Indústria Naval pós Lava-Jato: 17,6 Bi e 80k empregos perdidos

Embarcações de R$ 17,6 bilhões enferrujam em estaleiros
Crise da Petrobras e corrupção levaram à suspensão de contratos bilionários

 

Ramona Ordoñez / Bruno Rosa

  
RIO – A euforia do setor naval na última década, a reboque da indústria do petróleo, deu lugar a um cenário melancólico em alguns dos principais estaleiros do país. Eles se tornaram cemitérios de plataformas, sondas e navios petroleiros, essenciais para ampliar a exploração e a produção de petróleo e gás, sobretudo no pré-sal.

A crise financeira da Petrobras e os casos de corrupção envolvendo construtoras e fornecedoras do setor nos últimos anos levaram à suspensão de contratos bilionários. Embarcações que receberam investimentos de pelo menos US$ 4,3 bilhões (R$ 17,6 bilhões) enferrujam inacabadas no cais. Em alguns casos, a construção foi interrompida com 90% das obras concluídos.

Enquanto as autoridades do setor e o governo federal não encontram uma solução, pelo menos quatro sondas de perfuração, duas plataformas e três navios petroleiros estão abandonados em estaleiros na costa brasileira, entre o Sul e o Nordeste, sob o risco de virar sucata.

Todo esse desperdício envolve recursos públicos. Nos últimos dez anos, o Fundo de Marinha Mercante (FMM) desembolsou R$ 34,4 bilhões em crédito subsidiado para o setor naval. Do total, R$ 2,4 bilhões foram destinados justamente à construção dessas unidades inacabadas, assim como à ampliação de estaleiros.
 
Os contratos interrompidos inviabilizaram financeiramente os estaleiros, alguns construídos do zero para atender à demanda do pré-sal sob o regime que privilegiava o conteúdo nacional na cadeia de petróleo e gás. Entre eles, o Enseada, na Bahia, e o Jurong, no Espírito Santo. Milhares de vagas foram fechadas.

Vice-presidente do SINAVAL, Sérgio Bacci diz que todo esse equipamento parado corre o risco de virar ferro-velho se as obras não forem concluídas:

— É isso que estamos vendo na indústria naval. É tudo dinheiro público apodrecendo.

Sobre a responsabilidade de empresas do setor nos casos de corrupção, que envolveram pagamento de propina de fornecedores a diretores da Petrobras e forçaram a estatal a rever os contratos, Bacci diz que é preciso punir os executivos envolvidos, não as empresas.

Magda Chambriard, ex-diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e consultora da Fundação Getulio Vargas (FGV), concorda:

— Basta olhar o que acontece em casos de irregularidades nos Estados Unidos ou na Europa, onde se prende, pune e o envolvido paga, mas a empresa continua. Não podemos destruir toda essa infraestrutura que foi feita, com qualificação de pessoal. Mas avalio que não podemos ter tantos estaleiros.

RISCO DE VIRAR SUCATA

O caso mais grave envolve a Sete Brasil, empresa criada para viabilizar a construção de 28 sondas em estaleiros nacionais. O projeto naufragou, afetada pelo esquema de corrupção revelado pela Operação Lava-Jato. Das 17 sondas que chegaram a ser iniciadas, apenas quatro, com mais de 50% de obras feitos, devem ser concluídas com a ajuda de um novo sócio, como está previsto no novo plano de recuperação judicial da Sete, que será apresentado no próximo dia 11.

— As demais sondas vão potencialmente virar sucata, pois não terão contrato e ainda precisam de muito dinheiro para serem concluídas — destacou uma fonte a par da negociação.

Estima-se que somente quatro sondas paradas há três anos nos estaleiros Brasfels, em Angra dos Reis (RJ), e Jurong, em Anchieta (ES), estejam avaliadas em cerca de US$ 3,4 bilhões. As duas do Brasfels têm 90% e 70% das obras concluídas. As outras duas, no Jurong, têm os mesmos níveis de construção.

Com as obras paradas, a Enseada Indústria Naval, que construiu um estaleiro em Paraguaçu, na Bahia, para fabricar seis sondas, viu o número de funcionários cair de oito mil para 250.

— Reduzimos os custos e renegociamos as dívidas com credores, em um processo de reestruturação que levou três anos. Ainda não sei se haverá novas construções no Brasil — diz Maurício Almeida, presidente da empresa, que vem buscando outras atividades, como operar um terminal de líquidos a granel.

Na lista de equipamentos abandonados estão ainda plataformas (FPSOs) de produção de petróleo. É o caso do estaleiro Rio Grande (Ecovix), no Rio Grande do Sul, do Grupo Engevix, que teve a recuperação judicial pedida em 2016 homologada no mês passado. Contratado pela Petrobras, o estaleiro viu suas encomendas de FPSOs revistas após ser alcançado pela Lava-Jato.

Três plataformas tiveram o contrato cancelado, mesmo já tendo consumido US$ 600 milhões (R$ 2,4 bilhões). O plano de recuperação da Ecovix prevê a conclusão de uma delas, a P-71, enquanto a P-72 será vendida como sucata. Já o projeto da P-73, em fase de engenharia, será abandonado. Outras duas FPSOs que seriam produzidas ali foram redirecionadas para a China.

A Petrobras diz que, por questões técnicas, jurídicas e econômicas, não há possibilidade de retomar a construção dessas unidades. Sobre a Sete Brasil, a estatal informou que já aprovou os principais termos para um possível acordo.
 

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Setor naval fechará quase 80 mil vagas até 2020

Após cancelamento de encomendas, petroleiras buscam na China plataformas mais baratas
 
 Bruno rosa / Ramona Ordoñez

RIO – Nos últimos quatro anos, pelo menos 60 mil empregos, boa parte de mão de obra qualificada, foram eliminados das estatísticas da indústria naval brasileira. Foi a consequência do novo declínio do setor, que havia sido revitalizado no início dos anos 2000 com a política de priorizar equipamentos nacionais na exploração e produção de petróleo.

De acordo com o SINAVAL, que reúne as empresas do setor, os estaleiros brasileiros empregam atualmente 25 mil trabalhadores no país. Eram 84 mil em 2014. A expectativa da entidade é que esse número seja reduzido ainda mais, para cerca de seis mil pessoas em 2020.

A grave crise financeira da Petrobras — agravada pelos casos de corrupção desvendados pela Operação Lava-Jato envolvendo executivos da estatal, políticos e fornecedores — e a queda dos preços do petróleo, a partir de 2014, levaram ao cancelamento de muitas encomendas da estatal a estaleiros nacionais.
 
Para cortar custos, a Petrobras passou a buscar na Ásia, sobretudo na China, plataformas mais baratas como forma de cortar custos. Desde 2016, foram pelo menos nove unidades contratadas de estaleiros chineses. Segundo consultores, esse número tende a aumentar a curto prazo, com novas encomendas para atender à demanda da produção no pré-sal, que está crescendo. Outras empresas do setor que atuam no Brasil fazem movimentos semelhantes.

BUSCA POR MAIS INCENTIVOS

A crise no setor tende a se agravar com as novas regras que reduzem a exigência de conteúdo local na indústria do petróleo. Até meados de agosto, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) já tinha recebido 300 pedidos de alteração de regras para que as petroleiras possam fazer seus projetos contratando mais empresas no exterior.

A Petrobras informou que contratará, nos próximos anos, plataformas para os futuros sistemas de produção de petróleo “considerando propostas que sejam competitivas para a execução dos mesmos e que atendam aos requisitos de integridade exigidos pela companhia”.

O presidente do Estaleiro Atlântico Sul (EAS), em Pernambuco, Harro Ricardo Burmann, está pessimista em relação ao futuro do setor naval. O estaleiro atualmente emprega cerca de 3.500 trabalhadores na conclusão dos cinco últimos navios petroleiros encomendados pela Transpetro, dos quais três serão entregues neste ano e mais dois até meados de 2019. Sem novas encomendas, a previsão é que o estaleiro praticamente feche suas portas em meados do ano que vem.

— O que vai acontecer quando entregarmos os últimos navios? A base industrial desenvolvida em Pernambuco vai sumir. Aqui já tivemos mais de 18 mil empregos diretos — diz Burmann.

No Enseada, na Bahia, as perspectivas também não são positivas. Maurício Almeida, presidente do estaleiro, também acha difícil que o setor volte a criar oportunidades com o deslocamento das encomendas para a Ásia:

— O Brasil vai precisar de 39 plataformas nos próximos 20 anos. Será muito difícil para o Brasil competir sem uma política industrial.

De acordo com Sérgio Bacci, vice-presidente do Sinaval, a perspectiva, com a falta de novas encomendas no Brasil, é de fechamento de mais vagas no setor nos próximos anos. Como a maior parte dos empresários, ele pede nova política de incentivos:

— Se nada for feito, vamos chegar ao fim do próximo ano com 17 mil trabalhadores. Em 2020, serão apenas seis mil. É preciso ter uma política industrial de Estado de longo prazo, ou vamos perder toda a infraestrutura que foi feita e a mão de obra treinada nos últimos anos.

Maurício Canêdo, professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas ( EPGE/FGV), avalia que repetir os incentivos que terminaram na atual crise não é o mais adequado. Para ele, o grande problema do setor naval no Brasil é que a política industrial foi baseada em reserva de mercado e subsídios. Por isso, explica, a fonte de recursos seca no primeiro momento de crise, e o setor perde as condições de continuar produzindo:

— A política precisa ser calcada na criação e aumento da competitividade. E não algo que permita a criação de novos estaleiros. Precisamos saber se o Brasil tem condições de desenvolver de fato uma indústria capaz de competir com as do exterior.

Para Magda Chambriard, ex-diretora-geral da ANP e consultora da FGV, alguns setores de infraestrutura do país não se sustentam sem uma política de Estado para crescer.

— A indústria naval brasileira, desde a década de 1970, experimentou vários momentos de apoio ao seu crescimento, mas logo foi abandonada em função de crises econômicas que ocorreram ao longo das últimas décadas. É preciso reconhecer os erros e os acertos.
 

Estaleiro Mauá soma dívidas de R$ 1,5 bi e tenta novo investidor
Empresa tem três petroleiros semiacabados parados há três anos no cais

 

 Bruno Rosa


 
Abandono. Os petroleiros Zélia Gattai e Irmã Dulce, no Mauá: quase prontos – Márcia Foletto / Agência O Globo
 
 

RIO – Fundado em 1845 e responsável por fabricar as primeiras plataformas de petróleo do país, na década de 1960, o Estaleiro Mauá, em Niterói, tenta um novo capítulo em sua história em meio a dificuldades financeiras.

A atual crise na empresa ganhou força há três anos, quando a Transpetro cancelou o contrato de construção de três navios petroleiros. Com isso, o estaleiro acumulou dívidas de R$ 1,5 bilhão e enfrenta um processo de recuperação judicial, cujo plano prevê a possibilidade de atrair um sócio estrangeiro para concluir as unidades.

CANTEIRO VAZIO

No estaleiro, o cenário é desolador, com seis funcionários fazendo a segurança do local interditado que abriga os três navios e a manutenção de toneladas de aço. Nesse espaço, que corresponde a cerca de metade da área de todo o estaleiro, dois petroleiros estão no mar à espera de uma solução.

Um, batizado de Irmã Dulce, tem 95% das obras concluídos. O outro, chamado Zélia Gattai, está com 89% prontos.
 
Situação pior tem o terceiro petroleiro, ainda localizado no pátio (chamado de carreira), com 60% das obras feitas. O espaço em que já transitaram 3.500 funcionários é hoje um grande vazio, com o navio inacabado cercado de tubos, correntes e uma chaminé com o logotipo da Petrobras desbotado. Estima-se que os ativos tenham valor de US$ 300 milhões, cerca de R$ 1,2 bilhão, segundo fontes do setor.

Ricardo Moreira Vanderlei, diretor-presidente do Estaleiro Mauá, diz que todo esse equipamento está enferrujando há três anos.

— Os dois navios estão sendo destruídos. É dinheiro público que está derretendo na Baía de Guanabara — diz. — A Transpetro cancelou os contratos e, com isso, não conseguimos arcar com os salários dos funcionários. Hoje, temos duas ações na Justiça contra a empresa questionando o fim do contrato e pedindo indenização devido ao desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

A Transpetro disse que os contratos foram rescindidos “em decorrência do inadimplemento das obrigações contratuais”. A subsidiária da Petrobras informou ainda que as avaliações indicaram como melhor alternativa a não continuidade da construção.

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