Falhas na invasão russa surpreendem especialistas em defesa, que não subestimam força do Exército de Moscou

Escassez de alimentos e combustível, abandono de veículos militares, perda de aeronaves e a morte de soldados podem ser interpretados como indícios de que o início da invasão da Ucrânia, pelo Exército russo, apresentou erros táticos e de estratégia surpreendentes. É o que dizem especialistas americanos com experiência em acompanhar as Forças Armadas de Moscou.

Porém, a decepção dos primeiros dias, com uma possível subestimação da determinação dos ucranianos em se defender, pode motivar Moscou a investir todo o seu poder bélico e destruir, indiscriminadamente, grandes áreas do país, acrescentam as mesmas fontes.

Especialistas americanos que acompanham as ações do Exército russo dizem ter ficado surpresos com “a má administração da campanha militar”, com o bloqueio de soldados, centenas de blindados russos aparentemente perdidos e as forças aéreas do Kremlin impedidas, pela defesa ucraniana, de controlar o céu.

"Quando você gasta os seus recursos depois de duas ou três semanas, eu posso entender", diz Scott Boston, analista sênior de defesa da consultoria internacional Rand Corp. "Porém, quando você tropeça na porta de entrada da casa, você tem outro problema," acrescenta.

O Pentágono e especialistas do setor privado esperavam que os militares do presidente russo, Vladimir Putin, destruíssem rapidamente a capacidade da Ucrânia de revidar, minando o comando dos 200.000 militares ucranianos, derrubando as defesas antimísseis e destruindo a Força Aérea de Kiev. Nada disso, no entanto, aconteceu nos primeiros seis dias de confrontos.

E, embora não haja uma estimativa confiável do número de soldados russos mortos, feridos ou capturados, ele parece ser muito maior do que o esperado para uma invasão bem preparada e organizada.

"Falha colossal de inteligência"

"Foi uma falha colossal de inteligência, que subestimou amplamente a resistência ucraniana, e a execução militar foi terrível", analisa, por sua vez, Michael Vickers, ex-subsecretário de inteligência dos EUA. "Seu ataque principal foi insuficiente.

Foi fragmentado. Os homens de reconhecimento de terreno foram capturados, e batalhões bloqueados", acrescentou. "É um desastre, por completo", opina. De acordo com especialistas militares do Centro Scowcroft do Conselho Atlântico, os russos não conseguiram capturar e manter um aeroporto em funcionamento perto de Kiev.

Provavelmente, o aeroporto foi muito danificado nos combates para ser usado, como planejado, para invadir Kiev, apontaram esses especialistas. Além disso, acrescentam, "a perda de aeronaves e helicópteros russos foi surpreendentemente alta e prejudicial", pois eles não conseguiram destruir as defesas aéreas dos ucranianos.

Aparato eletrônico

Outra surpresa: o uso limitado e ineficaz de armas de guerra eletrônicas que, segundo as expectativas dos analistas, teriam um papel determinante no ataque aos meios de comunicação ucranianos.

“Se os russos tivessem conseguido isolar os líderes militares ucranianos daqueles que comandam, as forças aéreas e de defesa aérea ucranianas teriam sido forçadas a lutar de maneira descoordenada, tornando-as menos letais e mais vulneráveis ??a ataques”, diz o relatório do Centro Scowcroft.

Scott Boston ressalta que os ucranianos continuaram a usar seus drones Bayraktar fabricados na Turquia para destruir as forças russas. "Se os russos são atingidos por drones turcos uma ou duas vezes, ok. Mas se eles forem atingidos mais de uma ou duas vezes, algo está errado do lado russo", destaca.

Para o porta-voz do Pentágono, John Kirby, os russos parecem ter falhado em coordenar bem "suas consideráveis ??e diversas capacidades, e em administrar a logística da invasão". “Temos indicações, desde o início, de que, embora tenham capacidades sofisticadas de armas combinadas, elas não estão, necessariamente, integradas”, acrescentou.

Logística da invasão

As deficiências logísticas dos russos também surpreendem. "Estamos vendo veículos abandonados. Estamos vendo problemas de fornecimento, não apenas de combustível, mas também de comida", disse Kirby, na quarta-feira (2).

Boston, que participou de simulações de guerra de alto nível com foco nas forças russas, aponta que há sinais de que muitos desses militares são jovens, insuficientemente treinados para esse tipo de conflito e, provavelmente, inconscientes de que iriam à guerra.

"As tropas no terreno pareciam não ter ideia de que estavam invadindo a Ucrânia", acrescenta. "Se você não sabe o que está acontecendo, não consegue se adaptar", explica o analista. No entanto, nenhum dos especialistas vê os russos fora de combate.

O avanço de seu Exército estagnou, mas isso pode permitir que Putin resolva seus problemas logísticos, observa Kirby. Pelo contrário, os especialistas temem que a frustração de Putin o estimule a lançar toda a força de sua artilharia, mísseis e poder aéreo sobre o povo ucraniano, com efeitos devastadores.

"A Rússia ainda detém as vantagens de contar com um poder de combate avassalador, que acabará por sobrecarregar as forças ucranianas à medida que a guerra continuar", conclui o relatório do Centro Scowcroft.

No oitavo dia da ofensiva russa, as autoridades ucranianas confirmaram a tomada pelo Exército russo de Kherson, uma das maiores cidades portuárias ao Sul da Ucrânia, com 290 mil habitantes. É a vitória mais significativa das tropas de Moscou até o momento, após uma semana de guerra.

Ucrânia realiza contra-ataques a tropas russas, diz autoridade ucraniana¹

A Ucrânia é capaz de lançar contra-ataques contra as forças invasoras russas mesmo enquanto se defende, disse nesta quinta-feira um conselheiro militar do presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskiy.

"A ajuda para nós está aumentando a cada minuto e a força do inimigo está diminuindo a cada minuto. Não estamos apenas defendendo, mas também contra-atacando", disse ele em um briefing televisionado.

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