Comandante de um “Emtcha” do Exército Vermelho – Parte 2

Nota Defesanet – Na semana do lançamento do "Fury" nos cinemas dos EUA e Europa (Corações de Ferro no Brasil com previsão de lançamento para 05 fevereiro 2015), filme que conta o drama de uma tripulação de um Sherman M4A3E8, liderados pelo vetereno sargento Don 'Wardaddy' Collier (Brad Pitt) nos campos de batalha na Europa. Resolvemos resgatar esse artigo de um comandate de um "Emtcha", Sherman M4A2. Porém, na outra extremidade do TO, no leste, do lado russo em combate contras às forças nazistas utilizando essa máquina.

Artigo publicado originalmente www.iremember.ru e na versão em português (em 2006) no site www.totalkrieg.com.br.

Dividido em duas (2) partes
Comandante de um "Emtcha" do Exército Vermelho – Parte 1
Comandante de um "Emtcha" do Exército Vermelho – Parte 2


Entrevista feita por Valera Potapov e Artem Drabkin
Tradução para o português de Gustavo Caetano (www.totalkrieg.com.br)
Fonte deste artigo: www.iremember.ru

 

Parte 2 (ver parte 1)

Tanquistas que lutaram nos Churchills ingleses apontaram o fraco aquecimento interno como uma deficiência. O sistema padrão de aquecimento era inadequado para o inverno russo. Como o Sherman era equipado nesse sentido?

– O Sherman tinha dois motores conectados por duas juntas de união paralelas. Isso era bom e ruim. Havia ocasiões em que um desses motores parava durante a batalha.

A junta podia ser solta e o tanque podia se arrastar para longe em apenas um motor. Por outro lado havia grandes ventiladores encima dos motores. Nós costumávamos dizer "Abra sua boca e o ar vai sair pelo seu rabo!". Como diabos podiam ficar aquecidos? Havia correntes de ar muito fortes. Talvez viesse algum calor dos motores, mas não foi lhe dizer que aquilo era o suficiente.

Quando parávamos, nós imediatamente cobríamos o compartimento do motor com nossos casacos. Então o tanque se aquecia por várias horas; nós dormíamos nele. Nada no mundo fez com que os americanos nos dessem macacões forrados de lã.

Havia alguma norma para o consumo de munição?

– Sim, havia. Em primeiro lugar, nós levávamos um carregamento básico [BK – boekomplekt – um carregamento completo de munição, um BK do Josef Stalin II era igual a 28 cápsulas – Valera] conosco para batalha. Nós levávamos um BK adicional do lado de fora dos tanques durante grandes jornadas.

Quando fomos para Viena, por exemplo, meu comandante nos ordenou pessoalmente que levássemos dois BK: um dentro e o segundo fora sobre a blindagem. Em adicional nós levamos duas caixas de chocolate e provisão adicional em cada tanque. Nós estávamos sós, por assim dizer.

Isso significava que se tivesse que conduzir um ataque em algum lugar nós teríamos que nos livrar das rações e colocar a munição em seu lugar. Todos os nossos veículos de suprimentos eram Studebakers americanos de duas toneladas. Eles sempre traziam munição para o batalhão.

Há uma coisa que eu gostaria de dizer. Como nós preservávamos nossa munição soviética? Vários cartuchos cobertos de graxa, em caixas de madeira. Alguém tinha que ficar limpando a graxa dos cartuchos por horas.

A munição americana era empacotada em tubos de papelão, três cartuchos pra cada. Os cartuchos ficavam limpos e brilhantes dentro dos tubos. Nós os tirávamos e imediatamente guardávamos dentro do tanque.

Que tipo de munição você levava em seu tanque?

– Perfurante de blindagem e munição de alto-explosivo. Mais nada. A proporção era de um terço de Alta Explosão para dois terços de perfuradora de blindagem.

Talvez a proporção varie com o tanque. Nos JS era o contrário!

– Sim, você está certo. Mas o poder de fogo do JS era tamanho que um tiro era suficiente. Quando fomos para Viena, eles nos deram uma bateria de JSU-152s, três deles (em seu livro Loza os chamada de SAU-152, eu o perguntei sobre esses veículos e ele disse que eram baseados no chassi do JS, então só poderiam ser JSU-152). Eles nos atrasaram muito.

Na auto-estrada nós podíamos fazer 70km/h com os Shermans enquanto os JSUs mal se moviam. Quando entramos em Viena sucedeu-se um incidente que eu descrevo em meu livro. Os alemães nos contra-atacaram com vários Panthers. O Panther era um tanque pesado. Eu ordenei que um JSU avançasse para combater os Panthers. "Bem, dê um tiro", e oh, eles atiraram! Devo dizer que as ruas de Viena eram estreitas, as construções altas e muitos queriam assistir esse combate entre o JSU e o Panther.

As pessoas ficaram nas ruas. O JSU disparou e atingiu o Panther atrás (de uma distancia de 400 ou 500 metros). Sua torre foi arrancada e voou alguns metros. Com a força do tiro todos os vidros das casas em volta quebraram e caíram em nossas cabeças.

Esse dia eu me culpei por não ter previsto isso. Muitos foram feridos. Foi bom que estivéssemos usando capacetes, mas nossos braços ficaram todos cortados. Essa foi minha primeira experiência em combate urbano, e foi triste. Nós ainda dizemos "Um homem inteligente não entra numa cidade, ele a contorna". Mas nesse caso eu tinha ordens específicas para entrar na cidade.

Em geral, Viena foi muito destruída?

– Não, não muito. Não em comparação com Varsóvia, por exemplo. Minha missão era capturar o centro da cidade e o banco. Foram capturadas 18 toneladas de ouro, o que não era mixaria. Os homens brincavam comigo "Se ao menos você pudesse pegar só uma bolsa" e eu respondia "Homens, por quantos anos eu quebraria pedras por esse roubo?".

Em geral, Viena foi muito destruída?

– Não, não muito. Não em comparação com Varsóvia, por exemplo. Minha missão era capturar o centro da cidade e o banco. Foram capturadas 18 toneladas de ouro, o que não era mixaria. Os homens brincavam comigo "Se ao menos você pudesse pegar só uma bolsa" e eu respondia "Homens, por quantos anos eu quebraria pedras por esse roubo?".

Como vocês reabasteciam?

– Cada batalhão tinha vários caminhões tanque. Antes de qualquer batalha os caminhões tinham que ser esvaziados. Se estivéssemos em marcha, então levávamos tanques extras sobre os tanques, e antes do combate nós os largávamos. Os caminhões vinham pela retaguarda e traziam combustível pra gente.

Nunca eram trazidos todos os caminhões de combustível de uma só vez. Assim que um caminhão era esvaziado ele voltava para a brigada e recarregava e o próximo vinha, e assim por diante. Na Ucrânia tínhamos que rebocar esses caminhões com nossos tanques por causa da lama.

A lama lá era terrível. Na Romênia os alemães cortaram nossos suprimentos. Fizemos um coquetel, uma mistura de gasolina com querosene (os M4A2 Shermans era a diesel). Os tanques conseguiam andar com esse coquetel, mas os motores superaqueciam-se.

Vocês tinham tanquistas sem tanques em sua unidade? O que era feito deles?

– Certamente nós tínhamos. Normalmente um terço do total de homens não tinham tanques. Eles faziam de tudo. Ajudavam na manutenção, suprimento de munição, reabastecimento e qualquer coisa que fosse preciso. Eles o faziam.

Vocês tinham veículos camuflados em sua unidade?

– Alguns, mas eu não me lembro deles. Tínhamos de tudo. No inverno nós pintávamos nossos tanques de branco em um sistema obrigatório com tinta ou com cal.

Era preciso permissão para instalar camuflagem? Vocês precisavam de autorização para pintar qualquer tipo de slogan no tanque, por exemplo, "Za rodinu" – Pela Pátria?

– Não, nenhum tipo de permissão era necessário. A escolha era sua – se você quisesse pintar, você pintava. Se não queria camuflar seu tanque, você não camuflava. Quanto aos escritos eu acredito que eles tinham que ser aprovados pelos representantes políticos. Afinal era algum tipo de propaganda.

Os alemães fizeram um amplo uso de camuflagem. Isso ajudava?

– Sim, ajudava muito. Em algumas ocasiões isso foi crucial para eles.

Então porque vocês também não usavam camuflagem tanto quanto eles?

– Faltava-nos material. Nós não tínhamos uma ampla opção de cores. Havia uma cor de proteção e nós a pintávamos. Precisa-se muita tinta para se pintar todo um tanque. Talvez se tivéssemos tido acesso a outros cores de tinta, nós tivéssemos feito maior uso de camuflagem. Em geral havia várias coisas a se fazer: concertos, reabastecimento e assim por diante.

Os alemães eram mais ricos. Eles não tinham apenas camuflagem, mas também usavam zimmerit em seus tanques pesados.

A tripulação recebia contussões quando o tanque era atingido, mesmo se o projétil não penetrasse a blindagem?

– Geralmente, não. Depende de onde o projétil atingia. Digamos que eu estivesse sentando no lado esquerdo da torre e um projétil atingisse o tanque perto de mim. Eu ouvia o impacto, mas não me machucava. Se ele atingisse em algum lugar do corpo do tanque, talvez eu nem mesmo o ouvisse.

Isso acontecia com freqüência. Nós saíamos depois de um combate para inspecionar o tanque e encontrávamos marcas de impactos na blindagem, como manteiga cortada por uma faca quente. Algumas vezes o motorista gritava "Eles estão atirando da esquerda", mas não havia nenhum som que sobressaísse. É claro que se uma arma poderosa como um JSU-152 nos atingisse, nós ouviríamos, e em seguida perderíamos a cabeça junto com a torre.

Eu gostaria de acrescentar que a blindagem do Sherman era forte. Havia casos de T-34s serem atingidos, mas o projétil não penetrava, mas mesmo assim a tripulação era ferida por estilhaços da blindagem que voam da parte interna do tanque. Isso nunca aconteceu em um Sherman.

Qual o oponente mais perigoso? Um canhão, tanque ou avião?

– Todos eram perigosos até que o primeiro tiro fosse disparado. Mas em geral os mais perigosos são os canhões antitanque. Eles eram muito difíceis de distinguir e de derrotar. Os artilheiros os enterravam no chão até que seus canos ficassem literalmente deitados sobre o solo. Você podia ver apenas alguns centímetros do escudo. O canhão atirava. Era bom quando tinha freio de boca e o tiro fazia a poeira subir. Mas se fosse inverno ou se tivesse chovendo!

Havia casos em que você não podia ver de onde o fogo vinha, mas a infantaria sim? Se sim, como eles lhes guiavam?

– Algumas vezes eles batiam na torre e gritavam. Às vezes eles atiravam na direção do inimigo com balas traçantes ou atiravam um foguete sinalizador em sua direção. E geralmente o comandante olhava pela torre. Nenhum dos periscópios, mesmo os da torre de comando, nos dava boa visibilidade.

Como você mantinha contato com seu comandante e os outros tanques?

– Por radio. Os Shermans tinha dois rádios, HF e UHF, de excelente qualidade. Usávamos o HF para comunicação com nossos superiores e o UHF para comunicação dentro do batalhão ou da companhia. Para comunicação dentro do tanque nós usávamos o sistema de interfone. Funcionava muito bem.

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