TJSP – Acordão sobre Fotógrafo atingido em Manifestação

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O Editor


Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Câmara Extraordinária de Direito Público

Registro: 2014.0000533300

 

ACÓRDÃO

 
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0108144- 93.2008.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO e ALEXANDRO WAGNER OLIVEIRA DA SILVEIRA, são apelados ALEXANDRO WAGNER OLIVEIRA DA SILVEIRA e FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO.
 
ACORDAM, em 2ª Câmara Extraordinária de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso voluntário da ré e ao reexame necessário e negaram provimento ao recurso do autor.

V.U. Sustentou oralmente a Dra. Monica Filgueira da Silva Galvão.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
 
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente sem voto), MAURÍCIO FIORITO E RODRIGUES DE AGUIAR.
 
São Paulo, 28 de agosto de 2014.
Vicente de Abreu Amadei
RELATOR
 
Assinatura Eletrônica
 

VOTO Nº 8.247
APELAÇÃO Nº 0108144-93.2008.8.26.0000 E REEXAME
NECESSÁRIO.
APELANTES E APELADOS, reciprocamente:
Alexandro Wagner Oliveira da Silveira (autor).

Fazenda do Estado de São Paulo (ré).


 

APELAÇÕES E REEXAME NECESSÁRIO Ação de indenização Repórter fotográfico ferido em cobertura jornalística durante manifestação realizada na Avenida Paulista, Capital-SP, em movimento grevista Boa probabilidade de que o ferimento, no olho esquerdo, do qual resultou descolamento de retina e sequela incapacitante, parcial e permanente, para exercer funções que necessitem de referência de visão normal, resultar de disparo de projétil de borracha efetuado por policial Intervenção policial justificada, ante a ilícita obstrução da via pública pelos manifestantes, que resistiram à desocupação da via, inclusive de modo agressivo Uso da força pública, de bombas de efeito moral e de disparos de projéteis de borracha necessários Ausência de elementos para se afirmar, no caso, ocorrência de abuso ou excesso na referida conduta policial atrelada ao tal disparo que feriu o autor Posição da vítima em meio ao tumulto, entre os manifestantes e os policiais, observada a sua permanência no local de conflito, para fotografar, em situação de risco ou de perigo assumido, a excluir a responsabilidade do ente público Sentença de procedência parcial da demanda reformada para de improcedência RECURSO DA RÉ E REEXAME NECESSÁRIO PROVIDOS. DESPROVIDO O RECURSO DO AUTOR.

 
Trata-se de reexame necessário e apelações (fls. 285/295: da ré; fls. 336/370: do autor) reciprocamente interpostas pela Fazenda do Estado de São Paulo (ré) e por Alexandro Wagner Oliveira da Silveira (autor) em ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada por este contra aquela, em face da r. sentença (fls. 269/275), que julgou procedente em parte a demanda e condenou a ré ao pagamento dos danos materiais comprovados a título de reembolso de todas as despesas médico-hospitalares, incluindo medicação a serem apuradas em liquidação de sentença, tudo atualizado monetariamente desde cada desembolso e acrescidos dos juros legais de mora de 1% (um por cento) ao mês, contados desde a citação, bem como ao pagamento do valor equivalente a 100 (cem) salários mínimos vigentes na data da liquidação da sentença, a título de danos morais e estéticos. Declarada a sucumbência mínima do autor, a ré também foi condenada ao pagamento das custas, das despesas processuais e dos honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação devidamente atualizado.
 
A ré-apelante, em seu recurso, pede a reforma da r. sentença, para a improcedência da demanda, sustentando, em resumo, que os fatos ocorreram em meio a conflito entre manifestantes em greve e policiais, com tumulto em via pública, não havendo comprovação do nexo causal entre a lesão sofrida pelo autor e a ação policial, destacando, ainda, que o autor assumiu o risco de ser ferido ao permanecer no local, no meio do tumulto.
 
Subsidiariamente, afirma que houve excesso na fixação do valor indenizatório e no arbitramento dos honorários de advogado.

O autor-apelante, em seu recurso, pede a reforma da r. sentença, para a procedência integral da demanda, alegando, em síntese, que houve falha do julgador no exame das provas, observada a conduta violenta e excessiva de repressão policial, bem como a inexistência de culpa exclusiva ou concorrencial sua, a sua incapacidade total para o trabalho e, ainda, o baixo valor fixado a título de indenização por dano moral, que busca elevar.
 
Recebidos os recursos nos efeitos devolutivo e suspensivo (fls. 371), foram sucessivamente contrariados (fls. 382/402: pelo autor; 448/453: pela ré), e os autos subiram a este E. Tribunal de Justiça.
 
É o relatório, em acréscimo ao da r. decisão recorrida.
 
Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade dos recursos, observando, ainda, a imposição do reexame necessário ante a condenação ilíquida em desfavor da Fazenda Pública.
 
O autor, ora apelante, Alexandro Wagner Oliveira da Silveira, deduziu pretensão indenizatória por danos materiais e danos morais contra a Fazenda do Estado de São Paulo, por ferimento, perda da visão e incapacidade para o trabalho, que imputa à conduta policial, por excesso na repressão de manifestação de greve, da qual terminou vítima.
 
É fato certo e bem comprovado nos autos que, no dia 18/05/2003, houve manifestação de greve nesta Capital, na Avenida Paulista, em frente ao MASP, a qual se realizava com interrupção de apenas uma das vias de direção daquela via pública, mas, em determinado momento, diversos manifestantes resolveram parar a via oposta de direção, interrompendo o tráfego de veículos deste outro lado, e, então, a tropa de choque da Polícia Militar interveio, para desobstruir aquela pista, e, assim, ocorreu o triste tumulto: de um lado, manifestantes atirando pedras, paus e coco nos policiais, e, de outro, os policiais agindo com uso de cacete, bombas de efeito moral e disparos de balas de borracha (fls. 21/36, 41, 47, 161/164, 264/267).
 
Certo, ainda, que o autor, que se encontrava no local, trabalhando como repórter fotográfico, em cobertura jornalística, terminou ferido por agente contundente, na região do olho esquerdo, e daí, houve hemorragia vítrea e descolamento de retina, que resultou em limitação visual (para além daquela que ele já tinha no olho direito, por causa endógena e congênita) ou baixa visão, sequela esta, portanto, incapacitante, de modo parcial e permanente, para exercer funções que necessitem de referência de visão normal (fls. 37/38, 208/216, 245/250, 264/267).
 
Não há, contudo, nas provas dos autos, plena certeza em relação ao objeto contundente que feriu o autor, nem àquele que foi pessoalmente responsável por isso, nem até mesmo, se partiu de ação dos policiais ou dos manifestantes: a) o ambiente era de confusão ou tumulto, com recíprocos lançamentos (pelos policiais e pelos manifestantes) de objetos próprios ao efeito contundente; b) a perícia, neste ponto, foi inconclusiva, destacando não ser “possível estabelecer qual foi o agente contundente” (fls. 214/215 e 245); c) apenas uma testemunha presencial aponta o disparo de bala de borracha, subsequente à explosão de uma bomba de efeito moral, como a causa material da lesão (fls. 264), mas o próprio autor, quando ouvido extrajudicialmente (fls. 161/164), declinou sua incerteza, dizendo, quanto ao objeto, que apenas “imagina ter sido bala de borracha”, observando, entretanto, que o médico que lhe atendeu, parecia descartar isso, bem como bomba de efeito moral, dizendo que “tiro não era porque não havia queimadura nem estilhaço
de bomba” (fls. 163).
 
É preciso ponderar, todavia, que, mesmo sem esta plena certeza, há elevada probabilidade para se afirmar que disparo de projétil de borracha efetuado por policial tenha sido a causa eficiente daquela lesão, considerando não só o forte conjunto probatório tendente a esta conclusão, mas também a série de indícios que cercam os fatos, desde o fato de o autor estar no tumulto em que houve a repressão policial com disparo de bala de borracha, até a circunstância de que é necessário forte impacto de objeto contundente no olho para o efeito hemorrágico e de descolamento de retina, que terminou ocorrendo, compatível, pois, com bala de borracha disparada.
 
Assim, dou-me por convencido de ser a bala de borracha disparada por policial a causa eficiente do infortúnio.
 
Mas, ainda assim, mesmo diante da verificação dos danos, por consequência de disparo, por policial, de projétil de borracha, as circunstâncias em que os fatos ocorreram não autorizam, a meu ver, a indenização por responsabilidade imputada ao ente público.
 
Com efeito, destaque-se, de um lado, que o conjunto dos elementos probatórios dos autos não autoriza afirmar que tenha havido abuso ou excesso na referida conduta policial atrelada ao tal disparo, observando não só a circunstância de indevido bloqueio de tráfego de via pública pelos manifestantes, que insistiam nesta conduta ilícita, a justificar a repressão policial, bem como o tumulto consequente, inclusive com lançamentos de pedras, paus e coco nos policiais, que também justificaram reação policial mais enérgica, com lançamento de bombas de efeito moral e disparos de balas de borracha, para dissipar a manifestação já qualificada, para além de ilícita, como agressiva.

Até aí, então, é possível afirmar o estrito cumprimento do dever legal de polícia militar. Todavia, apenas isto não basta para afastar a responsabilidade objetiva do ente público (cf. Ap. nº 0001454-20.2010.8.26.0081, rel. Des. Wanderley José Frederighi, j.2012).
 
Mas, de outra banda, este fato ausência de ilicitude, abuso ou excesso na ação policial em exame, que refletiu apenas estrito cumprimento de dever legal de força pública atrelado à verificação de causa excludente de responsabilidade é suficiente para afastar a responsabilidade do ente público.
 
De fato, a teoria do risco administrativo, que fundamenta a responsabilidade objetiva do ente público por ato comissivo de seus prepostos (art. 37, § 6º, da CF), independe da verificação do elemento subjetivo (dolo ou culpa do agente público) nem sequer é afastada pelo estrito cumprimento do dever legal do agente público; todavia, isto não significa que foi acolhida, em nosso ordenamento jurídico, a teoria do risco administrativo integral.
 
Daí, afirma-se que é possível afastar a responsabilidade do ente público ante as excludentes de responsabilidade, tal como a “culpa exclusiva da vítima”, ou a “legítima defesa própria e/ou de terceiros”, situação, por exemplo, suficiente para “afastar a responsabilidade pública” daqueles “que deram causa a atuação policial”, ou seja, de quem estava “diretamente envolvido no tumulto” (Ap. nº 0120551-40.2006.8.26.0053, rel. Des. Luis Francisco Aguilar Cortez, j.29/01/2013. Confira, ainda, no mesmo sentido: Ap. nº 0014964-33.2007.8.26.0590, rel. Des. Oswaldo Luiz Palu, j. 30/01/2013).
 
Ora, no caso, o autor, embora não fosse um dos manifestantes (ou um daqueles que diretamente provocou o tumulto ou causou a reação policial), encontrava-se no local, como repórter fotográfico, no meio daquela confusão, ou seja, no tumulto, entre os manifestantes e os policiais, buscando extrair fotografias do que ocorria, e, assim, realmente colocou-se em situação de risco ou de perigo, quiçá inerente à sua profissão (fls. 267 e 432).
 
Permanecendo, então, no local do tumulto, dele não se retirando ao tempo em que o conflito tomou proporções agressivas e de risco à integridade física, mantendo-se, então, no meio dele, nada obstante seu único escopo de reportagem fotográfica, o autor colocou-se em quadro no qual se pode afirmar ser dele a culpa exclusiva do lamentável episódio do qual foi vítima.
 
Daí, então, o provimento da apelação da ré, para julgar improcedente a demanda, invertendo os encargos do processo para condenar o autor ao pagamento das despesas do processo e da verba honorária, que fixo, por equidade, nos termos do art. 20, § 3º, em R$1.200,00 (mil e duzentos reais), com a ressalva da assistência judiciária (fls. 142), e o desprovimento do recurso ao autor.
 
Pelo exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso da ré e ao reexame necessário, para os fins e nos termos retro, e NEGO PROVIMENTO ao recurso do autor.
 
VICENTE DE ABREU AMADEI

Relator.
Apelação nº 0108144-93.2008.8.26.0000 – Voto nº 8.247

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