Lula fantasia sobre liderança global

Mais de 30 correspondentes da mídia estrangeira baseados em Brasília foram convidados pelo Palácio do Planalto para um café da manhã com Lula da Silva, no dia 02AGO2023, na sede do governo. Foto Planalto

Edgar C. Otálvora
Especial para DefesaNet


Mais de 30 correspondentes da mídia estrangeira baseados em Brasília foram convidados pelo Palácio do Planalto para um café da manhã com Lula da Silva, no dia 02AGO2023, na sede do governo. Para mostrar a importância e significado do convite, à direita de Lula, na cabeceira da mesa, estavam os dois chanceleres do governo: o chanceler chefe do Itamaraty, Embaixador Mauro Vieira, e o verdadeiro chefe da diplomacia brasileira e operador de relações paralelas, a diplomacia presidencial, Embaixador Celso Amorim, oficialmente denominado como Assessor-chefe da Assessoria Especial do presidente Lula. Desde o primeiro dia de seu governo, Lula vem tentando obter um retumbante triunfo internacional. A imprensa oficial seguida pela grande mídia brasileira gosta de se referir a Lula como um “líder mundial”, mas cada uma de suas ações ao longo de oito meses foram fracassos óbvios.

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Lula geralmente recebe ampla cobertura da imprensa global, que reflete simpatia, às vezes cúmplicidade, ele tem amigos em cargos governamentais em todo o mundo, do Vaticano ao Kremlin, e a rede da esquerda global serve como plataforma de propaganda para ele. O objetivo da chamada à imprensa no dia 02AGO23 foi informar sobre os preparativos de um evento do qual Lula esperava grandes retornos políticos internacionais: ele o chama de “Cúpula da Amazônia”.

Seu antecessor o presidente Jair Bolsonaro ganhou péssima imagem internacional, entre outras questões, pelo desmatamento da Amazônia e por seu apoio ao agronegócio. Lula, assim como o colombiano Gustavo Petro, busca conquistar louros internacionais com sua “defesa” da Amazônia, garantindo que irá deter o ritmo de desmatamento. Além de defender a Amazônia, Lula pretende se tornar o campeão mundial na luta contra a fome e a desigualdade. Foi assim que deu a conhecer ao Papa Francisco, proclamou-o na cimeira União Europeia – CELAC, 17-18 de julho de 2023, Bruxelas, e comentou aos correspondentes estrangeiros convidados para o café da manhã.

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No dia 30 de maio de 23, Brasília sediou uma reunião dos líderes sul-americanos convidados por Lula, inicialmente para uma reunião privada de reflexão, na periferia da capital federal, que acabou se transformando em um evento de grande repercussão na mídia. Vinte e três anos antes, em 01SET2000, Fernando Henrique Cardoso havia reunido seus pares da sub-região para o que foi descrito como a I Cúpula Sul-Americana, com a qual o governo brasileiro aspirava liderar a constituição de um esquema de integração que unificasse o MERCOSUL e a Comunidade Andina e somada aos demais países, que passaria a ser chamada de Comunidade Sul-Americana de Nações, com a sigla CASA. O novo órgão e até o seu nome foram capturados pelo chavismo através dos petrodólares dos cofres venezuelanos e da chegada ao poder de uma primeira vaga de líderes de esquerda associados à ditadura cubana. Em 2008, foi criada a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) e o Brasil, presidido por Lula da Silva, perdeu para Hugo Chávez o projeto há muito idealizado pela diplomacia brasileira para formalizar a liderança do Brasil.

A chegada de Lula para seu terceiro governo, em 01JAN2023, encontrou a UNASUL paralisada, sem sede, sem orçamento, sem secretário-geral e muitos de seus ex-integrantes separados, inclusive o próprio Brasil. O objetivo da reunião de 30MAI2023 foi declarar a reativação da UNASUL e, se possível, abrir negociações para nomear um novo Secretário-Geral. O documento elaborado para assinatura dos atuais líderes, a pedido do Brasil, teria o bombástico nome de “Consenso de Brasília”. Segundo o texto, os líderes “decidiram estabelecer um grupo de contato, chefiado pelos Chanceleres, para avaliar as experiências dos mecanismos de integração sul-americanos e a preparação de um roteiro para a integração da América do Sul, a ser submetido à consideração dos Chefes de Estado”, ou seja, Lula fracassou em sua tentativa de reanimar a UNASUL e seus colegas apenas concordaram em fazer uma espécie de projeto escolar sobre a integração sul-americana.

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Na véspera, 29MAI2023, Nicolás Maduro havia desembarcado em Brasília para uma visita oficial bilateral antes da reunião do dia seguinte. Desta forma, Lula reabriu as portas dos salões diplomáticos sul-americanos a Maduro que, apesar da natureza ilegítima do seu governo, agora se sentava entre os líderes eleitos do subcontinente. O fracasso da oposição venezuelana em destituir a ditadura chavista, apesar do grande apoio internacional, que a causa democrática venezuelana conseguiu agregar em 2019, ficou agora evidente pela presença de Maduro em Brasília. Um mês depois, Lula continuou a justificar a sua defesa da ditadura venezuelana.

Durante entrevista coletiva conjunta com Maduro no Palácio do Planalto, Lula se posicionou a favor da ditadura chavista e descreveu os “problemas da democracia na Venezuela” como uma simples “narrativa” e elogiou Maduro: “a narrativa que eles construíram em relação a Venezuela sobre autoritarismo, antidemocracia, você tem que desconstruir essa narrativa mostrando a sua própria narrativa para que as pessoas mudem de ideia” (…) “é preciso derrotar essa narrativa”. Ele também atacou as sanções que a UE e os EUA mantêm contra os principais líderes chavistas e as empresas estatais venezuelanas: “é incrível e inexplicável que uma nação esteja sujeita a 900 sanções ilegais porque outro país não gosta dela”. Para Lula, as sanções são uma simples questão de simpatia e boas maneiras entre os governos. No dia seguinte, com todos os líderes sul-americanos reunidos, Lula teve que ouvir as reivindicações dos líderes do Uruguai, Paraguai e Equador a respeito de sua cúpula antecipada com Maduro e sua descrição da grave e duradoura crise na Venezuela como um “narrativa”. No dia 29JUN2023, entrevistado na Rádio Gaúcha, Lula garantiu que “o conceito de democracia é relativo”, quando questionado por que lhe foi tão difícil descrever o governo Maduro como uma ditadura.

29.05.2023 – Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante Visita Oficial do Presidente da República Bolivariana da Venezuela, Nicolás Maduro.

No dia 04JUL2023 Lula fez uma nova cena sobre a Venezuela. Naquele dia, foi realizada em Puerto Iguazú a cúpula presidencial do MERCOSUL e países associados, na qual o Brasil receberia a presidência rotativa semestral da Argentina. O MERCOSUL vive uma crise profunda, não tem conseguido avançar no acordo de livre comércio com a União Europeia, o Uruguai exige liberdade para negociar acordos bilaterais, especialmente com a China, os esquemas protecionistas permanecem entre os parceiros, a Argentina vive um nova crise econômica e Lula se recusa a fornecer recursos financeiros para Alberto Fernández financiar a crise fiscal. Mas a diplomacia paralela do governo brasileiro deixou claro aos seus parceiros que Lula estava preocupado com outra questão: procurar a reintegração de Maduro como membro do mecanismo. A adesão da Venezuela ao Mercosul foi suspensa em 05AGO2017, quando os líderes dos países fundadores do mecanismo verificaram “a ruptura da ordem democrática da República Bolivariana da Venezuela” violando o Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no MERCOSUL. Durante a reunião em Iguaçu no dia 04JUL23, os presidentes do Paraguai e do Uruguai, Mario Abdo Benítez e Luis Lacalle Pou, fizeram referências diretas em seus discursos aos recentes acontecimentos na Venezuela. Benítez e Lacalle denunciaram a desqualificação de María Corina Machado que a impediria de concorrer nas votações que a ditadura hipoteticamente convocará nos próximos meses. Lula afirmou desconhecer “os detalhes” dos problemas dos candidatos na Venezuela, mas expressou implicitamente seu desejo de ver Maduro sentar-se à mesa do Mercosul: “Acho que entre nós deveríamos tentar não deixar ninguém de fora“, alegando que o Mercosul não o faça, deve manter o regime venezuelano isolado. A crise do Mercosul continua, as exigências ambientais europeias, especialmente do governo francês, aumentaram como condição para avançar no acordo com os Mercosulianos. Lula fracassa na sua tentativa de desbloquear o acordo com a UE e não avança no seu desejo de suspender a sanção do Mercosul à ditadura venezuelana.

Enquanto isso, na Venezuela há um grupo de militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), braço armado do Lulismo, recebendo instrução política.

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Embora Lula tenha oferecido ao governo dos EUA a ativação de suas “influências” perante a ditadura venezuelana para pressionar por um processo eleitoral confiável, o brasileiro não tem despendido muito esforço nesse sentido. Por ocasião da realização, nos dias 17 e 18JUL23, em Bruxelas, de uma cimeira de líderes da CELAC (a organização americana que inclui as ditaduras da Nicarágua, Cuba e Venezuela e exclui as democracias dos EUA e do Canadá) e da União Europeia, a França o presidente decidiu realizar uma segunda reunião para discutir a questão da Venezuela. Mais uma vez, dirigiu um convite ao regime chavista e ao negociador-chefe da chamada Plataforma Democrática. Tal como já tinha feito em Paris no dia 11NOV2022, Emmanuel Macron convidou o colombiano Gustavo Petro e o argentino Alberto Fernández para servirem de reforços na tentativa francesa de encorajar a ditadura e a oposição a chegarem a um acordo eleitoral.

17.07.2023 – Pr República, Luiz Inácio Lula da Silva, Pr França, Emmanuel Macron,o Pr Argentina, Alberto Fernández, o Pr Colômbia, Gustavo Petro, e a VP Executiva Delci Rodriguez Venezuela

Para o encontro em Bruxelas, Macron também convidou Lula. Tratava-se da continuação dos esforços franceses na Venezuela, mas a reunião em Bruxelas foi apresentada pelo governo Lula como uma iniciativa sua. Em declarações à imprensa em Bruxelas, no dia 19JUN2023, Lula afirmou que “não esperava resultados da reunião. Se chegarem a acordo sobre as regras e a data das eleições, penso que teremos autoridade moral para pedir o fim das sanções.” No cenário europeu, Lula preferiu moderar os ataques contra a UE e os EUA pelas sanções impostas ao regime chavista. Lula foi conquistado pela ideia de fazer depender o fim das sanções da assinatura de um acordo eleitoral entre o seu amigo Maduro e a oposição, o que é defendido pela França, pela UE e por conselheiros da Casa Branca que mantêm pontes abertas com a ditadura.

Nicolás Maduro deveria desembarcar em Belém do Pará, nos dias 08 ou 09 AGO23, onde Lula tentará reanimar a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica. A violação dos direitos humanos ou o colapso do regime democrático na Venezuela é para Lula apenas uma questão de má narrativa que afeta o governo do seu irmão Maduro. Da mesma forma, a destruição da Orinoquia e da Amazônia venezuelanas promovida pela política mineira do regime não parece afetar a recepção de Maduro na capital paraense. Maduro acabou não comparecendo.

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Lula se ofereceu como intermediário entre a Ucrânia e a Rússia, garantindo que algumas cervejas entre Vladimir Putin e Volodímir Zelenski seriam suficientes para acabar com a guerra. Ele também disse que Zelensky deveria esquecer a retomada da Crimeia e deixá-la nas mãos de Putin.

No dia 06AGO2023, em Jeddah, na Arábia Saudita, reuniu-se um importante grupo de representantes de quatro dezenas de governos, liderado pelo Conselheiro de Segurança Nacional do Reino da Arábia Saudita e membro do Conselho de Estado, Mosaad bin Mohammad Al-Aiban. Os EUA enviaram o Conselheiro de Segurança Nacional Jake Sullivan e a China foi representada por Li Hui, enviado especial do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês para a Eurásia e representante especial da China nas negociações de paz na Ucrânia. O governo brasileiro foi convidado a participar, mas o conselheiro Celso Amorim recusou-se a viajar para Jeddah, alegando que teria que permanecer no Brasil antes da iminente cúpula da Amazônia. A intervenção brasileira foi via Internet, deixando a sensação de que o real interesse de Lula na Ucrânia é mero discurso.

Nesse mesmo dia, o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, recebeu em Kiev um grupo de jornalistas da mídia latino-americana. Questionado sobre a posição de Lula sobre a invasão russa da Ucrânia, Zelensky foi particularmente crítico. Ele afirmou que Lula estará mentindo para os brasileiros sobre a situação na Ucrânia: “Me parece que o presidente Lula é uma pessoa com experiência. Mas eu não entendo muito bem. Você acha que sua sociedade não entende completamente o que está acontecendo e não conta com isso? Ele o acusou de atuar como porta-voz da posição de Putin: “As declarações de Lula não trazem paz em nada. É estranho falar da segurança da Rússia. Só a Rússia, Putin e Lula falam da segurança da Rússia, das garantias que devem ser dadas para a segurança da Rússia”. E questionou a compreensão de Lula sobre os acontecimentos: “Para ser sincero, se o presidente Lula quiser me dizer alguma coisa, deixe-o sentar e me dizer. E acho que vamos acabar com isso. Para ser sincero, pensei que ele tivesse uma compreensão mais ampla do mundo. Acho que é muito importante ver o mundo inteiro. Porque o que você me conta que ele disse é triste, muito triste.

Zelensky, em suma, desqualificou Lula como agente de paz para a Ucrânia.

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Lula prometeu ao Papa Francisco negociar com o seu associado político Daniel Ortega pela liberdade do Arcebispo Rolando Álvarez e, pelo contrário, a ditadura da Nicarágua lançou uma operação contra a ordem jesuíta da qual o próprio Papa faz parte. Lula prometeu a Alberto Fernández que obteria financiamento ou pelo menos garantias do “Novo Banco de Desenvolvimento” dos BRICS, mas só conseguiu que a Argentina fosse convidada a aderir aos BRICS, sem que o banco captasse dinheiro do tesouro argentino para cobrir a crise . Na cimeira dos BRICS realizada em Joanesburgo de 23 a 24 de Agosto de 2023, Lula apareceu como um curinga para a Rússia e a China, países que parecem estarem  transformando essa associação numa aliança antiamericana.

25.08.2023 – Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante reunião aberta com o Presidente da República de Angola, João Lourenço.

Lula afirma que em seis meses conseguiu devolver o Brasil ao cenário internacional do qual foi afastado por Jair Bolsonaro. Mas Lula está longe de ser o líder internacional que alardeia a propaganda do seu governo e do seu partido. De volta da cúpula do BRICS, Lula visitou Angola e São Tomé e Príncipe. Em Luanda, ofereceu grandes investimentos brasileiros para África, o que inevitavelmente fez lembrar os esquemas de corrupção que, tomando Angola como cenário, visavam Lula e as construtoras brasileiras.

No dia 07 setembro, após o desfile do Dia da Pátria, em Brasília, embarca para a Índia na reunião do G20, 9-10 Setembro, em Nova Delhi. Desta vez pretende levar na bagagem um desfile onde tem o lema “Democracia, Soberania e União”.

A imprensa brasileira de forma ordeira e obediente dá relevo ao Brasil assumir pela primeira vez o G20 e as pautas de que Lula pretende conduzir.

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