Augusto Castro
Será instalada na próxima semana a comissão especial de senadores que vai analisar o projeto que institui um novo Código Brasileiro de Aeronáutica. O presidente do Senado, Renan Calheiros, anunciou que o senador Vicentinho Alves (PR-TO) será o presidente do colegiado, o senador Pedro Chaves (PSC-MS), o vice-presidente, e o senador José Maranhão (PMDB-PB) será o relator. Além deles, também participarão da comissão os senadores Paulo Rocha (PT-PA), Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Lasier Martins (PDT-RS), Acir Gurgacz (PDT-RO), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Jorge Viana (PT-AC), Roberto Rocha (PSB-MA) e Hélio José (PMDB-DF).
— Esse anteprojeto é uma preciosa contribuição dos melhores especialistas no tema no Brasil. Uma contribuição que o Senado saberá aquilatar. O atual código brasileiro é de 1986, antes, portanto, da Constituição, do Código de Defesa do Consumidor, do novo Código Civil e da própria Agência Nacional de Aviação Civil. Apenas por esse arcabouço jurídico, tem-se uma noção da urgência em modernizarmos esse código — disse Renan.
O presidente também registrou que houve aumento de 210% no número de passageiros de voos comerciais no Brasil entre 2000 e 2014 e adiantou que um dos temas mais polêmicos a serem discutidos pelos senadores é a abertura do capital das companhias aéreas brasileiras.
— Há, portanto, muito a ser rastreado, redirecionado e modernizado no sentido de garantir esse serviço a preços razoáveis a toda a população — acrescentou Renan.
Com 374 artigos, o anteprojeto do novo Código Brasileiro de Aeronáutica foi elaborado por uma comissão de especialistas no tema e encaminhado para exame do Congresso. A proposta foi transformada no PLS 258/2016, que será analisado pela comissão especial de senadores, devendo seguir para avaliação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, depois, para o plenário, caso outras comissões não sejam designadas para também analisar a proposta.
Desonerações
O texto estabelece desonerações em órgãos de fiscalização e regulação e uma série de isenções a esportes aéreos. Também equipara benefícios a serviços de táxi aéreo aos que já são concedidos às linhas aéreas, como medidas que levem à ampliação das companhias e ao aumento da concorrência, com a expectativa de que gerem benefícios aos consumidores.
A proposta estabelece ainda que o intercâmbio de aeronaves só poderá ser feito com tripulação brasileira. Esse procedimento ocorre quando uma empresa estrangeira fica com uma aeronave parada em solo nacional, à espera do voo de volta e, nesse período, uma empresa brasileira usa o avião, conforme contrato. Para que o intercâmbio ocorra, o texto exige que os tripulantes sejam brasileiros, devido às repercussões na legislação trabalhista do nosso país. Outra sugestão aceita no texto retirou a isenção de pagamento de taxas para as aeronaves experimentais e esportivas.
Abertura de capital
Uma das principais mudanças do novo Código é o fim de restrições à participação de capital estrangeiro em companhias aéreas brasileiras de transporte de carga e de passageiros. O anteprojeto propõe a extinção do atual limite de 20% de participação externa em empresas de aviação do Brasil. O professor e aviador Georges Moura, que presidiu a comissão de especialistas, acredita que essa abertura não ameaça a soberania brasileira.
— Nós inauguramos a tendência de liberar 100% de capital estrangeiro para empresas aéreas. Significa que uma empresa brasileira de capital estrangeiro pode montar ou pode adquirir uma linha aérea. As pessoas confundem isso com ‘liberdade do ar’, dizem que o Brasil vai perder soberania, mas a coisa não funciona desse jeito, é um dos pontos nevrálgicos desse anteprojeto. O setor precisa dessa injeção de ânimo. As empresas que vão operar aqui no Brasil, as empresas que terão o capital estrangeiro aumentado, não deixarão de ser companhias brasileiras. Elas terão de empregar mão de obra brasileira, vão ter que respeitar as ‘liberdades do ar’ — disse Georges Moura.
As chamadas ‘liberdades do ar’ são um conjunto de direitos da aviação comercial, para garantir que aeronaves de um país possam entrar no espaço aéreo e pousar no território de outra nação. Esses direitos aéreos foram formulados em 1944 na Convenção da Aviação Civil Internacional e compreende direito a sobrevoo, pouso técnico, desembarque, embarque, cabotagem e vários tipos de transporte entre países. O professor acrescenta que empresas de capital estrangeiro terão de montar uma sede no Brasil, integralizar capital, contratar mão de obra nacional e obedecer a todas as regras da Anac.
O consultor legislativo do Senado Cícero Crispim Feitosa assessorou os trabalhos da comissão de especialistas e falou à Agência Senado sobre a controvérsia envolvendo a abertura de capital das empresas.
— O que se vende é que essa liberação do capital estrangeiro traria uma facilidade de se conseguir investimento para as empresas aéreas nacionais que, apesar do crescimento econômico dos últimos anos, enfrentam grandes dificuldades na parte de custos e precisam de aporte para se tornarem economicamente viáveis. Mas também há o receio de que as empresas, sendo totalmente controladas por capital estrangeiro, não tenham interesse em longo prazo [de investir no mercado interno], e com alguma dificuldade no mercado nacional, elas poderiam rapidamente se retirar do mercado. Outra crítica que se faz é que não há reciprocidade da maioria dos países em relação a isso. Os Estados Unidos só aceitam o limite de até 25% [de capital estrangeiro], na União Europeia [o limite] é de 49% —explicou Crispim.
Outro ponto polêmico do anteprojeto está na regulamentação dos atrasos em voos devido a problemas climáticos. Hoje muitos clientes conseguem receber indenizações das empresas por meio de ações judiciais, em virtude desse tipo de atraso. O texto-base exclui essa possibilidade.
O projeto do novo código também aborda inúmeros outros temas relativos a acidentes aéreos; prática de balonismo, e outras atividades aerodesportivas; voos de treinamento e aeronaves não tripuladas; serviços de controle do tráfego aéreo; tipos de aeroportos, aeródromos, heliportos e regras de administração desses locais; coordenação de busca, assistência e salvamento; segurança de voo; indústria aeronáutica; e tripulação e sanções administrativas.
Histórico
A Comissão de Especialistas de Reforma do Código Brasileiro de Aeronáutica foi criada por ato do presidente do Senado, Renan Calheiros, e instalada em 16 de junho de 2015, com prazo de 180 dias para finalizar sua tarefa.
Composta por 25 integrantes, a comissão foi presidida pelo professor e aviador Georges de Moura Ferreira, teve como relatora a doutora em Direito Espacial Maria Helena Fonseca Rolim, e como vice-presidente o especialista da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) Dorieldo Luiz dos Prazeres.
A criação do colegiado foi sugerida pelo senador Vicentinho Alves. Aviador, ele presidiu a Subcomissão Temporária sobre Aviação Civil, que funcionou no âmbito da Comissão de Infraestrutura do Senado em 2012.
A comissão de especialistas funcionou até 15 de abril de 2016, depois de ter seu prazo final prorrogado. Foram realizadas quatro grandes audiências públicas interativas, com representantes de diversos setores. Na primeira audiência, o tema mais debatido foi o aumento do capital estrangeiro em empresas aéreas. Participaram representantes da Anac e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
A segunda audiência, com a presença de representante do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), abordou redução de custos, competitividade e reclamações de clientes contra companhias aéreas. A terceira audiência centrou-se em tarifas aeroportuárias e contou com a participação de representantes da Anac, da Infraero e do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea). Já a quarta audiência debateu o apoio a familiares de vítimas de acidentes aéreos. Participaram representantes da Petrobras, da Associação Brasileira de Parentes e Amigos Vítimas de Acidentes Aéreos (Abrapavaa) e da Associação Brasileira das Empresas de Serviços Auxiliares de Transporte Aéreo (Abesata).