US RU OTAN – Momentos mais perigosos da guerra na Ucrânia podem estar por vir

Os momentos mais perigosos da guerra na Ucrânia estão por vir. A invasão russa está sendo mais devagar e encontrando uma resistência muito maior do que o presidente Vladimir Putin esperava.

Há graves problemas de logística, comando, moral e eficácia de combate. Mas os russos vão seguir em frente. E, à medida que fazem isso, as baixas civis nas áreas atingidas pelos bombardeios vão aumentar.

Embora as sanções e boicotes ocidentais tenham revelado um raro grau de unanimidade, vão levar tempo para surtir efeito. E não vão parar esta guerra.

Isso porque se tornou uma luta existencial para Vladimir Putin. Se ele perder, ele sabe que seus dias no poder estão contados.

A possibilidade de ser deposto ou enfrentar um tribunal penal internacional estará em sua mente.

Seu objetivo é derrubar o governo de Kiev e instalar um regime fantoche. Qualquer coisa aquém disso o deixa vulnerável a uma resistência interminável na Ucrânia.

Para quem conhece o país e sabe como ele mudou nos últimos oito anos, seu objetivo de supressão parece muito irrealista, mesmo que ele obtenha uma vitória militar de curto prazo.

Ainda assim, nesta fase, ele tem todos os motivos para continuar prosseguindo com sua guerra, por maior que seja o custo em vidas.

Os ucranianos se mostraram mais do que experientes na guerra da informação. Eles se adaptam rapidamente e são inovadores nos confrontos militares. Lutam como pessoas que temem perder sua terra natal para um invasor estrangeiro.

Mas diante de uma força militar com imensa superioridade numérica, sua melhor opção é levar os russos para uma desgastante guerra de atrito.

Conforme mais cidades são bombardeadas e a Rússia aumenta o sofrimento dos civis, à medida que surgem detalhes dos crimes de guerra, como os aliados respondem quando as sanções não são capazes de silenciar a artilharia?

Após ter descartado envolvimento militar, por receio de uma horrenda guerra europeia mais ampla, o Ocidente terá que considerar como responder às imagens de cidades sitiadas sob bombardeio russo.

Não há respostas fáceis. Estamos verdadeiramente numa paisagem desconhecida.

Putin está mesmo perdendo a guerra?¹

Yuval Noah Harari, historiador israelense e autor de “Sapiens – Breve História da Humanidade”, afirmou em um artigo publicado no jornal britânico The Guardian que a guerra da Rússia contra a Ucrânia já tem um perdedor: Vladimir Putin.

Para o escritor, a resistência dos ucranianos contra a invasão em seu território mostra que o presidente russo pode até conquistar o país vizinho, mas não o coração e as mentes da população. Estes, pontuou Harari, obtiveram a admiração do mundo todo devido à resiliência contra os agressores.

Harari tem razão.

Em pouco menos de uma semana, Putin apostou alto em uma guerra contra o vizinho rebelde, que há pouco ensaiava aderir à OTAN, pensando que o conflito reposicionaria a Rússia no mapa como o grande império que foi um dia.

O que ele conseguiu, até aqui, foi contratar uma crise de proporções ainda a serem calculadas —inclusive nos campos de refugiados, por onde passam hoje centenas de milhares de ucranianos indispostos a viver sob as rédeas de Putin.

Entre tantas promessas de ajuda e armamento para a Ucrânia, nenhuma medida tomada pelos países ocidentais teve tanto poder de fogo quanto a asfixia do sistema financeiro russo. Isso levou a uma queda abrupta da moeda local e forçou o Banco Central do país a praticamente dobrar a taxa de juros.

A corrida da população russa em direção à boca do caixa mostra o nível de confiança nas decisões de seu presidente.

Aqui, faltam instrumentos para mensurar o repúdio dos governados em relação à guerra. A Ucrânia, como se sabe, é uma espécie de país irmão da Rússia. Muitos tem parentes e amigos em risco do outro lado da fronteira. E sabem que o povo ucraniano não precisa pagar com a vida devido à escalada das hostilidades,, até então retóricas, de um governo anti-Kremlin.

Com algumas milhas de vantagem sobre o segundo colocado, a Rússia hoje se isola como pária internacional. Empresas e milionários do país estão proibidos, ao menos temporariamente, de fazer negócios com países dispostos a levar as sanções contra Moscou até o fim.

A pancada é tão grande que até a ensaiada ajuda da China já se mostra insuficiente. As reservas de quem se preparou para atravessar o inverno, e que hoje derretem, também.

Para o governo russo, a guerra hoje pode até levar à conquista de um território importante da Europa, mas a contrapartida é perder o lugar em um mundo que já não existirá mais —não para o Kremlin.

A frustração dos próprios russos com os resultados imediatos do conflito até aqui é imaginável. Pense no sentimento da equipe técnica, dos jogadores e dos torcedores da seleção russa de futebol ao saber que, por conta das hostilidades de seu presidente, eles não poderão disputar a próxima Copa do Mundo, a ser realizada no Qatar, no fim do ano. (Hoje, aliás, não seria exagero imaginar que a própria realização do Mundial está em risco, como aconteceu entre 1938 e 1950).

Putin chegou até onde chegou asfixiando políticos de oposição, o direito a manifestação da população e a liberdade de imprensa. Centenas de compatriotas foram presos em protestos contra a guerra.

O cidadão russo médio não ganhou nada com o conflito. Está empobrecido, isolado e impedido de circular por um mundo de sanções, a começar pelo fechamento do espaço aéreo.

Putin terá de lidar com isso mesmo que apresente a cabeça do inimigo em uma bandeja. Na batalha pela admiração dos pares, é Volodymyr Zelensky quem tem ganhado pontos ao se negar a abandonar o país e cerrar as fileiras da resistência.

Jair Bolsonaro, que dias atrás declarou ter um casamento mais do que perfeito com o autocrata russo, debochou do presidente ucraniano pelo fato de ele ter trabalhado como ator antes de chegar ao poder. Mas não é Zelensky quem está atacando um país vizinho.

A desproporção de forças, escancarada nas pilhas de mortos e destruição nas principais cidades ucranianas, tende a se converter em sentimento de vergonha, e não ufanismo, de quem assiste ao confronto do outro lado da fronteira.

O cenário que se desenha é o seguinte: enquanto Putin for o presidente, ninguém na Rússia poderá descer para brincar no play.

Por ironia, os planos de expansão imperiais do presidente podem ser o começo do fim de sua dinastia.

Sim, Putin está perdendo a guerra. Mesmo que a Rússia saia vitoriosa do campo de batalha.

No mundo global e conectado como o atual, a história dos vitoriosos será contada em outros fronts.

¹com Yahoo News – Matheus Pichonelli

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