“Se guerra escalar, pressão sobre Brasil deve aumentar”

Durante o governo do ex-presidente americano Donald Trump, em 2019, o Brasil se tornou "Aliado Preferencial extra-OTAN", posição que designa países que não são membros efetivos da Organização do Atlântico Norte (OTAN), mas que são aliados estratégicos militares dos Estados Unidos. Quase três anos depois, o Brasil se vê numa posição delicada em relação à aliança no contexto da guerra na Ucrânia.

Atualmente, o status permite, em tese, vantagens no campo militar, como colaboração com os EUA em campos de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia de defesa; cooperação para treinamento militar; acesso preferencial à compra de equipamento militar americano; entre outras medidas.

Os EUA concederam o status de aliados extra-OTAN a 20 países. Brasil e Argentina são os únicos sul-americanos a receberem o status.

Em entrevista à DW Brasil, o pesquisador de Harvard, Vitelio Brustolin, professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (INEST-UFF), explica que o status de aliado extra-OTAN não tem por objetivo a defesa mútua com os EUA, mas, no atual contexto do conflito no leste europeu, "se a guerra escalar, o Brasil pode ser pressionado a tomar uma posição mais incisiva", diz.   

A cobrança de uma posição direta do Brasil na guerra já pode estar ocorrendo. Segundo o jornal alemão Süddeutsche Zeitung, o Brasil tem sido requisitado pela Alemanha para fornecer munição para dezenas de blindados doados à Ucrânia.

Na semana passada, a Alemanha anunciou o envio de 50 antigos blindados antiaéreos do tipo Gepard, fabricados na década de 70 e aposentados pelas Forças Armadas alemães há cerca de uma década. Dezenas deles foram comprados pelo Brasil em 2013. Agora, o mesmo modelo foi doado aos ucranianos pela Alemanha, mas há falta de munição na indústria bélica para o modelo. Por isso, o governo alemão estaria em diálogo com os países que utilizam o antigo sistema para contornar a escassez de munição.

A DW Brasil entrou em contato com o Itamaraty e o Exército brasileiro para comentar a questão, mas os órgãos não se pronunciaram.

DW Brasil: O que o status "extra-OTAN" significa para o Brasil no contexto da guerra Ucrânia-Rússia?

Vitelio Brustolin: A parceria não tem objetivos de defesa mútua, a não ser que isso seja previsto em acordo bilateral, o que não é o caso. O Brasil pode até manter boas relações com a Rússia, como faz a Turquia, por exemplo, que é membro da OTAN, mas que tem bom relacionamento com Moscou e ainda fornece equipamentos militares para a Ucrânia se defender.

Contudo, se a guerra escalar, o Brasil pode ser pressionado a tomar uma posição mais incisiva. Neste momento, o país vem vOTANdo contra a Rússia, tanto no Conselho de Segurança, quanto na Assembleia Geral da ONU. A postura oficial do Brasil tem sido favorável à Ucrânia, aos Estados Unidos e à OTAN – com a ressalva de que os votos do Brasil são acompanhados de críticas em relação a algumas sanções contra a Rússia, e com a exceção da visita de Bolsonaro a Putin, na véspera da invasão à Ucrânia, que foi criticada por Washington.

O que isso significa em termos práticos o Brasil ser pressionado a tomar uma posição mais incisiva na guerra?

O Brasil já vem sendo pressionado, mas de forma sutil. As críticas dos EUA à visita de Bolsonaro a Putin, na véspera da invasão à Ucrânia, por exemplo, são uma pressão por alinhamento. Os elogios dos EUA aos posicionamentos da diplomacia brasileira quanto à guerra na Ucrânia, em que o Brasil vem vOTANdo contra a Rússia no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral, também são uma forma de pressão

Portanto, neste momento, as pressões são por alinhamento diplomático, no caso das votações na ONU, por exemplo, e comercial, no caso da compra de fertilizantes da Rússia. Se a guerra escalar, ou seja, se mais países começarem a atuar diretamente com atos de força, o Brasil pode ser pressionado a tomar partido de alguma forma mais incisiva. Uma dessas formas seria, por exemplo, fornecer munição de tanques de guerra para a Ucrânia.

Dito isto, é preciso lembrar que a neutralidade [em questões internacionais] está prevista na Constituição brasileira, e que, apesar disso, Bolsonaro buscou uma aproximação militar com os Estados Unidos ao se tornar parceiro preferencial extra-OTAN.

O Brasil estaria dialogando com a Alemanha para enviar munições para os tanques de guerra na Ucrânia. A possível colaboração do Brasil no conflito pode ser resultado de uma pressão dos membros da OTAN?

Até o momento, isso é apenas uma hipótese. Se o envio das munições ocorrer, isso configura um envolvimento do Brasil no conflito, mas creio que o status de parceiro extra-OTAN não tem a ver com isso. O que acontece é que os tanques Flakpanzer Gepard que serão enviados pela Alemanha à Ucrânia para defesa antiaérea foram desenvolvidos nos anos de 1960, colocados em operação nos anos de 1970, e deixaram de ser operados pelos alemães em 2010. Logo, há falta de munição.

Em 2013, quando o Brasil comprou os tanques Gepard da Alemanha e teria adquirido grande quantidade de munição. Especialistas dizem que, mesmo se o Brasil fizer todos os exercícios militares previstos com os tanques, ainda assim parte da munição teria que ser descartada devido à expiração da validade.

Porém, reforço novamente que o Brasil buscou esse alinhamento na área militar com os EUA, então não seria algo inusitado que fosse chamado a colaborar diretamente no conflito.

O que mudaria nas relações exteriores do Brasil, principalmente com a Rússia, se o governo brasileiro enviar munição para a Ucrânia? O país pode ficar encurralado, por que também depende dos fertilizantes da Rússia, por exemplo?

Isso está no campo da especulação, mas podemos comparar com o caso da Turquia para entender a questão. Conforme mencionei anteriormente, a Turquia é membro da OTAN e fornece drones para a Ucrânia combater a Rússia. Ainda assim, a relação entre Rússia e Turquia é relativamente estável. Uma evidência disso é que algumas rodadas de negociação entre Rússia e Ucrânia têm sido realizadas em solo turco.

Devemos ter em mente que as relações entre países costumam ser pragmáticas. Fato é que o Brasil é um dos membros do grupo Brics, que também inclui Rússia, além da Índia, China e África do Sul. Trata-se de um grupo sem caráter militar e informal, ou seja, não tem status de organização internacional, mas tem algumas características formais, como o Banco dos Brics, por exemplo. Mas a existência do grupo econômico demonstra que há interesse dos países membros de se aproximarem.

Como você explicou, o Brasil vem vOTANdo contra a Rússia na ONU, porém, sempre com críticas às sanções contra Putin. Isso pode ser interpretado como uma posição dúbia?

A diplomacia brasileira está seguindo um posicionamento padrão e tem votado contra a Rússia nas questões mais importantes – no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral, por exemplo.

No único posicionamento recente em que não votou contra, o Brasil se absteve na votação que excluiu a Rússia do Conselho de Direitos Humanos. Ou seja, não votou contra, mas também não votou a favor.

Bolsonaro, por outro lado, não condenou a invasão russa. Também é verdade que os Estados Unidos criticaram Bolsonaro por visitar Putin na véspera da invasão e que a Rússia cita o Brasil como um país que entende os objetivos russos na Ucrânia. Porém, até o presente momento, não há consequências para as relações bilaterais do Brasil no contexto da guerra na Ucrânia.

Essa posição conflitante entre Bolsonaro e a própria diplomacia brasileira pode levar Joe Biden a remover o status de extra-OTAN do Brasil?

Isso é improvável. Os EUA têm interesse de que o Brasil mantenha esse status. Além disso, as eleições presidenciais no Brasil estão próximas e não há motivação, nem seria sensato, propor uma mudança no status neste momento.

O que os EUA ganham em ter aliados extra-OTAN na América Latina, como o Brasil e a Argentina?

Para os Estados Unidos, há algumas questões centrais na América do Sul. Primeiro, a Venezuela, com a qual houve reaproximação pontual recente dos EUA, mas apenas para isolar mais a Rússia e conseguir fornecimento de petróleo.

Segundo, o aumento da influência da China na região. Algumas análises são no sentido de que a parceria poderia ser uma retomada da Doutrina Monroe. De qualquer forma, como foi uma parceria feita majoritariamente por influência pessoal, os resultados das últimas eleições presidenciais no EUA tiveram influência sobre ela. Da mesma forma, os EUA devem aguardar os resultados das eleições presidenciais no Brasil para tomar decisões sobre essa parceria.

Em relação à soberania nacional, o status de extra-OTAN pode constranger o Brasil a ceder à criação de bases da OTAN em território nacional, como na Amazônia, ou ceder em infraestruturas nacionais, como o Centro de Alcântara?

O status extra-OTAN, por si só, não prevê o constrangimento da soberania do Brasil. Seria necessário algum acordo bilateral com os Estados Unidos para a criação de bases no Brasil. Porém, se isso acontecesse, as bases seriam dos Estados Unidos e não da OTAN, pois tanto o status extra-OTAN, tanto qualquer eventual acordo se daria com os americanos, não com a OTAN.

Em um balanço desses três anos como aliado extra-OTAN, o status trouxe vantagens políticas e econômicas para o Brasil?

O status pode ajudar o Brasil a obter tecnologias e acordos de salvaguardas que beneficiam programas tecnológicos no setor aeroespacial, no qual 90% dos mecanismos são produzidos pelos Estados Unidos. A

lém disso, pode haver benefícios na autorização de uso de mecanismos do Gripen NG – a turbina e o radar, por exemplo, são tecnologias estadunidenses. Também a aquisição de tecnologias para o submarino de propulsão nuclear brasileiro pode ser um aspecto positivo. Isso tudo, porém, ainda são apenas expectativas.

O status de aliado preferencial extra-OTAN dos Estados Unidos não funciona sem alinhamento político. Como disse, o governo brasileiro buscou esse alinhamento de forma pessoal, entre os presidentes Bolsonaro e Trump. Contudo, Trump foi derrotado nas eleições de 2020 e Bolsonaro, que havia declarado apoio direto à sua reeleição, demorou mais de um mês para reconhecer a vitória de Biden.

Em outubro de 2021, 63 congressistas estadunidenses, o que representa um quarto da bancada do Partido Democrata na Câmara dos EUA, enviaram uma carta a Biden pedindo que o status do Brasil fosse cancelado, por conta de declarações e atos de Bolsonaro. O status não foi revogado, mas é notório que a relação de Bolsonaro com Biden não é de proximidade. É claro que isso se traduz na ausência de vantagens estratégicas aqui mencionadas para o Brasil por parte dos EUA.

Se o Brasil priorizar o seu interesse nacional, o status pode, futuramente, fomentar a base industrial de defesa brasileira, mas é preciso que qualquer alinhamento não seja feito de forma automática, já que a Estratégia Nacional de Defesa prevê ações integradas empreendidas pelo Estado, indústria e meio acadêmico, de forma sinérgica, buscando a atualização e a independência tecnológica. O Brasil não pode usar o status para se tornar dependente de tecnologias estadunidenses.

Fornecimento de armas à Ucrânia divide população alemã

Reagindo à pressão crescente do público alemão e dos aliados internacionais, Berlim anunciou em 27 de março que enviaria tanques de combate para a Ucrânia. No dia seguinte, a coalizão governamental, formada pelos partidos Social-Democrata (SPD), Verde e Liberal Democrático (FDP), uniu forças com o principal grupo de oposição, as conservadoras União Democrata Cristã (CDU) e União Social Cristã (CSU) para aprovar no parlamento federal o envio das armas pesadas, por ampla maioria.

Pesquisas de opinião recentes mostram, contudo, que o eleitorado da Alemanha está dividido quanto à medida. O instituto Infratest Dimap consultou entre 25 e 27 de abril mais de 1,3 mil cidadãs e cidadãos com direito a voto: 45% se declararam a favor – uma queda de 10% em relação ao mês anterior. Mesmo assim, 52% desejam ações mais decididas e severas contra a Rússia.

Os resultados dessa enquete foram divulgados paralelamente à votação parlamentar. Um dia mais tarde, o Forschungsgruppe Wahlen registrou um aumento da aprovação às exportações de armas pesadas: dos 1.170 eleitores consultados entre 26 e 28 de abril, 56% foram a favor e 39%, contra. Por outro lado, 59% se disseram convencidos de que o fornecimento de armas aumenta o perigo de um ataque russo aos países ocidentais.

Chefe de governo na berlinda da opinião pública

Nesse mesmo dia, a revista feminista Emma publicou em seu website uma carta aberta ao chanceler federal Olaf Scholz, inicialmente assinada por 28 personalidades culturais do país, apelando urgentemente para que ele não forneça mais armamentos pesados ao país sob invasão russa.

Ao contrário dos que o têm acusado de indecisão, os signatários elogiaram o chefe de governo por ter "até agora considerado tão minuciosamente os riscos" e ter feito todo o possível para evitar que a agressão militar russa na Ucrânia escale numa terceira guerra mundial.

Apesar disso, as taxas de aprovação de Scholz vêm caindo, em decorrência do que é percebido como sua atitude hesitante. Apenas um terço dos entrevistados pelo Infratest Dimap acha convincente a política dele para Ucrânia, quase a metade não crê que o social-democrata seja capaz de liderar o país através da crise. Essas cifras indicam uma significativa perda de confiança desde as eleições gerais de 2021.

Cortar o gás russo ou manter a dependência?

Outro ponto controverso na Alemanha é a energia: 54% dos participantes da enquete querem o fim gradual das importações de gás e petróleo russos. Apenas 22% são por uma suspensão imediata, enquanto 19% preferem manter o status quo da dependência alemã dessa fonte de combustível.

Esses resultados também refletem o posicionamento oficial do Berlim, que tem advertido das consequências econômicas de um boicote, embora afirmando que está à busca de alternativas à Rússia, o mais breve possível. A meta seria cortar a dependência do petróleo nos próximos meses, e do gás, dentro de dois anos.

No nível da preferência partidária, a edição de abril do relatório Deutschlandtrend do Infratest Dimap mostrou poucas diferenças: os social-democratas de Scholz estão com 24%, atrás da oposição conservadora cristã (CDU/CSU) por dois pontos percentuais.

Os aliados do SPD no governo, os verdes e os neoliberais do FDP, mantém suas colocações, com 18% e 9%, respectivamente. Juntos, os três partidos ainda detêm 51% dos votos, confirmando seus status no governo federal.

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