, a criminalidade aumenta vertiginosamente. [7]

Por fim, destaca-se que a maioria dos policiais contrai, ao longo de sua árdua educação policial, uma perspectiva reduzida às condicionantes estritamente operacionais físicas, e não é capaz de reconhecer a intensa vinculação da dimensão informacional à ordem pública. Portanto, é urgente haver uma ampliação da agenda policial, incluindo-se a adoção de estratégias mais diversificadas, centradas não apenas em uma perspectiva policial convencional, ainda que a instituição jamais possa prescindir de poderio bélico robusto e pessoal apto para os combates no ambiente físico clássico e no continuo desenvolvimento das técnicas policiais. Os comandantes e chefes responsáveis pelo planejamento devem adotar, impositivamente, modelos responsivos adequados às dinâmicas e aos desafios modernos, sobretudo fazendo frente ao vazio deixado na sociedade pela velha mídia e se posicionando como fonte segura na recomposição da confiança social diante de matérias jornalísticas. Não se pode poupar empenho na defesa da verdade, caso contrário a mentira será favorecida. E quando a ideia falsa consegue ser imposta sobre a opinião pública, e ninguém está disposto a defender a verdade, a sociedade fica vulnerável, e prejuízos tremendos impactam a população.

Como o professor Carvalho (2015) consignou: “A opção pela verdade deve ser refeita diariamente, entre hesitações e dúvidas que constituem o preço da dignidade humana”.


[1] https://www.defesanet.com.br/destaque/noticia/1054610/sd-reis-o-dia-seguinte/

[2] O conceito modernidade líquida foi desenvolvido pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman, e diz respeito a uma nova época em que as relações sociais, econômicas e de produção são frágeis, fugazes e maleáveis, como os líquidos.

[3] “Palavras-gatilhos” são aquelas capazes de provocar uma reação nas pessoas que agem diretamente no cérebro, com a base na psicologia, provocam um sentimento favorável ou desfavorável.

[4] PACEPA (2015) e BITTMAN (2019).

[5] https://www.saopaulo.sp.gov.br/sala-de-imprensa/release/operacao-escudo-policia-apreende-municao-e-drogas-em-ocupacao-ilegal-no-guaruja/#:~:text=A%20Opera%C3%A7%C3%A3o%20Escudo%20teve%20in%C3%ADcio,participaram%20da%20morte%20do%20policial

[6] https://revistaoeste.com/imprensa/o-que-a-globo-estava-fazendo-na-favela-do-guaruja/

[7] Estudo realizado na cidade americana de St. Louis pelo chefe de polícia Sam Dotson, que chamou de Efeito Ferguson ao constatar que policiais eram desestimulados a trabalhar, evitando ações discricionárias, como abordagens, enquanto os criminosos passaram a se sentir à vontade para cometimento de delitos. O fenômeno ocorreu após intensos protestos que se basearam numa narrativa criada e multiplicada pela imprensa, pelo movimento extremista Black Lives Matter e por políticos americanos, com a morte de um negro por policiais, fomentando o discurso de que a polícia era racista, violenta e mal-preparada. As prisões caíram um terço desde o evento e, consequentemente, os homicídios subiram 47% e os roubos aumentaram 82%.

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