Mariupol prestes a ser tomada pelos russos; Ucrânia resiste com crescente apoio ocidental

A Rússia, prestes a tomar a cidade de Mariupol após semanas de bombardeios, manteve nesta quarta-feira (20) sua pressão militar no leste da Ucrânia, que recebeu um impulso da União Europeia (UE), determinada a fazer "todo o possível" para que a ex-república soviética "ganhe a guerra" contra Moscou.

A Rússia convocou os últimos soldados ucranianos na cidade portuária de Mariupol, entrincheirada no enorme complexo industrial de Azovstal, para depor suas armas antes das 14h de Moscou (08h00 no horário de Brasília).

"Estamos vivendo talvez nossos últimos dias ou nossas últimas horas… o inimigo nos supera em dez para um", disse o comandante ucraniano Serguiy Volyna, da 36ª Brigada de Fuzileiros Navais, nos corredores subterrâneos dessa grande fábrica metalúrgica.

Nesta quarta-feira, a vice-primeira-ministra ucraniana Iryna Vereshchuk afirmou que o corredor para retirar civis da cidade sitiada de Mariupol "não funcionou", acusando as tropas russas de violar o cessar-fogo e bloquear os veículos.

"Infelizmente, o corredor humanitário de Mariupol não funcionou hoje como havíamos previsto", disse Vereschuck.

Nesta manhã, ela anunciou um acordo "preliminar" com a Rússia para estabelecer um corredor humanitário pela primeira vez desde sábado nessa cidade portuária do sudeste da Ucrânia.

A conquista de Mariupol, sobre o mar de Azov, permitiria à Rússia estabelecer um corredor entre os territórios pró-russos do Donbass (leste) até a península da Crimeia, anexada por Moscou em 2014.

"Não estão sozinhos"

"Vocês não estão sozinhos. Estamos juntos com vocês e faremos todo o possível para apoiar seus esforços e fazer com que a Ucrânia ganhe a guerra", declarou em Kiev o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, em coletiva de imprensa junto ao presidente ucraniano Volodimir Zelensky.

"Em Kiev hoje. No coração de uma Europa livre e democrática", escreveu Michel no Twitter. "A História não esquecerá os crimes de guerra" cometidos pelas tropas russas, disse anteriormente em Borodianka, uma das cidades destruídas perto da capital.

A chegada de Michel coincide com uma intensificação da ofensiva russa no sul e no leste da Ucrânia, que resiste à invasão há quase dois meses.

O Departamento de Defesa dos Estados Unidos afirmou que a Ucrânia recebeu de seus aliados peças para seus aviões, mas não aviões de guerra completos, como foi informado anteriormente.

A Noruega anunciou o envio de cem mísseis antiaéreos, enquanto Washington prepara outro pacote de ajuda militar de 800 milhões de dólares, menos de uma semana depois de anunciar outro pelo mesmo valor.

O exército russo revelou, por sua vez, que realizou com sucesso um teste de um míssil balístico intercontinental Sarmat, uma arma de nova geração que, segundo o presidente russo Vladimir Putin, "vai fazer aqueles que ameaçam nosso país com uma retórica desenfreada e agressiva pensarem duas vezes".

O Pentágono considerou, no entanto, que foi um teste "de rotina" e que não viu nenhuma "ameaça".

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, enviou na terça-feira cartas a Putin e Zelensky, pedindo para se reunir com eles para "falar de medidas urgentes para pacificar a Ucrânia", disse seu porta-voz.

Combates no Donbass e Kharkiv

Além de Mariupol, os combates são mais intensos na região leste da Ucrânia.

Após uma série de ataques reivindicados por Moscou na terça-feira, o Ministério da Defesa ucraniano relatou nesta quarta-feira "tentativas de ataque" nas localidades de Sulygivka e Dibrivne, na região de Kharkiv (nordeste), assim como nas importantes cidades de Rubizhne e Severodonetsk, na região de Lugansk (leste).

O governador desta última região, Serguei Gaidai, fez um novo apelo para que os civis fujam da área. "A situação fica mais complicada a cada hora", advertiu.

Os bombardeios também se intensificaram sul, outra linha de frente. As localidades de Mala, Tokmak e Orekhov, 70 km ao sudeste de Zaporizhzhya, sofreram com o aumento da violência.

Finlândia debate adesão à OTAN

A escalada provocou mais críticas ocidentais. O chanceler alemão Olaf Scholz afirmou que o "assassinato de milhares de civis é um crime de guerra do qual o presidente russo (Vladimir Putin) carrega a responsabilidade".

O Parlamento da Finlândia começa a debater nesta quarta-feira a adesão, um passo que também é contemplado pela historicamente reticente Suécia.

O conflito tem graves consequências para a economia mundial, com alta dos preços dos alimentos e dos combustíveis.

Voluntários chegam de todo o país e até do Brasil para combater ataque russo no leste da Ucrânia

Com o início da ofensiva da Rússia para tomar o controle da região do Donbass, no leste da Ucrânia, voluntários vindos de todo o país e até do exterior voltaram a frequentar os centros de treinamentos militares, abertos desde o início da guerra, para participar do combate. A reportagem da RFI foi ao encontro desses novos soldados treinados às pressas.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirma que cerca de 3 mil militares do país já morreram e mais de 10 mil ficaram feridos desde o início do conflito, em 24 de fevereiro. Kiev não tem tempo a perder para compensar as baixas.

Em um prédio discreto, homens e mulheres aprendem a manejar metralhadoras, na tentativa de escapar da artilharia russa. “O exército russo só tem soldados militares. No sistema de defesa ucraniano, nós temos estruturas mais complexas: as forças armadas, a defesa territorial e as unidades militares de voluntários” explica o coronel aposentado Yuri Prokhorchuk, comandante do grupo reunido em Odessa.

“Isso nos permite ainda ter pessoas o suficiente para nos defender. Hoje, estamos chamando apenas as pessoas que têm uma experiência de combate. O tempo mínimo possível de formação para preparar um soldado é de um mês”, afirma o coronel, à reportagem RFI.

Karina, originalmente cabeleireira, se engajou desde o começo do conflito – inicialmente, em outras funções. “Eu coletava e preparava comida para os militares”, conta a ucraniana de 30 anos, que nunca tinha encostado em uma arma.

Hoje, entretanto, ela avalia que a atuação “não era suficiente”. “Preciso aprender a me defender. Estou pronta para combater e entrar na defesa territorial da cidade, se necessário”, ressalta. “É claro que tenho medo, mas nós queremos reencontrar a paz que tínhamos antes. Não queremos mais ver prédios destruídos, mortos, mulheres estupradas. Estamos prontos para fazer muita coisa para defender o nosso país”, sublinha Karina, que, com lágrimas nos olhos, diz que estaria disposta a matar para se proteger.

Brasileiros e argentino treinam em Kiev

Em Kiev, a emissora Franceinfo teve acesso a um centro de treinamento repleto de estrangeiros. Entre eles, quatro brasileiros recebiam na língua materna instruções de uma portuguesa, que auxilia a preparação dos voluntários para a guerra.

O grupo veio dos quatro cantos do planeta: Taiwan, Escócia, Lituânia ou Argentina, num total de 20 nacionalidades. Até o comandante escolheu um nome de guerra internacional, John. Com parentes ucranianos, o argentino Sasha é um dos que decidiu combater a invasão russa.

“Estamos num país livre e democrático, mas nesta guerra, os civis são os que mais sofrem”, salienta, ao explicar a decisão à Franceinfo. “Os russos transformam os civis em alvos. Crianças, mulheres. É muito duro”, comenta.

No andar superior do centro, onde americanos descansam, a ucraniana responsável pela logística do local comemora o engajamento de tantas pessoas ao lado do seu país.

"Fiquei muito surpresa que as pessoas tenham abandonado o dia a dia, o conforto delas, para virem aqui nos ajudar. Sentimos que o mundo inteiro está do nosso lado, e a Rússia está sozinha contra todos nós”, disse, aos enviados especiais da emissora francesa.

¹com RFI

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