Leonardo Coutinho – Lula pode transformar os produtores agrícolas em escravos por dívida

Lula e Xi Jinping em Brasília em 2009, quando o hoje ditador ainda era vice-presidente da China

Leonardo Coutinho
Jornalista, autor do livro “Hugo Chávez, o espectro”,
pesquisador e comentarista sobre segurança e
relações internacionais. Escreve semanalmente, desde Washington, D.C.
Gazeta do Povo
 01 Abril 2023

Nota DefesaNet

Recomendamos ler atentamente a matéria de Leonardo Coutinho.

E junto a matéria de Stephen Kanitz – Entenda Essa Crise Política. É O Poder Mudando De Mão.

O leitor entenderá que é necessário para o atual governo e a avenida Faria Lima desarticular o agronegócio.

O Editor

Uma das marcas da escravidão moderna é a subjugação do escravizado por meio da dívida. O governo Lula tem na manga um plano que, se colocado em prática, fará com que os produtores agrícolas, sem exagero algum, sejam colocados na condição de escravos por dívida.

Entre as medidas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciaria em sua visita à China, está um plano ambicioso para “zerar o desmatamento” na Amazônia. Além disso, a medida aumentaria de forma esplendorosa a produção de alimentos no país. Algo muito bem-vindo e relevante. Mas o problema é como Lula quer fazer.

O presidente e sua equipe apostam na recuperação das áreas degradadas – grandes clareiras abertas no passado, quase todas elas pastagens abandonadas ou de baixa produtividade – que, com a correção do solo, pode transformar 40 milhões de hectares (o dobro da área do Estado do Paraná) em áreas destinadas ao cultivo de alimentos. Tomara que dê certo. Mas o problema continua sendo como o governo pretende executar o plano.

Lula está em tratativa com os chineses para que eles invistam US$ 100 bilhões para transformar pasto velho em lavouras.

Para atrair os chineses, Lula promete que a conta vai ser paga em mercadorias pelos produtores agrícolas, como milho e soja.

Parece um negócio da China. Mas se uma sandice dessas sair do papel, Lula penhorará um dos setores mais eficientes do país, agravando ainda mais o quadro de dependência do agronegócio brasileiro em relação à China, que é destino de mais de 33% das exportações agrícolas do país. Quando o assunto é soja, os chineses compram cerca de 68% das exportações brasileiras.

Com esse poder nas mãos, os chineses já são capazes de pressionar para baixo os preços quando “aparece” algum problema fitossanitário ou, até mesmo, reclamam dos preços diretamente com os produtores. Donos de estoques monumentais de alimentos, eles podem deixar de comprar por semanas ou até meses para forçar o mercado a reagir conforme seus interesses. Imagine o que farão sendo donos antecipados de parte importante da produção agrícola brasileira?

Como credores de uma dívida de US$ 100 bilhões contraída por Lula, mas que será paga pelos agricultores brasileiros, o Partido Comunista Chinês (PCCh) vai ter o cenário perfeito para manobrar em favor de seus interesses estratégicos. O Brasil – que se esquece que é tão ou até mais importante que a China na relação de venda e compra de alimentos e que já é tratado pelo PCCh como uma fazenda –, na condição de devedor, será uma senzala moderna.

A ideia de Lula faz lembrar um dos erros capitais de Hugo Chávez. Em 2008, ele assinou com a China a criação do Fundo Conjunto Chinês Venezuelano (FCCV), administrado pelo Banco de Desenvolvimento Econômico e Social de Venezuela (Bandes). Originalmente, o acordo permitiu aos venezuelanos o acesso a uma linha de crédito de US$ 4 bilhões para pagar por produtos e serviços chineses, como a construção e lançamento do primeiro satélite “venezuelano”.

O dinheiro foi jorrando, jorrando, jorrando, até que a dívida chegou a US$ 60 bilhões. Como garantia de pagamentos, Chávez deu como garantia a produção de petróleo. E isso tem muito a ver com a tragédia social e econômica que assola nossos vizinhos.

O colapso da Venezuela é bem conhecido. Mas alguns detalhes precisam ser recordados. Desde que Chávez assumiu a presidência em 1999, a Venezuela nunca produziu um barril de petróleo a mais que o extraído do solo no ano anterior. O franco declínio da produção, resultante do sucateamento da estatal petroleira PDVSA, era compensado pelo boom dos preços. Mas quando o preço do petróleo foi à lona, coincidindo com a mais baixa produção de óleo na história da Venezuela, o regime chavista se viu com a corda no pescoço. Em 2019, nada menos que 25% da produção de petróleo da Venezuela era enviada para a China a título de pagamento de dívidas. Uma fatura colossal que ajudou em muito a empurrar o país para o abismo onde se encontra até hoje.

Ao querer terceirizar para os produtores agrícolas a conta dos empréstimos chineses, Lula pode estar condenando o vigoroso agro brasileiro ao colapso que abateu a PDVSA, que um dia foi uma das principais petroleiras do planeta e hoje é uma sucata assentada sobre um mar de petróleo.

Se Lula realmente estiver disposto a mudar o jogo na Amazônia, ele teria que ter a coragem de encarar a sua ministra Marina Silva e a seita de ambientalistas que querem ver o agro fora da Amazônia. A solução é interna e não depende de Pequim, Washington ou União Europeia.

Algumas mudanças no Código Florestal bastariam para que os próprios produtores fossem atraídos para o empreendimento e pagassem a conta da recuperação das pastagens. A receita é relativamente simples, mas a implementação pode ser impossível devido o sectarismo do ambientalismo ongueiro que, ora está instalado nas repartições da Esplanada, ora está fazendo algazarra no exterior pintando o Brasil como terra arrasada.

Com as regras atuais, nenhum produtor, com o mínimo de juízo, vai comprar um pasto improdutivo para investir em sua recuperação. Embora a propriedade possa ter sido desmatada nos anos 1970, o novo dono também será dono do passivo ambiental. Ele terá que reflorestar 80% da área e só poderá plantar nos 20% que restam.

Na Amazônia, é mais barato comprar 100% de floresta virgem e jogar 20% no chão – como é previsto pela lei – para fazer pasto e lavouras. Por ironia do destino, a lei, que é duríssima para proteger, tende a estimular a devastação.

Se o governo Lula mudasse a regra, apenas para as áreas degradadas, já as tornaria economicamente atraentes. Reduzindo a obrigação de reflorestamento e ampliando o direito de uso, em uma inversão da lógica 80% x 20%, para áreas de desmatamento antigo (com mais de 20 anos, por exemplo), poderia ajudar a ter o mesmo efeito positivo para a floresta, sem transformar os produtores em escravos por dívida.

O exemplo acima é obviamente uma abstração. Há estudos aos montes sobre o tema. Mas o governo tem que estar disposto a enfrentar o problema. Mas, ao que tudo indica, a facilidade chinesa é um atrativo irresistível. O caminho mais fácil. Assim funcionam as armadilhas.

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