Manifestações como atos de terrorismo

André Luís Woloszyn
 Analista de Assuntos Estratégicos, consultor de agências internacionais

 
 
É visível a preocupação de algumas autoridades governamentais com a questão da segurança pública para os grandes eventos, especialmente para a Copa do Mundo em perspectiva também para os Jogos Olímpicos de 2016. Em particular, com prováveis manifestações violentas que possam denegrir a imagem institucional do país ou causar sérios incidentes diplomáticos, caso alguma das delegações seja atingida ou mesmo algum de seus membros seja vítima de uma ação violenta.
 
Porém, na tentativa de obstaculizar estas ações, fica claro que existe desconhecimento e naturalmente grandes contradições. Talvez a maior delas seja, considerar manifestações e protestos populares, como atos de terrorismo. Estas, historicamente, sempre foram consideradas um direito dos cidadãos sob um regime de estado democrático, na defesa dos interesses coletivos. Sua negação ou mesmo impedimento viria contra os princípios constitucionais da livre manifestação e pensamento, esculpidos na Constituição Federal e nas legislações internacionais de defesa dos direitos humanos.
 
Refiro-me, especificamente, a Proposta de Lei nº 728/2011 que tipifica o crime de terrorismo e prevê limitações ao direito à greve, considerando atos de manifestações, sob  determinadas circunstâncias, um crime de terrorismo com penas de 15 a 30 anos de reclusão. Uma legislação típica de um estado de exceção que acarretará  redução dos direitos e garantias individuais para satisfazer a boa imagem institucional perante a opinião pública mundial. Casos semelhantes ocorrem somente em países sob regimes totalitários como na China e em Cuba, onde insatisfações de qualquer espécie, não são toleradas e, punidas severamente.
 
Em casos específicos como os  que vem ocorrendo como vandalismos, saques, lesões corporais ou mesmo morte, já existe um amparo legal para processar seus autores com base na legislação penal vigente. Agora, se não são conduzidos adequadamente, se há impunidade generalizada e dificuldades em identificar culpados, é outra história e mais uma lei, complexa como são as que tratam do antiterrorismo, não irá resolver o problema.
 
O foco deste como de outros projetos não deveria recair nas manifestações, mas na formação de determinados grupos ou pessoas com o objetivo exclusivo de propagar a violência e com potencial de colocar em cheque a estabilidade política do país com reflexos em todas as expressões do poder nacional. Isto sim, deveria ser enquadrado como terrorismo pois se relaciona com as características de mais de 300 definições existentes sobre o tema, inclusive, em países desenvolvidos. Entre estas, a natureza indiscriminada, a imprevisibilidade e arbitrariedade, a gravidade dos atos e seu caráter  amoral e de anomia. 
 
Para termos uma ideia geral, o texto do USA Patriot Act, conceitua terrorismo como sendo todas as atividades que envolvam atos violentos para a vida humana e que violem as leis criminais dos EUA ou de qualquer estado da federação cometido dentro da jurisdição dos EUA com a intenção de intimidar ou coagir a população civil, influenciar a política governamental por meio da intimidação ou coação e afetar a governabilidade pela destruição massiva, assassinatos e sequestros. 
 
Como vemos, é temeroso criar leis sob  pressão ou comoção pública, a exemplo da lei de crimes hediondos de 1990, alterada pela lei 11.464 de 2007. É necessário um estudo aprofundado e meticuloso para separar o crime comum do terrorismo, embora qualquer movimento, grupo ou pessoa, possam, conforme o ato, praticar ações terroristas.  Neste contexto, não acredito que haja vontade política nem clima para criar e aprovar uma lei antiterrorista num país em que a própria polícia, possui sérias restrições para atuação neste tipo de conflito, e que são, constantemente monitoradas, em busca de deslizes e ações mais “agressivas” de parte de grupos políticos e segmentos da mídia. O mesmo raciocínio serve para o projeto de criminalização das  desordens.
 
Outro condicionante, é no sentido de que a nova lei, se aprovada, não se torne um precedente perigoso por conta dos “com exceção de” que poderá legitimar outros abusos, hoje manifestamente ilegais e transformá-la em uma excrescência.  Certamente, terá efeito negativo  para nossa imagem interna e externa, de uma democracia que ainda se consolida, embora todos os  esforços contrários.

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