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A Embraer decola (de novo)

Ralphe MANZONI JR

Desde 1992, o executivo Frederico Curado, presidente da Embraer, frequenta as duas principais feiras de aviação do mundo: a Paris Air Show, que acontece em anos ímpares, na França, e a Farnborough International Show, nos anos pares, na Inglaterra. Quem visitou o evento deste ano dessa versão francesa da Disneylândia do setor aeronáutico, encerrada em 23 de junho, em Le Bourget, a 12 quilômetros de Paris, pôde ver de perto o superjumbo A380, da Airbus, maior avião comercial do mundo, e o 787 Dreamliner, da Boeing, que ficou meses sem voar por um defeito na bateria. Acrobacias aéreas com caças militares costumam tornar o ambiente ensurdecedor à tarde, dificultando as conversas entre os fabricantes e seus potenciais clientes das companhias de aviação espalhadas mundo afora.

A balbúrdia e a correria típicas do salão, no entanto, não parecem incomodar o carioca Curado, 52 anos, torcedor fanático do Botafogo. Prova disso é que ele ficou de fora apenas uma vez. Foi em 2005, em razão de uma crise de apendicite às vésperas do evento na Cidade Luz. Nesses 21 anos de presença assídua, dois momentos são lembrados por Curado como cruciais para a história da Embraer. O primeiro deles aconteceu em 1999. Na época, o executivo era responsável pela área de aviação comercial da companhia de São José dos Campos e anunciava o lançamento de sua primeira família de jatos com capacidade para transportar mais de 100 passageiros, os chamados E-Jets.

A outra foi em 17 de junho deste ano, quando a Embraer divulgou os planos da segunda geração de seus aviões comerciais, com capacidade de transportar até 144 passageiros. O investimento, em oito anos, será de US$ 1,7 bilhão. “Estou, incomparavelmente, mais tranquilo hoje”, disse Curado à DINHEIRO, quando retornava do aeroporto de Le Bourget, depois de uma longa e exaustiva jornada, na qual comandou oito reuniões com clientes e analistas, marcadas por diversas interrupções de pessoas que passavam apenas para cumprimentá-lo – seu almoço havia sido um lanche rápido. “Não tínhamos o porte atual”, afirmou ele. “Se o projeto desse errado, o futuro estaria comprometido. Lá atrás, era vida ou morte.”

A nova geração de E-Jets, batizada de E2, representa um novo salto para a Embraer, a terceira maior fabricante global de jatos comerciais. Com faturamento de US$ 6,2 bilhões em 2012, dos quais 90% de vendas ao Exterior, o que a torna a mais internacionalizada das companhias brasileiras – ela está atrás apenas da americana Boeing e da franco-alemã Airbus. Seu novo projeto aumenta a capacidade de transporte de seus aviões e coloca mais pressão sobre a canadense Bombardier, que não conseguiu nenhum pedido para os seus novos jatos CSeries no evento. Ao mesmo tempo, a Embraer evita competir diretamente com Boeing e Airbus, cujas aeronaves menores começam a partir de 150 assentos.

O anúncio veio acompanhado por 365 pedidos de compras, entre ordens firmes, opções e cartas de intenções. Foi a maior encomenda para uma família de aeronaves da Paris Air Show deste ano. A americana SkyWest, maior companhia aérea regional do mundo, ficou com 200 aeronaves. “Esse é o modelo de avião mais caro que já comprei”, brincou Jerry Atkin, CEO da SkyWest. A americana International Lease Finance Corporation (ILFC), uma das maiores empresas globais de leasing do setor aéreo, assinou carta de intenção de 100 jatos. É a primeira vez que a ILFC, que tradicionalmente só adquire aviões da Boeing e da Airbus, faz negócios com a Embraer. “O grande número de companhias aéreas que usam os E-Jets é muito atrativo, porque nos dá oportunidades para oferecer a aeronave”, afirmou Henri Courpron, CEO da ILFC.

Os negócios previstos com a segunda geração dos E-Jets são superiores a US$ 19 bilhões, considerando-se o preço de tabela dos jatos e a concretização de todas as opções e cartas de intenções. “A Embraer é uma companhia muita agressiva”, afirma Richard Aboulafia, vice-presidente de análise da consultoria americana Teal Group, especializada em aviação. “Eles estão oferecendo um bom produto com um custo de desenvolvimento relativamente baixo.” Os novos jatos marcam também o retorno da Embraer aos seus bons tempos, depois que a crise financeira de 2008 fez com que a companhia aérea brasileira mergulhasse numa turbulência da qual começa agora a emergir. Nos últimos anos, seu faturamento e a carteira de pedidos encolheram.

No entanto, neste primeiro semestre, os ventos começaram a mudar. Tanto que a Embraer divulgou acordos de vendas com a SkyWest, United Airlines e Republic Airways, além de confirmar a vitória para fornecer os aviões militares Super Tucanos para a Força Aérea dos Estados Unidos. Somadas, essas encomendas significam potencial de negócios de quase US$ 16 bilhões, caso todos os pedidos sejam confirmados. No total, são US$ 35 bilhões em pedidos neste semestre. Esse bom momento também está refletindo no desempenho de suas ações. Neste ano, elas acumulam alta de 41,8%, a maior entre as 71 ações da carteira teórica do Ibovespa, segundo a consultoria Economática. No mesmo período, a bolsa paulista recuou 21,9%.

CABEÇA DE RATO

Com o codinome de G2 antes de ser anunciada, a nova geração de E-Jets vem sendo desenvolvida pelos executivos da Embraer há pelo menos três anos. Só nos últimos 12 meses, porém, a companhia bateu o martelo pelos jatos com capacidade entre 80 e 144 passageiros. Antes disso, os executivos da Embraer consideraram seriamente subir um degrau e produzir aviões com capacidade superior a 150 assentos, competindo diretamente com Boeing e Airbus. No ano passado, o conselho de administração decidiu evitar essa disputa. “A Embraer optou por ser a cabeça de rato em vez do rabo do leão”, afirmou à DINHEIRO o coronel e engenheiro aeronáutico Ozires Silva, o primeiro presidente da companhia, em entrevista em 2012.

Explica-se a frase de Ozires Silva. A decisão da Embraer foi manter sua posição de liderança em jatos de 70 a 120 assentos, na qual detém 42% do mercado, do que enfrentar Boeing e Airbus, transformando-se em um fornecedor de pouca relevância. “Para competir com eles, era preciso construir um produto com um grande valor agregado”, diz Curado. “E os clientes estão bem atendidos por Boeing e Airbus.” A opção preferencial da Embraer por manter-se na aviação de jatos de médio e pequeno porte foi curiosamente reforçada pela estratégia da Bombardier. Em 2008, a canadense anunciou uma nova linha de jatos batizada de CSeries, que concorre com aviões de menor porte da Boeing e da Airbus.

A reação das duas grandalhonas foi rápida. Elas remodelaram o A320 e o Boeing 737, acrescentaram motores mais eficientes e econômicos e partiram para a briga. Em 18 meses, venderam mais de dois mil jatos dessas linhas. A fabricante de Montreal desde então conquistou apenas 177 pedidos firmes de compras para seu novo jato, que deve começar a ser entregue em 2014 – até lá, estima contar com 300 compras. “Acreditamos que esse foi um grande erro da Bombardier”, diz Paulo Cesar de Souza e Silva, presidente da Embraer Aviação Comercial. Com a decisão de produzir um avião menor, a Embraer envolveu cerca de 150 funcionários para trabalhar no projeto dos novos jatos E2, que tiveram um investimento de US$ 50 milhões nessa fase.

A primeira decisão crítica era escolher o número de aeronaves a serem produzidas. A linha atual conta com quatro modelos. A nova ficou com apenas três. “Sempre há o medo de deixar um flanco aberto aos concorrentes”, afirma Curado. Os clientes foram fundamentais nessa decisão. No ano passado, os principais deles, como a SkyWest, reuniram-se em Nova York, num fim de semana, para colaborar com a Embraer nessa tarefa. Foram eles que ajudaram a definir o tamanho do E190 – E2. Originalmente, ele seria maior e teria uma fileira adicional de assentos. “Os clientes disseram: deixa desse jeito que está bom”, diz Souza e Silva. “Então, deixamos.”

O primeiro voo do E2 acontecerá no segundo semestre de 2016. Se tudo der certo, o primeiro modelo será entregue em 2018 – o cronograma prevê que os outros dois aviões ficarão prontos até 2020. Para a Embraer, é bom que voem logo. Afinal, o mercado de jatos regionais ganhará novos competidores a partir de 2014, ameaçando a tranquila posição da companhia aérea de São José dos Campos. Entre eles estão a russa Sukhoi e a japonesa Mitsubishi. Ambas terão aviões modernos e com motores que prometem mais economia de combustível, um item fundamental em tempos de preço de petróleo alto. Sem contar os novos jatos da Bombardier. “No médio prazo, o cenário da Embraer é bem conturbado”, diz Sandra Peres, analista da corretora Coinvalores.

DIVERSIFICAÇÃO

A trajetória da Embraer é uma história de altos e baixos – alguns deles tão profundos que quase a levaram à falência. Fundada em 1969 durante o regime militar para desenvolver o avião Bandeirantes, a companhia respirou bons ares por 20 anos, graças à fartura dos subsídios oficiais. Sobretudo na década de 1980, quando conseguiu algum sucesso na exportação de seus aviões. Nos anos 1990, como tantas outras empresas estatais, a Embraer era ineficiente, inchada e incapaz de alçar voos sem a proteção do Estado. Só não morreu porque foi privatizada em dezembro de 1994, mergulhada em dívidas e prejuízos. Quatro anos depois de passar às mãos da iniciativa privada, voltou ao azul.

O símbolo dessa virada foi o ERJ 145, um jato regional para transportar até 50 pessoas. Saneada, a Embraer deu um passo mais ousado em 1999, quando anunciou a família E-Jets. Era o produto certo, na hora certa. “Ele abriu a porta da companhia para as grandes operadoras aéreas do mundo”, diz Curado, que está a serviço da Embraer desde 1984, onde entrou como engenheiro mecânico recém-formado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica, celeiro de profissionais para a companhia. “Hoje, nossa carteira de clientes conta com nomes de porte como KML, Lufthansa, United Airlines e Alitalia.” Com as primeiras entregas dos E-Jets a partir de 2004, a Embraer decolou outra vez.

Suas vendas começaram a expandir-se até atingir o pico de US$ 6,3 bilhões em 2008, ao mesmo tempo que a carteira de pedidos chegou a US$ 21,6 bilhões. Um ano antes, o número de funcionários atingira 23,7 mil – quando foi privatizada a Embraer tinha 6,5 mil empregados, reduzidos para 3,5 mil dois anos depois. Esse céu de brigadeiro se transformou em um temporal, que mais uma vez levou a Embraer a enfrentar turbulências. “Foi uma tempestade perfeita”, disse, na época, Curado, referindo-se à confluência de fatores como a crise internacional que abalou severamente o mercado de aviação, derrubando as encomendas e fechando as torneiras dos financiamentos.

A reação de Curado foi demitir 4,2 mil funcionários em 2009, numa decisão dramática para garantir, mais uma vez, a sobrevivência da empresa. “Não se trata de um problema passageiro”, afirmou, justificando os cortes. Quatro anos depois, a Embraer está de novo no rumo. No ano passado, sua receita foi equivalente à de 2008. A carteira de pedidos voltou a crescer. Estima-se que, no segundo trimestre deste ano, retornará ao nível de 2010. Esse resultado só foi conseguido em razão da diversificação de seus negócios. É fato que a aviação comercial será sempre o pilar da Embraer, com aproximadamente 50% da receita, de acordo com Curado. Mas outras áreas vão ganhar cada vez mais espaço, como a de aviação executiva, criada em 2000 e comandada pelo executivo Ernest Edwards.

Ela já conta com mais de 600 aeronaves voando pelo mundo e representou 21% da receita da Embraer em 2012 – a meta é chegar a 25% neste ano. Em apenas 13 anos, a fabricante brasileira conquistou a quinta colocação em receitas nesse mercado, liderado pela Bombardier. “Podemos chegar ao terceiro lugar”, diz Curado. O mesmo desempenho tem tido a divisão de defesa e segurança, sob a responsabilidade de Luis Carlos Aguiar. Embora a Embraer tenha sido criada com fins militares, essa área foi perdendo importância para a aviação comercial ao longo do tempo, até se tornar quase insignificante no final de década de 1990. Mas, nos últimos anos, ganhou novamente musculatura.

Em 2006, por exemplo, representava 6% da receita da Embraer. No ano passado, ultrapassou pela primeira vez US$ 1 bilhão em receitas, conquistando uma fatia de 17,1% do faturamento do grupo. Seu crescimento médio, nesse período, foi de quase 30%. Neste ano, deve repetir essa taxa de expansão. Graças não só ao contrato de venda de cerca de US$ 500 milhões do Super Tucano para os EUA, mas também a projetos criados por empresas incorporadas pela Embraer a partir de 2011, como a Atech, Harpia, Orbisat, OGMA e Visiona, que atuam em áreas de monitoramento, radares e satélites.

O segmento de helicópteros ainda está no radar da Embraer, apesar de o acordo com a italiana AgustaWestland, anunciado em janeiro, não ter avançado. “Não desistimos de estudar essa área”, diz Curado. “Achamos que ela tem um potencial interessante, mas não passa pela nossa cabeça começar do zero esse negócio.” Os céus estão mais azuis para a Embraer. Será um sinal de que os bons tempos da empresa vieram para ficar? “O melhor momento da Embraer está por vir”, afirma Curado. “Se o melhor momento chegar, começamos a cair amanhã.” E de cair e de subir, Curado, definitivamente, entende.

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