Os drones e o erro de alvos: responsabilidade jurídica, moral ou ética?

André Luís Woloszyn¹
Analista de Assuntos Estratégicos

Concomitante ao debate científico sobre o uso da inteligência artificial nas guerras, uma das discussões no âmbito do direito internacional recai na responsabilização jurídica sobre os danos causados pelo uso de veículos aéreos não tripulados (VANT) das classes Predator e Raptor, relacionada à morte e aos efeitos colaterais causados na população civil em áreas fora da zona de combate.

Muitos observadores tem classificado algumas operações desta natureza como execuções ilegais ou eliminação seletiva, atitude que vem despertando uma reprovação generalizada nas populações dos países alvos, contribuindo para o aumento de ações de terrorismo como retaliação.

Se pode afirmar que, no momento, inexiste uma legislação a este respeito tanto nos países sob regimes democráticos quanto na Organização das Nações Unidas. E, há sérias dúvidas se os países-membros, principalmente aqueles que se utilizam desta tecnologia, em larga escala, possuam interesse político para dar andamento a este debate.

Um estudo realizado no ano de 2012 pelas Faculdades de Direito de Stanford e New York sob o título Living Under Drones – “vivendo sob os drones”, com habitantes que viveram esta experiência, concluiu que seu uso sistemático tem vitimado inocentes e causado graves transtornos psicológicos nas populações de países como Iraque, Afeganistão, Paquistão, Somália e Iêmem.

O relatório final apontou que os habitantes frequentemente exibem sintomas de estresse pós-traumático (TEPT), como colapsos nervosos, reações exageradas a ruídos altos, perda de apetite e insônia. Padrões tradicionais de comportamentos sociais foram destruídos ou alterados. Os moradores tem medo de se reunir em grupo, como por exemplo, durante enterros, festas ou encontros entre chefes tribais.

Nesta mesma linha, uma outra pesquisa realizada pela ONG, The New America Foundation, apontou que no período de Janeiro de 2004 à novembro de 2012, os VANT vitimaram entre 1.908 a 3.225 pessoas no Paquistão em 337 ataques. Deste percentual, cerca de 15% eram civis.

Da mesma forma, a organização The Bureau Of Investigative Journalism estima que no Iêmem, cerca de 362 a 1.052 pessoas tenham morrido nestes ataques, dentre estas, 60 a 163 civis. Na Somália, este número é estimado entre 58 e 170 pessoas, das quais, entre 11 e 57 civis. Acredita-se que a cifra oculta aumente em até 65% os números dessas vítimas uma vez que a informação sobre baixas é confidencial.

Zygmunt Bayuman, levanta um ponto de reflexão quando manifesta que a eliminação de pessoas por drones isenta o operador da culpa moral que o assaltaria caso fosse incumbido de selecionar os condenados a executar. Se pessoas inocentes forem vitimadas, será um problema técnico e não uma falha moral, e pela legislação existente, tal ação não seria classificada como crime.

Douglas A. Pryer, contribui neste sentido quando lança o questionamento sobre quando um governo tem o direito de eliminar um indivíduo e quando a eliminação patrocinada por um Estado é lícita, homicídio ou assassinato. Isso, por quê, nestes casos, em particular, a morte destas pessoas não são precedidas de um processo jurídico justo e transparente, ocorrendo aleatoriamente e portanto, com características de execuções sumárias.

José Rodriguez, ex-chefe de contraterrorismo da CIA, na década de 2000, período áureo da doutrina de guerra preventiva também apresenta argumentos contrários, mas por outra razão. Segundo ele, “não há oportunidade para interrogar ou aprender alguma coisa com um suspeito que é vaporizado por um míssil lançado a milhares de quilômetros de distância”.

Embora não existam leis internacionais que proíbam a utilização de máquinas programadas a distância por humanos em uma guerra, direcionada a eliminar inimigos, há um debate moral e ético sobre o uso destas tecnologias bélicas que certamente terá desdobramentos em uma perspectiva jurídica futura.

Como tratar essa questão torna-se o maior desafio para as democracias ocidentais no século XXI, num ambiente caracterizado por ameaças difusas, conflitos internos constantes e questões envolvendo diferentes interesses, de econômicos e estratégicos à hegemônicos, fatores que acentuam ainda mais o uso dessas máquinas, indiscriminadamente.

E, como temem cientistas como Stephen Hawking, Elon Musk e Steve Wozniak, diante da possibilidade de uma nova corrida armamentista semelhante a que vimos na Guerra Fria, não por armas nucleares mas por máquinas cada vez mais autônomas.

Referências:

BAUMAN, Ziygmunt, Vigilância Líquida: diálagos com David Lyon/Zygmunt Bauman, tradução Carlos Alberto Medeiros, Rio de Janeiro, Zahar, 2013, p.86.

PRYER, Douglas A, A ascensão das máquinas: Por que armas cada vez mais perfeitas ajudam a perpetuar nossas guerras e colocam a nação em perigo. Revista Military Review, Centro de Armas combinadas, Forte Leavenworth, Kansas, Julho-Agosto, 2013, p. 2-15

RODRIGUEZ, José, Hard Measures: how aggressive CIA actions after 9/11saved american lives. New York, Threshold e Reprint edition, 2013, p.123.

¹Diplomado em Inteligência Estratégica pela Escola Superior de Guerra, Mestre em Direito e Especialista em Ciências Penais, membro do Núcleo de Estudos de Segurança e Defesa da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

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