F-16: o que os EUA de fato prometeram à Ucrânia?

Depois de meses de negativas, Casa Branca cede a apelos e dá luz verde para envio de caças de quarta-geração e vai apoiar treinamento de pilotos.

Depois de várias negativas da Casa Branca, o presidente Joe Biden finalmente cedeu aos apelos da Ucrânia e dos aliados europeus por aviões de combate do tipo F-16, nesta sexta-feira (19/05).

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, deverá debater detalhes do envio com Biden durante a cúpula do G7 em Hiroshima, no Japão.

O que exatamente foi prometido à Ucrânia?

Os Estados Unidos vão apoiar o treinamento de pilotos ucranianos no uso de aviões de combate de quarta geração, incluindo os F-16. Enquanto o treinamento ocorrer, os Estados Unidos e a coalizão de países que participam da iniciativa querem tomar outras decisões: quem vai disponibilizar quantos caças e quando.

Certo é que o treinamento dos pilotos será em locais na Europa (mas não na Ucrânia), e deverá começar já nas próximas semanas e durar meses.

Militares americanos calculam que o treinamento de pilotos ucranianos no uso dos F-16 pode ser concluído em quatro meses, desde que os pilotos já estejam treinados em caças da era soviética.

Entre os possíveis locais de treinamento estão as bases aéreas americanas de Aviano, na Itália, e de Spangdahlem, na Alemanha.

Não foi divulgado quantos pilotos serão treinados.

Os EUA prometerem enviar caças?

Não. O governo dos EUA claramente deixou essa possibilidade em aberto. Certo é que o caminho para que países aliados enviem caças das suas frotas para a Ucrânia está aberto, pois o presidente Joe Biden sinalizou aprovação.

E por que tudo depende dos EUA?

Os F-16 são fabricados pela empresa americana Lockheed Martin. Por isso, o governo dos EUA tem um papel central na questão, e não só por ter uma grande frota, mas também porque precisa aprovar o envio de caças das frotas de aliados. E por causa da tecnologia usada nos jatos, participa da decisão de quem pode ser treinado. Sem luz verde dos EUA, os parceiros europeus teriam as mãos atadas.

Os EUA deixaram, porém, uma ressalva clara: trata-se do envio de “aviões de combate de quarta geração, incluindo F-16”.

O que significa “de quarta geração”?

Isso significa que a Ucrânia não receberá os caças mais modernos, os F-35. Além disso, significa também que poderão ser enviados outros modelos, além dos F-16.

Entre os caças de quarta geração estão também os Tornados e os Eurofighter, usados pela Bundeswehr, os franceses Mirage 2000, e outros modelos americanos, como os F-15 e os F/A-18 Hornet.

Quais países têm F-16 e poderiam enviá-los à Ucrânia?

Entre os possíveis fornecedores estão, além dos EUA, a Holanda, a Bélgica, a Polônia, a Dinamarca e a Grécia. Todos eles usam F-16.

“O Reino Unido trabalhará com os Estados Unidos, Holanda, Bélgica e Dinamarca para fornecer à Ucrânia a capacidade de combate aéreo de que necessita”, disse o premiê britânico, Rishi Sunak.

A França e o Reino Unido, que não usam o F-16, querem participar do treinamento de pilotos. Portugal também se mostrou disposto a contribuir para a formação de pilotos e técnicos de aeronaves F-16.

Na Alemanha, o chanceler federal Olaf Scholz sinalizou que não quer enviar F-16 à Ucrânia, lembrando que o país já participa do fornecimento de outros armamentos, como tanques Leopard 2.

E por que Kiev quer tanto justamente o F-16?

Porque eles são tidos como eficazes e porque há muitos disponíveis. Em todo o mundo, mais de 2.800 caças F-16 estão em uso. Assim, Kiev pode esperar receber uma grande quantidade e ter menos problemas para conseguir peças de reposição.

O governo em Kiev argumenta que, com os caças ocidentais, poderá se defender melhor dos ataques de mísseis e drones da Rússia. Para isso, os F-16 seriam usados em combinação com sistemas terrestres de defesa aérea, já fornecidos pelo Ocidente.

Além disso, a Ucrânia quer usar caças ocidentais para apoiar as tropas em solo na ofensiva contra a Rússia.

Por que os EUA ficaram tanto tempo dizendo não?

Os EUA temem que caças ocidentais sejam usados para ataques em território russo, o que poderia levar a uma escalada do conflito, também para além do território ucraniano.

Os americanos também argumentavam que o treinamento de pilotos e de técnicos de manutenção é demorado, e por isso demoraria para que os F-16 entrassem em uso.

O governo Biden também dizia que era melhor enviar armas que os ucranianos pudessem usar em curto prazo, principalmente na esperada contraofensiva de primavera, prevista para começar logo.

Além disso, os F-16 são caros, e os republicanos, que agora têm maioria na Câmara dos Representantes, já ameaçaram não liberar mais recursos para a Ucrânia.

Do outro lado, os europeus há muito tempo pressionavam para os EUA mudarem de posição, o que o governo americano nunca descartou – também para manter unida a aliança dos apoiadores da Ucrânia.

Qual foi a reação da Rússia?

O governo russo advertiu que o envio de caças F-16 para a Ucrânia representaria “riscos colossais” para os Estados Unidos e os seus aliados. “Vemos que os países ocidentais continuam na linha da escalada. Isso implica riscos colossais para eles mesmos”, afirmou o vice-ministro do Exterior, Alexander Grushko, segundo a agência noticiosa russa Tass.

Do que caças como F-16 e MiG-29 são capazes?

Jatos como o F-16 ou o MiG-29 podem mudar uma guerra, e é por isso que a Ucrânia gostaria de tê-los. Mas como funcionam e quais as diferenças entre eles?

Nas curvas, a pressão do corpo contra o assento é gigantesca. Somente pessoas com o mais alto nível de preparo físico conseguem aguentar. Além disso, é preciso vestir calças especiais que permitam a circulação do sangue nas pernas e evitem que o piloto perca a consciência. O voo raramente tem velocidade inferior a 900 km/h.

“A aceleração é de tirar o fôlego.” É assim que o ex-piloto da Força Aérea alemã Joachim Vergin descreve a sensação de pilotar um caça. Talvez ela seja comparável a de andar numa montanha-russa – mas com forças duas vezes maiores, ou até mais.

É um desafio complexo, que implica também saber utilizar um vasto leque de armas. Lutar, desviar, defender-se. Em caso de problemas, a questão é sempre de vida ou morte – e tudo isso muitas vezes na velocidade do som.

Motor forte e armas

Atualmente, está em debate se o Ocidente deve ou não fornecer jatos à Ucrânia, como os modelos F-16 ou MiG-29. Mas qual deles seria o mais adequado?

Os caças a jato foram usados ​​pela primeira vez no final da Segunda Guerra Mundial. Com seus motores, voavam muito mais rápido do que os aviões a hélice usados ​​até então.

Um motor a jato funciona da seguinte forma: o ar é sugado para dentro do propulsor e comprimido. O combustível é então pulverizado no agora altamente comprimido ar e inflamado.

Como resultado, o ar é empurrado de forma “extremamente forte” para fora do motor, como explica Robert Kluge, especialista em aviação do Deutsches Museum, em Bonn, na Alemanha. Esse ar, então, empurra contra a resistência, seja a pista ou o ar circundante, acelerando a aeronave.

Os caças podem atacar alvos tanto no ar quanto no solo. Para batalhas aéreas, são equipados com mísseis ar-ar, que podem ser lançados durante o voo e destruir alvos que também estejam voando. Para alvos terrestres, usam projéteis ar-terra ou bombas de queda livre, explica à DW Leonhard Houben, historiador do Museu de História Militar Berlin-Gatow.

No momento da construção, são ponderados aspectos como se a intenção é utilizá-los para lutar contra outras aeronaves – e se elas podem revidar – ou se o plano é atacar alvos no solo. Essas considerações estratégicas também são importantes ao usar a tecnologia. O avião tem que ser leve e rápido para o combate aéreo ou tem que ser equipado com grandes tanques de combustível para voos mais longos?

MiG: ágil e leve

O MiG-29, um dos aviões cogitados para envio à Ucrânia, entrou em operação com um objetivo bastante claro: proteger as fronteiras do Pacto de Varsóvia contra caças da Otan. Isso significa que esse interceptador, que entrou em serviço em 1983, pode decolar e atingir seu alvo rapidamente.

Devido ao seu design, o MiG-29 é extremamente manobrável em combate aéreo: pode até ficar verticalmente no ar por curtos períodos de tempo. Contudo, sua versão inicial levava pouco combustível, para poupar peso.

F-16: polivalente

A maioria dos caças modernos combina uma variedade de capacidades. Segundo Houben, é mais econômico construir os chamados aviões de combate multimissão porque podem ser fabricados em grande número em apenas uma linha de produção.

O F-16 é um desses polivalentes produzidos em massa. Foi desenvolvido nos EUA na década de 1970 para ser vendido a nações parceiras como um jato multifuncional de baixo custo. O F-16 é o atual caça a jato com mais unidades em operação no mundo. Ainda é produzido nos EUA e está em constante aperfeiçoamento.

Houben diz que indiscutivelmente “os F-16 construídos há 20 anos estão no mesmo nível dos jatos russos construídos há três ou cinco anos”. Uma das razões é que o desenvolvimento da tecnologia de jatos de combate foi interrompido na Rússia na década de 1990 e muitos talentos emigraram.

O papel das armas

Além da tecnologia, o armamento é crucial. Sem ele, um avião é apenas “uma casca, como um caminhão de bombeiros sem uma escada magirus”, compara Kluge. Como outros especialistas, ele está convencido de que, se as aeronaves forem entregues à Ucrânia, serão equipadas com um pacote moderno de armas, porque só assim os ucranianos poderiam usar esses aviões para proteger seu espaço aéreo.

Ao contrário dos mísseis antiaéreos que são disparados do solo, os aviões a jato são altamente móveis e, portanto, podem proteger áreas maiores e derrubar mísseis de cruzeiro com projéteis ar-ar. Houben, no entanto, vê combates aéreos ao estilo de Hollywood entre aviões russos e ucranianos como improváveis, uma vez que as aeronaves modernas atacam-se a partir de grandes distâncias, sem estarem em contato próximo.

É um pouco semelhante aos tanques de guerra: quem atira primeiro e acerta, vence. Mísseis ar-ar modernos, uma vez lançados, aproximam-se sorrateiramente do alvo e aparecem no radar pouco antes do impacto. Muitas vezes, é tarde demais para evitar a explosão. Geralmente há pouco espaço para reviravoltas, tiros de metralhadora e coisas que comumente aparecem nos filmes.

Treinamento leva anos

No entanto, um piloto de caça também deve ser capaz de fazer combate corpo a corpo se todos os mísseis forem disparados. Ou seja: precisa ser multitarefa em condições extremas. Por isso, os pilotos não se formam da noite para o dia: para o Eurofighter usado na Alemanha, o treinamento dura de cinco a seis anos e custa 5 milhões de euros por piloto.

No primeiro voo, o ex-piloto Joachim Vergin teve um grande problema: um dos motores falhou. Embora estivesse com muito medo, soube reagir graças aos exercícios a que foi submetido, manteve a calma e pousou em segurança.

É frequente que um piloto aprenda a pilotar apenas um tipo de caça e o retreinamento para outro leve muito tempo. Quando Vergin fez a transição do modelo Phantom para o Tornado, teve que se preparar por sete meses.

É precisamente nesse ponto que todos os especialistas ouvidos pela DW veem o maior desafio para os pilotos ucranianos. Todos os manuais, todos os botões das aeronaves da Otan estão em inglês – e não é fácil manipulá-los quando se é alfabetizado em cirílico. Além disso, os números são expressos em pés e milhas, enquanto os da antiga União Soviética usam valores métricos.

Jato como mito

Na guerra, no entanto, os caças são mais do que a soma de suas capacidades técnicas. Kluge descreve o avião como um “mito” porque, ao contrário dos humanos, ele também pode se mover para o alto e para baixo.

Um caça a jato pode ser visto como um símbolo que pode aumentar a moral das tropas. E sua mera presença pode fazer os inimigos pensarem duas vezes antes de se aventurar a atacar um país.

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