O Dia Seguinte: OS “ESPECIALISTAS” – 2ª PARTE

O DIA SEGUINTE: OS “ESPECIALISTAS” – 2ª Parte

Major PM Erich Nelson Cardoso Hoffmann
Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP)
Doutorando em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública


Nota DefesaNet
O presente artigo complementa o publicado: O DIA SEGUINTE: PÓS-VERDADE e FAKE NEWS – 1ª PARTE
O Editor


  1. INTRODUÇÃO

Ainda sobre o day after (“dia seguinte”), enfrentado pelos policiais, tomando como exemplo a chamada Operação Escudo, desencadeada no último mês pela Polícia Militar do Estado de São Paulo. No primeiro artigo foi exposto o ambiente de pós-verdade e fake news em que está inserido o policial brasileiro, um verdadeiro campo minadoinformacional contra as polícias e a favor dos criminosos. Para continuar o entendimento do tema, este artigo tratará de um elemento que se destaca nesse tipo de fenômeno: os “especialistas em segurança pública”, atores que deveriam trabalhar em favor da sociedade, mas que, no fim, se revelam contrários àquilo que se espera de legítimos especialistas.

Sabemos que a segurança pública deve ser estudada e analisada em seus diversos campos formalmente consolidados – a técnica policial propriamente dita, a justiça criminal, a política penitenciária, etc. Todavia o seu raio de interesse não se encerra aí: deve permear todas as conexões com os direitos humanos, as múltiplas e complexas relações sociais (nas quais se incluem a própria polícia), questões de desigualdade social e suas repercussões em todas as faixas etárias, as alterações do mercado legal, bem como a estruturação dos comércios ilícitos, e muitos outros ramos científicos. Os temas de pesquisa e estudos na área de segurança pública, portanto, são incontáveis e variados, exigindo, assim, buscas pelo conhecimento a partir de diferentes objetos e métodos.

Nesse contexto, a primeira premissa que pauta este artigo é que não deve haver qualquer tipo de negação ou restrição das pesquisas universitárias, da participação de sociólogos, antropólogos, filósofos, físicos, químicos, médicos ou outros na construção de uma ciência policial forte, robusta e focada na melhoria contínua das polícias. Não há dúvida de que a participação desses profissionais em discussões abertas travadas em veículos de comunicação elevaria a qualidade das matérias jornalísticas, entregando à população um conteúdo cada vez melhor, analisado sob diferentes pontos de vista. O que se almeja é a expansão dos participantes no diálogo, justamente o contrário do que ocorre hoje. Infelizmente, constata-se na atual programação da velha mídia uma espécie de monopólio das opiniões daqueles apresentados como “especialistas em segurança pública”, em relação à atuação das polícias.

Não cabe aqui negar a participação de quem quer que seja, pois se crê importante a integração de especialistas e intelectuais – sendo eles ungidos ou não – ou mesmo de formadores de opinião em geral. Afinal, a transparência é um requisito constitucional do serviço público. Porém, vê-se claramente os efeitos negativos, para a sociedade, da hegemonia dos ditos “especialistas em segurança pública” e seu discurso impositivo, por vezes preconceituoso e sem qualquer compromisso com a verdade. Nossa intenção é repelir qualquer imposição totalitária ou censura, e assim promover a democratização do tema, com a participação inclusiva de policiais, outros intelectuais e pesquisadores não alinhados com uma agenda única.

Este texto se delimita ao “especialista de segurança pública” fácil de se identificar, com presença cativa na velha e grande mídia. Enquanto as instituições policiais buscam a excelência e tentam se conectar com os meios universitários, adequando seus currículos às necessidades metodológicas exigidas pela academia e pelos meios científicos, criando procedimentos alinhados a programas de excelência da gestão, eles, os especialistas em tela, ensimesmados e arrogantes, insistem em acusar de ilegais ou abusivas as ações contra o crime, deslegitimar ou ignorar as ciências policiais e todo o saber científico produzido por elas. Ignoram a vivência policial, como se a vida real simplesmente não fosse algo importante para o debate. Sob uma pressuposta autoridade, consideram-se os únicos detentores do conhecimento científico no Brasil e, ipso facto, habilitados a analisar e comentar as operações policiais. Agindo dessa forma, porém, alargaram um imenso abismo entre eles e a vida real, entre suas confortáveis poltronas e a realidade das ruas.

A polícia ocupa lugar central no complexo modelo de segurança pública brasileiro. Quando um “especialista” a censura ou a deixa apartada (isto é, finge que ela não existe no momento de opinar sobre segurança pública), fomenta a própria decadência do grupo de comunicação que lhe proporciona a palavra, pois, ao ignorá-la, ignora também a realidade dos fatos e atenta contra a inteligência e o bom senso da população, consciente da função essencial dessa instituição.

Um discurso muito comum na velha mídia – quando não se tem mais nada para justificar sua postura desconectada da realidade – repete ad nauseam que a instituição policial não produz ciência, por isso não deve ser ouvida. Essa declaração de superioridade intelectual, muito persuasiva aos que ignoram completamente a atividade policial, só é validada por alguns ouvintes que, na verdade, fazem parte do mesmo grupo e possuem os mesmos interesses, por vezes nada democráticos e éticos.

Esclarecida a importância da participação de todos no debate sobre segurança pública, desde que o interesse seja a melhoria desse serviço tão essencial à população, segue-se a apresentação de algumas considerações e estudos específicos que apontam os problemas envolvendo esses tais “especialistas”, sendo o mais grave a sua transformação em um instrumento político-ideológico de subversão do saber científico das instituições policiais, em benefício de uma agenda de poder, afastando-se assim das necessidades da população e da busca sincera pela verdade.

2 “TODOS SÃO ESPECIALISTAS EM SEGURANÇA PÚBLICA, ATÉ OUVIREM O PRIMEIRO TIRO… DEPOIS SÓ FICAM OS POLICIAIS”

Um especialista em pontes, por exemplo, é um engenheiro que saiba operar os cálculos necessários para construir uma ponte sem que ela caia, e já tenha construído no mínimo algumas delas. Um cirurgião especialista é um médico que estudou para isso e já fez inúmeras cirurgias. E nenhum piloto se torna um especialista no Airbus A380 sem tê-lo conduzido, muito menos sem ter pilotado um avião. Entretanto, para a velha mídia, isso é irrelevante quando a pauta é segurança pública. De maneira “ungida”, aquele que jamais entrou numa viatura policial se torna num passe de mágica “especialista” em segurança pública.

Uma primeira inconsistência dos tais “especialistas” é o uso de uma espécie de muleta linguística: busca-se amparo em estudos científicos de universidades brasileiras sem a preocupação com a relevância desses trabalhos, mas apenas com certo verniz de autoridade dado por eles. Esse estratagema, no entanto, não se sustenta a uma breve verificação. Vejamos: infelizmente nossas escolas superiores, quando analisadas num dos principais rankings mundiais de universidades, o Times Higher Education, realizado pela publicação especializada em ensino superior do jornal inglês The Times, não se mostram nada promissoras. A principal delas, a Universidade de São Paulo (USP), encontra-se numa posição entre a 201ª e a 250º.[1] Ou seja, é nesse ambiente de baixo rendimento, numa comparação mundial, que são gerados alguns dos tais “especialistas” e seus estudos “irrefutáveis”, nos quais se encontra a matéria-prima dos argumentos da predileção da velha mídia. Isso não significa, porém, uma vantagem às ciências policiais praticadas pelos membros das corporações policiais, pois há muito ainda a se avançar nessa área; tanto os policiais quanto os “especialistas” têm um longo caminho a evoluir na construção de uma ciência que verdadeiramente traga benefícios à população. O que se crítica não é a universidade em si mesma (que muito pode contribuir para a sociedade), mas o argumento utilizado de forma vazia, apenas como argumentum ab auctoritate. Para esse fim, resta aos “especialistas” o uso de autores badalados por eles mesmos, mas que estão longe de ser verdadeiros conhecedores do assunto.

O quadro atual das universidades no Brasil é ainda mais grave do que isso e mereceria muitas outras laudas. É de fundamental importância para o entendimento do problema constatar a presença quase onipresente nelas de uma cultura marxista, que afeta toda a produção científica no país e foi bem resumida por Puggina, em seu artigo “O mundo político de Paulo Freire” (2017):

  • Durante décadas, vivemos sob ditadura marxista no ambiente acadêmico. Era marxista a chave de leitura par todos os fenômenos sociais, históricos, políticos e econômicos. Eram marxistas os parâmetros curriculares, a bibliografia, os referenciais teóricos, as provas, as respostas aceitas como corretas e as teses. Todo o ensino se abastecia na mesma padaria, e todo opção do saber era servido com fermento marxista. Descendo os degraus para os demais níveis, nutrida do mesmo pão, servia do que lhe fora dado. E assim se formavam jornalistas, mestres, doutores e alfabetizadores. Marx no topo e Paulo Freire na base. A alfabetização, que era feita em poucos meses no primeiro ano do Ensino Fundamental, hoje não se completa em três anos. E 63% da população é analfabeta funcional. Eis a excelência em injustiça social! (…) E meio milhão de zeros na redação do Exame Nacional do Ensino médio (ENEM) de 2015. (PUGGINA, 2017, p.192).

Mesmo diante de toda essa precariedade e contaminação ideológica, que amputa a busca pelo conhecimento, é muito comum ver “especialistas” mais preocupados em citar pesquisadores pelo que os outros dizem deles – os amigos dos amigos – do que referenciar autores ou pesquisas por sua relevância. Com isso desprezam a verdade, para antes agradar a uma agenda política. Confrontados, porém, com os dados da realidade, sofrem seguidas derrotas.

Percebe-se ainda outro problema no discurso dos “especialistas”: a ausência de menção a fontes primárias. É fundamental que se busquem dados provenientes diretamente dos personagens ou das testemunhas mais próximas envolvidas num evento policial, e assim validar o conteúdo produzido, seja ele uma matéria jornalística ou um trabalho acadêmico. Raramente se vê a participação de policiais e até mesmo das vítimas de crimes na maioria das pesquisas apresentadas ou dos noticiários, e mesmo quando aparecem, são escolhidos sem um rigor científico adequado. Isso é fundamental, pois uma vez verificada a autenticidade das fontes primárias, elas quase sempre têm por si próprias a força de esclarecer fatos, separando o erro e a mentira.

3 A TIRANIA DOS ESPECIALISTAS

A expressão “tirania dos especialistas” foi cunhada por William Easterly e descrita em seu livro The Tyranny of Experts: Economists, Dictators, and the Forgotten Rights of the Poor (2013). O autor descreve uma ilusão tecnocrata, em que seria possível, através de soluções puramente técnicas, resolver o problema da pobreza e da desigualdade, esquecendo-se de que este é um sintoma, e não uma causa:

  • O que costumava ser o direito divino dos reis tornou-se em nosso tempo o direito de desenvolvimento dos ditadores. A visão implícita no desenvolvimento hoje é a de autocratas bem-intencionados aconselhados por especialistas técnicos, o que este livro chamará de desenvolvimento autoritário. A palavra tecnocracia (um sinônimo de desenvolvimento autoritário) é uma cunhagem do início do século XX que significa “governo de especialistas”.

    A manipulação que concentra a atenção em soluções técnicas, enquanto encobre violações dos direitos de pessoas reais, é a tragédia moral do desenvolvimento hoje. Os direitos dos pobres (…) são fins morais em si mesmos. Abordagens moralmente neutras para a pobreza não existem. Qualquer abordagem buscando o desenvolvimento respeitará os direitos dos pobres ou os violará. Não se pode evitar essa escolha moral apelando para “opiniões não ideológicas”, para “políticas baseadas em evidências” (uma frase popular em desenvolvimento hoje).

    O desenvolvimento autoritário também é uma tragédia pragmática. A História e a experiência moderna sugerem que indivíduos livres (…) constituem um fator notável para um sistema de solução de problemas bem-sucedido. O desenvolvimento livre nos dá o direito escolher entre uma miríade de soluções espontâneas de problemas, (…) realizar muito mais do que ditadores que implementam soluções fornecidas por especialistas. (EASTERLY, 2013. p. 6, tradução livre, grifo nosso).

Por sua vez, Bicalho, Kastrup e Reishoffer (2012) defendem que há uma proliferação de especialistas sem a necessária expertise, os quais observam o problema apenas pela “fresta aberta pela particular área de seu conhecimento científico, sem que ousem abri-la por completo”. A atuação desses “especialistas em segurança pública” seria uma “noção produzida e fortalecida dentro da ordem científica positivista”, e, por isso, deveria ser reavaliada e transformada. Para tanto, seria “imprescindível que uma ordem social para os coletivos interessados seja construída com os próprios interessados”. Ou seja, deve-se buscar uma discussão que também inclua os profissionais atuantes nas polícias, ideia extraída do Coronel Azor Lopes da Silva Júnior, que ainda expôs em seu artigo:

  • Nessa realidade social a academia é tocada por uma demanda e dela  despertam pesquisadores e “especialistas” nem sempre dotados de expertise científica para uma imersão num tema tão complexo, levando-os, não raras vezes, a observar o problema a partir da fresta aberta pela particular área do conhecimento científico, sem que ousem abrir a janela por completo e – mais gravemente – sem se ter em conta que, mesmo que ela fosse aberta, ainda haveria a limitação do horizonte. Não se percebe que a ciência busca as verdades ao mesmo tempo em que o pensar científico refuta verdades absolutas e incontestáveis (JÚNIOR, 2018).[2]

Já Nassim Nicholas Taleb, escritor e analista líbano-americano, afirma que o uso da palavra “especialista” é uma espécie de eufemismo para um termo que ele entende ser o mais exato: intellectual yet idiot (“intelectual porém idiota”), ou IYI. Segundo Taleb, trata-se do sujeito que se vangloria de sua inteligência, sem deixar, porém, de ser um idiota. Em seu livro Skin in the Game: Hidden Asymmetries in Daily Life, Taleb afirma que:

  • esses membros autodenominados da intelligentsia não conseguem encontrar um coco na Ilha Coconut, o que significa que eles não são inteligentes o suficiente para definir a inteligência, portanto, caem em circularidades – mas sua principal habilidade é a capacidade de passar em exames escritos por pessoas como eles.

    (…) De fato, pode-se ver que esses burocratas acadêmicos que se sentem no direito de conduzir nossas vidas nem mesmo são rigorosos, seja nas estatísticas médicas ou na formulação de políticas. Eles não conseguem distinguir a ciência do cientificismo – na verdade, em suas mentes orientadas para a imagem, o cientificismo parece mais científico do que a ciência real.

    (…) O IYI tem uma cópia da primeira edição de capa dura de The Black Swan em suas prateleiras, mas confunde ausência de evidência com evidência de ausência. Ele acredita que os transgênicos são “ciência”, que a “tecnologia” não é diferente da criação convencional, como resultado de sua prontidão em confundir ciência com cientificismo.

    (…) No conforto da sua casa de subúrbio com garagem para dois carros, defende a “remoção” de Kadafi por ser “um ditador”, sem perceber que as remoções têm consequências (lembre-se que ele não coloca sua pele em jogo e não paga pelos resultados).

    O IYI esteve errado, historicamente, sobre o stalinismo, o maoísmo, os transgênicos, o Iraque, a Líbia, a Síria, as lobotomias, o planejamento urbano, as dietas com baixo teor de carboidratos, os aparelhos de ginástica, o behaviorismo, as gorduras trans, o freudianismo, a teoria de portfólio, a regressão linear, o gaussianismo, o salafismo, a dinâmica modelagem de equilíbrio estocástico, os projetos habitacionais, o gene egoísta, os modelos de previsão eleitoral, o Bernie Madoff (pré-explosão), etc. Mas ele está convencido de que sua posição atual é a correta.

    O IYI é membro de um clube para obter privilégios de viagem; se cientista social, ele usa estatísticas sem saber como elas são derivadas (como Steven Pinker e psycholophasters em geral); quando está no Reino Unido, vai a festivais literários; (…) ele nunca leu Frederic Dard, Libanius Antiochus, Michael Oakeshott, John Gray, Ammianus Marcellinus, Ibn Battuta, Saadia Gaon ou Joseph de Maistre; (…) (TALEB, 2016, tradução livre, grifo nosso.)[3]

E num artigo de 2020 publicado pela American Institute for Economic Research (AIER), Barry Brownstein denunciou a cobertura da mídia e da reação emocional resultante de nossas estimativas de risco. Alertou que muitas pessoas esperam ações draconianas impostas pelo governo, e com isso estão mais suscetíveis a acreditar em teses apenas por seu caráter autoritário. Desse modo, muitos tendem a confiar nas decisões dos “especialistas”, convictos de que estes estão impondo uma solução, caindo assim num grande erro, pois os tais “especialistas” também têm os mesmos preconceitos cognitivos do restante da população:

  • Não importa quão sinceros sejam os especialistas, sua preferência por ações decisivas por parte do governo distorcerá sua concepção de risco e guiará suas recomendações políticas.

    Não se deixe enganar pela aparência de confiança por parte dos especialistas. A confiança deles não é motivo para confiar neles. Kahneman adverte: “Profissionais confiantes demais acreditam sinceramente que têm experiência, atuam como especialistas e se parecem com especialistas. Você terá que se esforçar para se lembrar de que eles podem estar sob o domínio de uma ilusão.

    (…) Em seu livro A sabedoria das multidões, James Surowiecki explica que não há evidências reais de que alguém possa se tornar especialista em algo tão amplo quanto “tomada de decisão” ou “políticas públicas”.

    Entre os cientistas que enfrentam uma “enxurrada de informações” todos os dias, Surowiecki ressalta: “A reverência ao conhecido tende a ser acompanhada de um desdém pelo que não é tão conhecido”.

    Surowiecki não está argumentando “que a reputação deva ser irrelevante”, mas a reputação “não deve se tornar a base de uma hierarquia científica”. Em vez disso, um “compromisso resoluto com a meritocracia” alimenta a descoberta. Na crise atual, onde as vozes dissidentes estão sendo excluídas, é difícil ver como o compromisso com a meritocracia está sendo mantido.

    Surowiecki aponta para a “diversidade cognitiva” como uma chave para formar equipes que são mais do que a soma de seus membros. Surowiecki tem conclusões contra-intuitivas para aqueles que acreditam na tomada de decisões por especialistas de elite.

    (…) Como nós, esses especialistas não conseguem ver facilmente o que não sabem. Kahneman e Slovic nos diriam que estão sujeitos aos mesmos preconceitos cognitivos que outros seres humanos. Eles e outros membros de sua equipe não estão isentos de fragilidades humanas, como o desejo de poder. Eles tendem a ser superconfiantes. Sua experiência é provavelmente “espetacularmente limitada”.

    Surowiecki nos pede que consideremos por que “nos apegamos tão fortemente” à crença falsa “de que o especialista certo nos salvará”. Por que acreditamos que os especialistas certos irão de alguma forma se antecipar e demonstrar seus conhecimentos superiores? Surowiecki nos aponta uma série de estudos daqueles que consideraram que os julgamentos de “especialistas” não são consistentes com os julgamentos de outros especialistas na área e nem consistentes internamente. (BROWNSTEIN, 2020, tradução livre.)[4]

Não obstante, em tempos de “pós-verdade”, fica cada vez mais difícil saber o que é ou não falso. Cada vez mais a tarefa de acompanhar a mídia torna-se algo confuso e mentalmente exaustivo para a população. Usados como subterfúgio para dar a uma “notícia” ares de respeitabilidade, sem base factual, esses “especialistas” aqui descritos vêm contribuindo muito para a queda de credibilidade da imprensa – com o tempo a população percebe que está sendo enganada, e o clima negativo gerado pela mentira só aumenta. Nesse sentido, a velha mídia está repleta de exemplos de esculturas à pós-verdade. Assumindo um “ar científico”, empregando à exaustão manchetes bombásticas, ela cria uma espécie de cortina de fumaça que desnorteia a população.  

4 – NEM TUDO DEVE SER SACRIFICADO NO ALTAR DA CIÊNCIA E DA TÉCNICA

O cientista político português João Pereira Coutinho, em entrevista ao filósofo Luiz Felipe Pondé, ao criticar a validação exclusiva do conhecimento técnico, afirmou que “nem tudo tem que ser sacrificado no altar da ciência e da técnica”.[5] Coutinho afirma que existem outras formas de conhecimento, e dar prioridade à voz da ciência não significa submeter-se a uma ditadura da técnica. Em sua entrevista, Coutinho pautou sua explicação nos ensaios de Oakeshott a respeito de política racionalista.[6]

Michael Oakeshott (2016), filósofo inglês, apresenta a política racionalista como uma expressão da política de fé,[7] a qual tenta uniformizar e massificar as pessoas por meio de uma imposição governamental, decretando-se a forma correta de viver, a solução racional única de todo e qualquer problema, a ideia de conhecimento científico superior a qualquer outra forma de conhecimento existente na sociedade, etc. Em outras palavras, a política racionalista se separou de todo o conhecimento tradicional da sociedade, recusando valores de qualquer educação para além do mero treino de uma técnica específica de análise.

Nessa mesma linha de pensamento, há uma convergência com o argumento do economista estadunidense Thomas Sowell, autor de Os Intelectuais e a Sociedade. Nessa obra, Sowell aponta a existência de uma casta privilegiada, composta em sua maioria por acadêmicos, jornalistas e juristas, chamados por ele de “intelectuais ungidos”, os quais, mesmo tendo ideias e conceitos por vezes totalmente desconectados da realidade prática das pessoas, acreditam que lhes cabe a missão de guiar os outros na direção de uma vida melhor, pois seriam os únicos capazes de oferecer à sociedade soluções, planos e luzes que, uma vez seguidos, trariam segurança, paz, prosperidade, igualdade e toda sorte de devaneios utópicos a todo mundo. Para isso recebem a sustentação e a legitimidade necessárias do restante da intelligentsia.[8]

Outra entidade colocada num altar de adoração são as universidades: o conhecimento científico seria o único válido, todo o resto devendo ser desprezado, e a instituição responsável por ele seria superior a qualquer outra fonte. Não só isso: uma vez considerando-se superior, todo o resto teria de ser descartado. Portanto, não haveria problema em ignorar a tradição familiar – e descartar todo conhecimento entre as gerações ­–, ou ignorar o mercado, que conhece os preços, a escassez e a produção. Tais conhecimentos práticos também se tornariam irrelevantes. Ou mesmo se desprezaria a religião e sua força de religar o ser humano na sua essência, eliminando todo o arcabouço de conhecimento dessa fonte. Ora, se a universidade é a instituição superior dentre todas as outras, então a validação acadêmica – pois é inadmissível a uma pessoa ser um intelectual e não ter diplomas, como uma espécie de grilhões – confere aos “especialistas” as chaves necessárias para abrir as portas da velha mídia, e com isso garantir sua presença no debate público. Alçados à condição de entes superiores na sociedade, essas figuras se acham responsáveis pela missão de comandar a população em seus mínimos detalhes, já que são os detentores do conhecimento técnico, habilitados para determinar qual é o melhor jeito de se fazer as coisas.

E munido de um diploma universitário, os “especialistas”, intelectuais ungidos, recebem uma blindagem – outro grande privilégio dos membros dessa casta – e, assim, nunca são cobrados por suas ideias – por mais desastrosas que elas sejam, estarão imunes de qualquer sanção. Eles podem dizer o que quiserem, jamais se responsabilizarão pelas consequências de suas posições. Na segurança pública encontram-se grandes exemplos de tal imposição de opinião, de julgamentos e de condenações somente com base nos privilégios dados aos “ungidos”, os quais decidem, porém sem nunca porem a sua pele em jogo. Um médico, um policial ou um engenheiro que cometa um erro certamente será responsabilizado, mas o “especialista” tem carta branca para defender qualquer absurdo em segurança pública, mesmo que isso resulte na morte de milhares de inocentes, o que não seria uma novidade, uma vez que os “ungidos” até hoje defendem abertamente sistemas políticos genocidas. Consequentemente, eles seguem imunes, fortalecidos no campo ideológico, influenciando as políticas públicas na área de segurança, participando dos resultados negativos nessa área – que hoje são evidentes –, mas que em nada os abala.

Para a classe ungida, segundo Sowell, o povo não esclarecido é um laboratório social particular (isso mesmo, o povo pode ser usado como ratos de pesquisa) e deve passivamente obedecer à sua ingerência, não importa se concorde ou não – afinal, quem o povo pensa que é para questionar os “intelectuais ungidos”? E caso o povo não concorde ou prefira algo diferente da opinião dela, a força deve ser usada contra ele – afinal, os “ungidos” sabem o que é melhor para a sociedade, mesmo que isso gere morte e caos. Armados do seu cientificismo, não duvidam de sua capacidade ou do seu “direito” e “dever” de decidir pelos outros.

A instalação de uma política da fé, aqui personificada nos “especialistas”, faz surgir todo tipo de personalidade maligna, que se crê possuidora das ferramentas de mudança do mundo, a fim de criar um paraíso na terra (ainda que isso resulte em transformá-la num inferno). Baseado nesse tipo de pensamento, aliado às ambições revolucionárias, o mundo presenciou e ainda pode presenciar grandes tragédias humanas. A política do racionalismo, quando desenvolvida sem freios, toma a sua forma hostil à liberdade – ou seja, o racionalista ataca a liberdade real em nome de uma liberdade abstrata.

Vale repetir: as universidades são responsáveis por muitos avanços sociais, tecnológicos, etc. Porém o que se busca denunciar neste artigo é o sequestro das escolas superiores e de profissionais especializados – que são um bem para a humanidade – para fins políticos de dominação, e o uso de “especialistas” – aqui descritos (e não todos) de forma generalizada – como soldados de um exército totalitário. Porque se antes um diploma era sinal de conhecimento arduamente conquistado e a liberdade era a base para o exercício de qualquer ciência, hoje tal expediente é usado para fins diversos da sua própria essência. Aproveitando-se do diploma, mas sem honrá-lo, os “especialistas” abusam de suas opiniões e metem o bedelho em diversos problemas enfrentados pela sociedade, desde questões sanitárias até segurança pública, corrompendo a verdadeira “comunidade científica”, ou denegrindo os verdadeiros “especialistas”, usando apenas o status como argumento final para impor uma ideologia ou uma agenda, uma vez que ninguém pode questioná-los, pois já foram devidamente ungidos e estão isentos de qualquer responsabilização por danos causados por seus “estudos” ou opiniões.

5 – DO CONFORTO DA “TEORIA” PARA REALIDADE DA “PRATICA”

A sociedade se acostumou aos ditames apresentados pelos “especialistas”, sempre com suas “soluções inquestionáveis”, sem a devida valoração diante da vida real. Os exemplos de erros contendo o carimbo de “ciência” são múltiplos: desde desencarceramento em massa, liberação de drogas ou desarmamento civil até formatos de policiamento mirabolantes, que trouxeram ou podem trazer danos nefastos para toda sociedade. São “especialistas” que exigem uma rigidez científica que só é invocada para dar suporte aos seus interesses, pois, quando lhes convém, é descartado todo método, recorrendo-se, se for o caso, até mesmo à censura. Para citar um dos incontáveis exemplos existentes, facilmente localizados na mídia, Vilardi (2010) revela a dissonância entre “teoria” e “prática” nos resultados da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (CONSEG), realizada em 2009, destacando que:

  • ainda no sentido da inexistência de comprovação de que políticas públicas de segurança são eficientes na redução de índices criminais, é importante a menção aos programas divulgados na 1a Conferência Nacional de Segurança Pública que fizeram parte da “Feira de conhecimento” que integrava o evento. Salvo raras exceções, os projetos apresentavam dados referentes ao programa tais como data de implementação, normas legais, número e órgãos participantes, pessoas atendidas, todavia, não faziam menção a avaliações ou impactos observados no campo da prevenção criminal ou sentimento de segurança. Muitas das ações caracterizavam-se como políticas públicas de segurança, mas era nítida nas apresentações dos representantes dos projetos a vinculação com o campo da prevenção de delitos, apesar da inexistência de dados que a comprovassem. (VILARDI, 2010, p. 149–150)

Em outro artigo, especificamente sobre o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), uma fonte muito usada pelos “especialistas”, Vilardi (2022) esclarece:

  • Vale destacar que em uma das suas mais importantes publicações, qual seja, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, constata-se claramente a baixa relevância reservada no documento a respeito de dois dos problemas de segurança pública que mais afligem a sociedade brasileira nos “últimos quarenta anos”, quais sejam, os furtos e roubos em geral, o que, nitidamente, demonstra o alinhamento com as perspectivas marxistas ou suas derivantes “anticapitalistas” que menosprezam, ou até abominam, o direito à propriedade e compreendem como raízes causais do problema criminal o próprio sistema capitalista. Além disso, a comparação entre as perspectivas apresentadas nos textos, análises e temas de destaque do Anuário Brasileiro de Segurança Pública com as vertentes e preocupações da denominada “criminologia interseccional”, evolução da “criminologia crítica” fundada em pressupostos marxistas, nos termos expostos pelo IBCCRIM, demonstra um claro alinhamento ideológico e de referenciais teóricos, demonstrando que mais importante do que as demandas concretas da sociedade, as pautas políticas e ideológicas se sobrepõem na eleição das prioridades institucionais do FBSP. Um outro claro indicativo destes prejuízos é exemplificado na insistência do FBSP no ilegal conceito de “mortes violentas intencionais”, em total afronta às recomendações e padronizações internacionais, o que demonstra a nítida intenção de criminalização dos policiais, a exemplo da comparação realizada entre as mortes decorrentes de oposição à intervenção policial, ou seja, criminosos mortos em confronto com a polícia e as pessoas vítimas de latrocínio. De modo mais claro, o FBSP tenta equiparar a vítima de um roubo que teve sua vida ceifada pelo criminoso com o criminoso que é morto ao enfrentar uma ação policial legal. Além disso, busca equiparar o assassino que mata sua vítima para roubar ao policial que arrisca sua vida para cessar a ação criminosa. Se há alguma dúvida a respeito do objetivo do FBSP com tal conceito, basta verificar as recorrentes afirmações presentes nos Anuários e replicadas em veículos de imprensa: “O número de vítimas da letalidade policial (3.345 pessoas mortas pela polícia) continua superando o de vítimas de latrocínio (2.314 vítimas), o roubo seguido de morte que tanto amedronta a população”. (FBSP, 2016, p. 130). Mais grave ainda é a omissão e distorções metodológicas deliberadas de dados, como ocorrido na última publicação do Anuário, na qual são computados como presos os criminosos que estão cumprindo penas alternativas (regime aberto, sursis, livramento condicional, restritivas de direito etc.) nas ruas, e como “monitorados eletronicamente” criminosos que não estão sendo monitorados, omitindo-se, além disso, a existência de outras centenas de milhares de criminosos condenados que se encontram em regime aberto, sursis, livramento condicional ou restritivas de direito, cujos dados não são alimentados pelos Estados junto ao Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), a exemplo dos cerca de 350 mil criminosos nestas condições em São Paulo, com a finalidade de “inflar” os dados sobre o sistema prisional e transmitir a errônea ideia de que há mais condenados cumprindo penas dentro das prisões do que fora. (VILARDI, 2022, p. 14).

Não cabe aqui pregarmos o descrédito dos especialistas de forma geral, mas exigir sua honestidade e coerência nos dados apresentados. Sociólogos, psicólogos, antropólogos são bem-vindos, desde que se posicionem sem omissões ou mentiras ao público. Evitar os exageros dessa falsa autoridade dos “especialistas” é o que se pretende. Exigir a busca das melhores soluções para segurança pública sem que colecionadores de títulos e diplomas possam estar acima dos fatos, da razão e da liberdade. E lutar contra imposições de regras absurdas que fariam a inveja dos maiores ditadores da história.

Verificou-se até aqui, uma permanente contradição nos atuais “especialistas”. Ao se posicionarem publicamente, em geral apresentam um pensamento alinhado a um projeto de poder político, que por vezes tem em sua agenda itens causadores de problemas que estão no cerne da questão. Ou seja, no instante mesmo em que opinam, eles militam em favor de uma causa política geradora de problemas na segurança pública, quando, em verdade, deveriam ser os primeiros a buscar isenção ideológica e consequente validação científica de suas opiniões. Por isso, não será possível avançar no combate aos problemas da segurança pública brasileira enquanto os “especialistas” estiverem restritos ao discurso “direita-esquerda”, ou “conservadores-progressistas”, uma vez que esse tipo de polarização só serve como cortina de fumaça e desvio de atenção às verdadeiras soluções.

Em razão dessa contaminação ideológica, a função da polícia vem sendo, nos últimos anos, colocada constantemente em discussão pelos “especialistas”, o que seria válido, se isso estivesse sendo feito de forma honesta – focado no bem comum e na verdade. No Brasil é notória a forte influência de intelectuais ungidos, fazendo com que modelos propostos, análises, ou discussões estejam alinhados a uma determinada agenda ideológica, a qual importa mais do que a busca por um serviço de excelência para o cidadão. Dessa forma, a polícia é vista pelos “especialistas” como mais um instrumento a ser moldado para que se atinjam os objetivos desse projeto de poder, mesmo que, para isso, o próprio criminoso seja privilegiado.

É muito comum surgirem entre os “especialistas” propostas de importação ou criação de “modelos ideais”. Tenta-se a todo momento introduzir parâmetros pouco ou nada compatíveis com a realidade policial brasileira, muitos deles trasvestidos de uma política nacional de segurança pública, semelhante à já observada política racionalista, na concepção oakeshottiana. Impõe-se a fórmula magica, mas é esquecida a análise das bases, condições e sustentações da realidade das ruas. Convictos de que possuem as “ideias salvadoras”, amparados na razão, os “especialistas” acreditam que podem impor suas opiniões e lidar com os inúmeros problemas políticos, sociais e culturais, frente à imensidão de contrastes existentes no Brasil. Porém, na realidade, estão longe da verdadeira ciência e muito distantes dos verdadeiros anseios da população.

É nesse contexto que a “política da fé” imposta pelos “especialistas” traz consigo um pensamento racionalista a favor sempre de alguma coisa ou contra alguma coisa, o qual, diante das circunstâncias que a realidade estabelece, faz de seu defensor um oponente daquilo que é tradicional, costumeiro ou habitual, que acredita que sua “razão” sabe o que é o melhor para todos e apresenta sonhadas soluções aos problemas relativos à segurança pública, deixando, porém, em segundo plano as complexidades sociais. Esse tipo peculiar de racionalista carrega no imediatismo e assim não consegue fazer frente aos duradouros problemas e conflitos sociais existentes.

Dessa forma, os “especialistas” em segurança pública caíram no vicio de apresentar, sem considerar as circunstâncias, soluções sob a máscara do “racional”. Limitando-se a cumprir uma agenda ideológica (em tese a “resposta racional” deles), ignoram as variações regionais, locais, setoriais e pontuais, ou as considerações das diferentes aspirações pessoais. Os seus argumentos são reduzidos a pó quando suas teorias são confrontadas com a realidade social e o presente histórico dos resultados vivenciados no Brasil – centenas de homicídios por ano, sensação de insegurança elevada, níveis de corrupção sem precedentes, impunidade acachapante, etc.

Em especial, na segurança pública, a natureza da experiência humana entra em conflitos constantes quando existe um esforço de sistematização. Deve-se considerar a distinção entre “racionalismo” e a orientação valiosa da razão, que, por sua vez, necessita de um caráter geral e disposição à independência de pensamento em cada situação. Para Oakeshott, é oportuna a mentalidade cética antes de impor-se qualquer modelo pronto para a segurança pública. Não se pode desprezar o acúmulo de experiências vividas pelos policiais.

Mesmo diante das demandas frente à situação que assola o país, esses “especialistas” ignoram as profundas transformações e mudanças sociais, e insistem em afirmar: “Não há outra forma de resolver o caos da segurança pública a não ser do jeito que estou falando, porque eu sou o especialista”. Sem o tempo necessário de maturação de qualquer hipótese ou discussão dos meios utilizados para sua efetivação, os “especialistas” não permitem qualquer outra solução, pois a sua é “tecnicamente” a melhor, devidamente validada e estimada, já que partiu de sua análise “racional”. Suas idéias são, afinal, o “projeto salvador”.

Os “especialistas” avançam diariamente (apoiados na velha mídia) e apresentam a sua política já consolidada, “racional” e “infalível”, como única medida a ser adotada no enfrentamento dos problemas relativos à segurança pública. Aproveitando-se da promiscuidade ideológica, suas afirmações são transformadas em condição sine qua non nos discursos políticos relativos à segurança pública, ou como ferramenta de uso prático e teórico das instituições policiais, sem possibilitar espaço aos questionamentos, sugestões, discussões e eventuais rupturas, sem importar com as pré-condições necessárias ao sucesso, sobretudo a necessária observação da vontade da população.

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do que apresentamos ao longo deste artigo, é possível listar os seguintes diagnósticos:

  • Os “especialistas” têm amargado insucessos, trazendo confusão e afastando a segurança pública de verdadeiras soluções para os problemas dela.
  • As ciências policiais devem ser fonte segura para quem tiver a pretensão de participar dos debates sobre o tema. Elas não devem constituir um saber hermético, mas geradoras de conteúdo, semelhantes a qualquer outra área do conhecimento, resultando numa melhor compreensão dos fenômenos do crime, da polícia, da justiça criminal e da ordem pública no Brasil.
  • Para sair do estado de esterilidade generalizado apresentado pelos atuais “especialistas”, é necessária uma união de esforços entre policiais, juristas, sociólogos, filósofos, etc., ou seja, de todos os profissionais, cada qual, em sua especialidade, contribuindo com o todo. Quanto mais perspectivas, melhores serão os resultados. Somente um debate sincero e democrático, com o tempo certo de maturação, dará condições mínimas de se entregar à sociedade uma segurança pública forte e robusta, focada no cidadão, e não em interesses ideológicos.
  • A legitimação das ciências policiais no Brasil surge, em grande parte, de uma estratégia de busca pelo conhecimento que alie metodologia científica e vivência prática. Ela não existe para se impor um pensamento ou um “lugar de fala” sobre lei e ordem. O avanço das ciências policiais possibilitará o surgimento de verdadeiros especialistas.
  • Os “especialistas” que buscam a autonomização do saber, marcado pela disposição ideológica partidária, promovem um enfrentamento ao conhecimento prático, que retroalimenta os problemas a ser enfrentados.

Que as discussões, matérias jornalísticas ou trabalhos científicos sobre segurança pública, mais do que nunca, sejam realmente construídos de forma democrática e sem preconceitos, em diálogo com grupos diversos da sociedade civil, cada qual na sua área de contribuição, sem deixar de lado a participação dos próprios policiais, uma vez que estes também são atores com saberes a respeito do tema, e não simples objetos de uso de interesses políticos. Assim, todos podem, a partir de uma análise crítica de seu próprio saber, dos campos de conhecimento, posições e áreas de pesquisas e hierarquias dentro das universidades, ressignificar sua condição de especialista e seu saber específico, produzindo assim conhecimento prático relevante, focado na solução de problemas reais.

REFERÊNCIAS

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[1] Disponível em: https://www.timeshighereducation.com/world-university-rankings/university-sao-paulo.

[2] Citação extraída da internet sem paginação.

[3] Citação extraída da internet sem paginação.

[4] Citação extraída da internet sem paginação.

[5] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5D30QRI2Y0k. Acesso em: 4 mai 23.

[6] Michael Joseph Oakeshott é um dos mais proeminentes pensadores do século XX. Escritor e filósofo britânico, foi professor de ciência política na London School of Economics (LSE). Faleceu em 1990.

[7] A “política de fé” assim foi classificada não por qualquer ligação religiosa, mas porque está baseada na crença incondicional e incontestável de dogmas supostamente racionais.

[8] Elite intelectual de um país ou região, com poder e influência política e cultural.

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