África-Rússia: África é um “peão” desnorteado?

O chefe da diplomacia russa fez um périplo por alguns países da África Ocidental. Alguns observadores entendem que a visita visa um reforço “expansionista”, outros advertem que as potências europeias fazem o mesmo.

(DW) Serguei Lavrov fez esta semana uma ofensiva diplomática na África Ocidental, com uma visita a alguns países que começam a deixar de estar na esfera de influência francesa: Guiné-Conacri, República do Congo, Burkina Faso e Chade.

É evidente o esforço do Kremlin em ocupar o vácuo deixado pelo Palácio do Eliseu nesses países, depois da expulsão das suas forças que combatiam o extremismo na região, sublinha o historiador José Milhazes: “É notável que a Rússia está a realizar uma poderosa incursão no continente africano, nomeadamente na República Centro-Africana ou no Mali, por exemplo”.

“Também houve uma tentativa em Moçambique, mas falhou. E deve-se olhar isso com preocupação”, diz Milhazes.

Essa é uma preocupação que não existe para outros. Em 2023, Serguei Lavrov esteve em Angola e Moçambique, no âmbito da mesma estratégia: reforço da presença em África, não apenas nos domínios econômico e militar. Na guerra contra a Ucrânia, Moscou quer saber com quem pode contar.

É uma presença subentendida como uma “cobrança” sutil aos favores feitos na luta contra o colonialismo e contra as guerras civis iniciadas na década de 80.

Chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, e Presidente do Chade, Mahamat Déby

Todos procuram influência

Mas a expansão não é um exclusivo da Rússia, alerta o acadêmico Paulo Wache.

“Em alguns espaços, através de bases militares, noutros através das relações comerciais e econômicas: Tudo é procura de influência e de conquista de espaços como na Guerra Fria, só que na Guerra Fria eram duas ou três partes com os seus satélites. Então, a ofensiva russa enquadra-se dentro de outras ofensivas.”

Esta é uma investida que parece assustar o Ocidente, cuja resposta opta por explorar as fraquezas da Rússia, nomeadamente as supostas violações dos direitos humanos cometidas pelo grupo de mercenários russo Wagner, que atualmente ocupa as posições militares deixadas pela França, como no Burkina Faso.

A África nesse xadrez geopolítico?

Paulo Wache acha que o continente é um peão desnorteado: “Da mesma maneira que as grandes potências estão à procura de influência, as pequenas potências estão receptivas a qualquer tipo de influência”, comenta.

“Vemos países africanos que vão a cimeira África-Rússia, a cimeira China-África, vão a cimeira França-África, EUA-África – quer dizer, qualquer um que quiser oferecer alguma coisa.”

Mas o crescente “descompromisso” dos países africanos para com os parceiros bilaterais é aplaudido no contexto do corte umbilical com as potências neocoloniais ocidentais, por supostamente lhes garantir maior poder negocial no campo internacional. Porém, o especialista em relações internacionais considera-a contraproducente.

“Na minha opinião, é negativo, porque acaba por ser vítima de reuniões que não produzem nenhum efeito prático, os financiamentos prometidos”, afirma Paulo Wache. Há dois anos, a França prometeu 500 mil milhões de euros, mas nem um milhão chegou a África. Ninguém dá o que foi prometido. As nossas estradas continuam rotas, o dinheiro nunca entrou em nenhum Banco Central de um país africano.”

O “amor” do Presidente da Guiné-Bissau à Rússia

No oeste africano, os países de língua portuguesa não escapam aos tentáculos do Presidente russo, Vladimir Putin. A empresa Russa pretende edificar uma linha férrea para ligar a Guiné-Bissau a vários países da região. Mas esse “amor” é recíproco, o Presidente Umaro Sissoco Embaló tem demonstrado uma simpatia descomunal para com Moscou, tendo estado lá em maio para celebrar o Dia da Vitória. Já declarou inclusivamente o seu país como “aliado permanente” da Rússia.

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