Venezuela: dependência do petróleo é desafio para presidenciáveis

Daniela Ubal

Faltam pouco menos de duas semanas para que os venezuelanos decidam quem comandará o país nos próximos anos. Porém, tão importante quanto vencer as eleições presidenciais, disputadas basicamente pelo atual mandatário Hugo Chávez e pelo representante oposicionista Henrique Capriles, será guiar um país que diminuiu sua igualdade social, mas aumentou sua dependência do petróleo.

Precursora da onda esquerdista que marcou os governos latino-americanos na última década, a Venezuela conquistou importantes avanços sob a batuta de Chávez em 14 anos de governo. Contudo, apesar de liderar a luta contra o analfabetismo na América Latina e Caribe e possuir o menor nível de desigualdade da região, de acordo com o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), o país segue lutando contra a sua secular economia rentista, vulnerável às alterações de seu produto vital.

"A Venezuela, ainda com um vasto território fértil, e tendo sido uma grande produtora de cacau, café, leite e carne, tem hoje sua agricultura e pecuárias reduzidas a pouco ou quase nada", destaca a historiadora Carla Ferreira, doutora e integrante do Núcleo de História Econômica da Dependência Latino-americana da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

Uma das características clássicas da indústria petrolífera é empregar muita tecnologia e pouca mão de obra, gerando um enorme excedente de força de trabalho. "Isso significa dizer que na Venezuela a oferta de trabalho é muito baixa e o desemprego, o trabalho precário e super explorado, podem alcançar 70% dos trabalhadores urbanos", explica Ferreira.

A retomada do controle de petróleo, que ocorreu com a chegada de Hugo Chávez ao poder, em 1999, – a empresa estatal PDVSA mantém o monopólio exclusivo dos hidrocarbonetos que se encontram no subsolo venezuelano – buscava justamente obter uma maior parte das receitas do setor. "Isso foi alçando pelo governo Chávez", opina Ferreira. "E a distribuição das receitas na Venezuela melhorou significativamente, retomando níveis próximos aos do início dos anos 80."

Contudo, construir condições seguras e duradouras para os trabalhadores da sociedade venezuelana, em geral, requer muito mais que isso. "Nessa área, o governo Chávez e a aliança policlassista que lhe dá sustentação, e igualmente todos os governos antecessores desde 1936, fracassaram. Se trata, na realidade, de um problema de difícil solução", opina a professora.

Historicamente, o PIB per capita da Venezuela vem caindo constantemente desde 1960. Passou de US$ 179,2 a US$ 122,8 por habitante. "O lucro extraordinário do setor petrolífero tem como resultado inescapável a contração das demais atividades produtivas, que são incapazes de atrair capitais para setores menos rentáveis", afirma a historiadora.

Diante desse panorama, a única saída segura para que o capital prospere na Venezuela é por meio especulativo, o que provoca grandes problemas que afetam esferas fundamentais do dia-a-dia da população, como o abastecimento de alimentos e a instabilidade inflacionária – a Venezuela possui a mais alta taxa de inflação da América Latina (cerca de 26%).

Poderá Capriles Radonski oferecer uma saída? Até agora, o rosto da Mesa de Unidade Democrática também não conseguiu decifrar o enigma, o que, no entanto, não lhe impediu de criticar a atual gestão. Sob o lema "usar o petróleo para não depender do petróleo", o advogado prometeu em sua campanha aumentar a produção, despolitizar a PDVSA e "revisar" acordos petrolíferos com outros países, mas sem explicar como pretende fazer isso.

"Capriles tenta parecer o que não é. Essa estratégia causa uma séria inconsistência com a sua imagem. Quer parecer modernizador e moderado, mas é o contrário", diz a historiadora. "É conservador, apoiado por partidos que tradicionalmente governaram o país e por setores que sempre se beneficiaram da especulação", acrescenta Ferreira.

O professor e doutor em Ciências Políticas André Luiz Reis da Silva, coordenador do curso de Relações Internacionais da Ufrgs, assinala que essa é uma questão antiga, que afeta a todo os países monoexportadores, especialmente no caso do petróleo. "Isso só poder ser revolvido ao se proteger o setor petrolífero de sua própria vulnerabilidade e construindo alternativas que possam contrabalançar a excessiva dependência", diz Silva.

Ainda que não tenham sido suficientes para resolver os problemas estruturais da Venezuela, os esforços do governo chavista para fortalecer a Organização de Países Exportadores de Petróleo (Opep), preservar as reservas e aumentar o preço do petróleo geraram bons resultados. A busca por outros mercados consumidores, como a Ásia, para não depender apenas da demanda dos Estados Unidos, cuja perspectiva é diminuir nos próximos anos, representou uma mudança significativa na estratégia bolivariana.

"Na esfera na produção, contudo, o governo manteve fortes vínculos transnacionais americanos e suas transferências de valor, que extraem lucros extraordinários desse país. Esse tema, nem Chávez, nem Capriles parecem dispostos a enfrentar", avalia Ferreira.

Insegurança, outra consequência
A instabilidade da inflação e o abastecimento de alimentos não são os únicos efeitos colaterais da dependência do petróleo. A violência, um mal que assombra o país, configura como um dos desafios que o próximo presidente terá de encarar com contundência.

"Qualquer presidente que assuma a condução desse país precisará enfrentar com muita firmeza as práticas especulativas que promovem a escassez de alimentos e elevado déficit habitacional, principalmente em Caracas e na região metropolitana da capital", diz Ferreira. Ela afirma que essas práticas agravam a situação de precariedade de grande parte da população, o que estaria relacionado com o aumento dos índices de violência.

De acordo com um relatório recente das Nações Unidas baseado na situação de países afetados pela crise econômica de 2008, o crescimento da insegurança está associado com a instabilidade trabalhista e as condições de sobrevivência humana. "Na sociedade nada se constitui como um fenômeno isolado. Tudo está relacionado", aponta a historiadora.

Para Fabricio Pereira da Silva, professor de Ciência Política da Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila), sediada em Foz do Iguaçu (PR), o combate à criminalidade também depende do voluntarismo e da insuficiente burocracia venezuelana. "O processo depende da liderança forte e voluntarista de Chávez, o que aprofunda a sensação de instabilidade e a divisão político-social em torno dos polos 'amigo' e 'inimigo' e dificulta a produção de novas lideranças", afirma o professor.

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