Poder vem da classe média

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SÍLVIO RIBAS


O vice-presidente do Banco Mundial (Bird) para a Redução da Pobreza, Otaviano Canuto, vê com esperanças o avanço das classes médias nos países emergentes, sobretudo no Brasil. Ele ressalta que o fenômeno afeta a dinâmica da economia mundial e fica ainda mais evidente diante das crises financeiras na Europa e nos Estados Unidos. "As mudanças na atividade produtiva dos países onde as classes médias se ampliam os tornam menos dependentes das exportações e cada vez mais centrados nos seus negócios internos", analisa o economista.

A poucos meses da mudança de comando no Bird, com a saída já anunciada de Robert Zoellick da presidência em junho, Canuto descarta sua indicação como sucessor. Seu nome e o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram cogitados, na perspectiva de maior presença política do Brasil nos organismos multilaterais. Ele prefere continuar como um observador privilegiado, posição da qual vê uma continuidade na valorização do real, reflexo do crescimento brasileiro, e considera inconsistente o debate em torno da desindustrialização. O economista prefere discutir o nível de disseminação da tecnologia na economia, como no agronegócio. Leia, a seguir, os principais trechos de sua entrevista ao Correio.

Qual será a consequência da ascensão das classes médias nos mercados emergentes?
Esse fenômeno é muito claro em boa parte dos países em desenvolvimento e o Brasil é um caso bem ilustrativo disso. São dezenas de milhões de pessoas que estavam na marginalidade da vida econômica no mundo subdesenvolvido e em poucos anos tornaram-se importantes sujeitos do mercado doméstico graças à melhora da renda, sobretudo na Ásia. Na América Latina, esse movimento se deve também a políticas públicas que ajudaram os cidadãos da base a subir na pirâmide social. Isso se expressa no comportamento geral de consumo das famílias, na forma como as empresas se estruturam e até no perfil médio dos domicílios. As mudanças na atividade produtiva dos países onde as classes médias se ampliam os tornam menos dependentes das exportações e cada vez mais centrados nos seus negócios internos. Por outro lado, existem impactos sociais e políticos. Essas novas classes pesam mais nas decisões de governos e empresas e vão dar o tom do futuro dos países emergentes.

Até que ponto o avanço do mundo em desenvolvimento é resultado do colapso dos países ricos?
Prefiro avaliar o momento econômico atual como sendo uma nova perspectiva para todo o mundo, independentemente do nível de desenvolvimento de cada país. É evidente que os mercados emergentes estão ficando cada vez mais importantes nos grandes números da economia global. Seus indicadores sociais, por sua vez, seguem melhorando, mas ainda estão longe dos verificados nos países desenvolvidos. Para tornar o crescimento econômico sustentável e fator de desenvolvimento real para os emergentes, creio ser decisivo tratar os problemas de infraestrutura mais como oportunidade do que limitações. As obras em estradas, portos e aeroportos deficientes podem atrair capitais e ainda prover a maioria da população de melhores serviços. As estratégias atuais de transferência de renda são insuficientes e o crescimento econômico pode se tornar bem-estar social desde que os recursos escassos sejam direcionados à redução da pobreza. Já fui governo e sei bem dessas dificuldades.

Até quando o Brasil continuará adiando a agenda de reformas institucionais, como a trabalhista e a tributária, que facilitaria a vida do investidor direto?
Não acredito que a chamada velha agenda tenha sido colocada em segundo plano. Embora não pareça estar em voga, a ampliação da demanda colocou na ordem do dia a necessidade de o país incentivar investimentos. O ambiente de negócios requer mais estabilidade, ser mais previsível e, portanto, mais saudável. Os grandes números do mercado brasileiro e suas perspectivas de crescimento são atraentes, mas ainda carregam custos que fazem os empresários pensar um pouco mais antes de decidir trazer seu capital. Não tenho dúvidas que essas razões levarão a velha agenda vir para a primeira página dos jornais e da história brasileira. Por outro lado, reconheço a dificuldade de os governos adequarem suas políticas quotidianas com sua função estratégica. Esse problema, contudo, não é uma exclusividade do Brasil. Estados Unidos e Europa também estão sofrendo duros impasses políticos para aprovar suas reformas.

A dependência do Brasil da economia chinesa cresceu muito nos últimos cinco anos com a chamada desindustrialização?
Discordo do conceito de desindustrialização. Acho o termo muito genérico e simplista. É mais importante medir o atual nível tecnológico em toda a produção brasileira e a capacidade dela em absorver inovação. Os chamados setores básicos, como o mineral e o agrícola, são referência mundiais em tecnologias e isso não pode ser ignorado. A agregação de valor não é uma tarefa exclusiva do setor industrial, e insistir na tese contrária é não enxergar o desenvolvimento como um todo. De certa forma, as atividades primárias, no seu sentido clássico, acabaram e toda a economia é hoje formada por complexas cadeias produtivas. Nossa missão deve ser subir na escala de valor agregado e de intensidade tecnológica, além de superar o custo Brasil e tentar apurar a taxa real do câmbio. Digo isso porque a tendência é mesmo de valorização do câmbio e a indústria sabe maquiar bem sua dependência de componentes importados, que ajudam a preservar suas margens de lucro.

Os recursos do pré-sal serão um passaporte para o futuro ou uma maldição?
O Brasil é um país complexo e, até agora, tudo nos leva a crer que a riqueza potencial dos poços do pré-sal está mais para uma bênção do que uma maldição. Antes de enxergar os lucros de uma receita extraordinária com bens naturais, precisamos saber o que faremos com nossa nova riqueza. Gosto de citar o exemplo da diferença entre dois países vizinhos da África, Botsuana e Zimbábue, ao se depararem com o enriquecimento súbito obtido por suas jazidas de diamantes descobertas quase que ao mesmo tempo. Enquanto Botsuana investiu no desenvolvimento de outros setores, organizando-se para transformar a riqueza em melhores dias para a maioria da população, Zimbábue continua até hoje com os mesmos indicadores, sem sair do lugar. Tudo é uma questão de qualidade da governança, em saber usar um bem material para pavimentar o progresso, construindo atividades que gerem valor.

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